A média de gastos dos municípios na educação em relação a receitas de arrecadação e transferências caiu de 26,7% para 17,8% do primeiro semestre de 2020 para igual período deste ano. O dado, da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), indica taxa média de gastos na primeira metade de 2021 bem aquém do mínimo constitucional de 25% estabelecido para a área.
As prefeituras têm até o fim do ano para chegar ao mínimo, mas o quadro, diz a FNP, mostra que os municípios terão dificuldades. Prefeituras defendem suspensão de punições no caso de descumprimento em 2020, 2021 e 2022. Ficar abaixo do mínimo pode levar à rejeição de contas pelos tribunais e à inelegibilidade de prefeitos, além de afetar habilitação a operações de crédito, diz Gilberto Perre, secretário executivo da FNP.
A redução da taxa de gastos com educação está não só ligada à evolução das despesas, como também das receitas, explica Perre. Nas pequenas cidades, o bom desempenho das transferências federais via Fundo de Participação dos Municípios (FPM) durante o primeiro semestre de 2021 elevou receitas que integram o denominador do indicador. Nas grandes cidades, o desempenho da arrecadação própria foi em geral melhor que o esperado.
Perre ressalta ainda que a base de comparação é baixa. No ano passado, já sob os efeitos da pandemia, muitos municípios tiveram dificuldade para cumprir o mínimo. Os repasses extraordinários a Estados e municípios em 2020 em razão da pandemia não entraram na conta do mínimo de 25% no ano passado. No campo das despesas, a dificuldade está ligada ao ensino remoto, diz Perre, o que reduziu custos com manutenção de escolas, horas extras ou contratação de professores temporários, por exemplo.
A demissão de professores temporários foi uma dos expedientes adotados pelos municípios, mas é uma prática que gera preocupação agora que a maioria das redes está reabrindo as escolas, destaca Anna Helena Altenfelder, presidente do conselho de administração do Cenpec, uma entidade da sociedade civil. “Com as aulas à distância, aqueles que eram temporários acabaram sendo dispensados porque um mesmo professor pode transmitir as aulas para diversas turmas. Agora, na volta, isso vai ter consequências graves porque, muitas vezes, aqueles profissionais tinham experiências de muitos anos de rede”, afirma.
Perre destaca que os municípios consideram fundamental investir em educação. “Não há dúvida disso, mas a situação do momento é excepcional, com demanda ainda forte de despesas na saúde.” Pela racionalidade no gasto público, diz, não se pode executar qualquer despesa somente com o objetivo de atingir o mínimo. Além disso, a Lei Complementar 173, que estabeleceu as transferências extraordinárias no ano passado, restringiu reajustes a servidores estaduais e municipais até o fim de 2021.
O receio dos educadores é que as escolas estejam sendo reabertas agora sem as condições necessárias. “Criou-se uma impressão que os municípios estão trabalhando com um custo menor porque as ações ordinárias [de custeio da educação] não estavam acontecendo. Mas isso não quer dizer que está sobrando dinheiro na educação ou há necessidade de menos. Temos hoje necessidades prementes e está pesando muito sobre as redes municipais a resolução de questões técnicas e financeiras”, afirma Anna Helena.
Segundo ela, há diversos relatos sobre municípios que ainda não estão preparados nas questões mais básicas, como compra de máscaras e reforma das escolas. “Além disso, há uma série de ações pedagógicas necessárias, como contratação e formação de professores e elaboração de material escolar. É muito preocupante olhar esse número porque ele demonstra o baixo investimento dos últimos meses e isso deveria ter sido reforçado para a volta às aulas”, afirma ela.
Para Perre, prefeituras que ficaram com gastos em educação em torno de 17% no primeiro semestre dificilmente conseguirão atingir o mínimo de 25% neste ano, mesmo com maior retorno das aulas presenciais. Para isso, explica Perre, os municípios teriam de gastar 25% no segundo semestre e ainda executar a diferença relativa ao período de janeiro a junho. O gasto público, destaca, não é facilmente executável, já que estabelece licitações e vários outros procedimentos. Além disso, conta, vários prefeitos que estão tentando aumentar a execução via digitalização, têm esbarrado em falta de oferta de equipamentos.
Um dos riscos é de aumento ainda mais forte das desigualdades entre as redes de ensino passado o momento mais agudo da pandemia. “O ensino remoto não alcançou aquilo que era esperado, alguns conseguiram desenvolver plataformas de ensino à distância e outros ficaram com material impresso e rádio, por exemplo. Agora, a volta às aulas também será desigual e cada rede vai ter de planejar o retorno de olho na realidade de cada escola”, afirma Anna Helena.
Outro aspecto que chama a atenção, diz Perre, é que a tendência é de que a dificuldade de chegar aos 25% seja mais acentuada nos municípios maiores. O levantamento da FNP mostra que municípios com até 5 mil habitantes ou acima de 5 mil a 10 mil habitantes atingiram, no primeiro semestre deste ano despesa com educação de 23,1% e 20,6% em relação às receitas, respectivamente, mais próximos do mínimo constitucional do que as cidades com mais de 400 mil habitantes, que ficaram com 14,8% em igual período.
A FNP fez um levantamento considerando gastos no primeiro bimestre, primeiro quadrimestre e primeiro semestre deste ano em relação a iguais períodos do ano passado. Kleber Castro, consultor da FNP que fez o levantamento, pondera que cada um dos períodos comparados leva em consideração um universo diferente, dos municípios que já tinham entregue os dados relativos às despesas de educação.
A FNP observa que o percentual de municípios que transmitiu o relatório do terceiro bimestre ao Siope ainda é baixo, chegando a no máximo 50% em alguns poucos Estados. Considerando a média, porém, diz Castro, é possível verificar que há tendência de queda de despesas em relação ao ano passado. O levantamento considerou os critérios de despesa para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) estabelecidos para o cumprimento do mínimo de 25%.