• Redação Galileu*
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Presença de variante genética pode estar associada a casos assintomáticos de Covid-19 (Foto: Nappystock)

Presença de variante genética pode estar associada a casos assintomáticos de Covid-19 (Foto: Nappystock)

Passado mais de um ano do início da pandemia de Covid-19, cientistas do mundo inteiro seguem empenhados em estudar o Sars-CoV-2 e descobrir o máximo de informações possível sobre o vírus e o desenvolvimento da doença no nosso organismo. Agora, o tema da vez está relacionado a casos assintomáticos e sintomáticos: o que explica essa disparidade de respostas do corpo humano frente ao novo coronavírus?

Em trabalho disponível no site de artigos pré-publicados Medrxiv, pesquisadores sugerem que a diferença pode estar associada ao DNA de cada paciente. O estudo, que analisou dados de 21.893 voluntários, foi liderado pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e contou com a contribuição da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A pesquisa indica que pessoas com a variedade HLA-B*15:01 têm 2,4 vezes mais chances de permanecerem assintomáticas ao serem infectadas pelo Sars-CoV-2. No caso dos indivíduos com duas cópias dessa variante genética, há 9 vezes mais probabilidade de os sintomas não se manifestarem.

Compreender os processos envolvidos nos quadros assintomáticos é especialmente importante porque esses são os casos ligados a uma reação mais certeira do sistema imunológico. Nessas situações, a pessoa infectada tem uma resposta imune bem direcionada contra partes relevantes do vírus e, assim, consegue impedir o progresso dele com um mínimo de inflamação.

Já em formas mais graves da Covid-19, além dos efeitos do Sars-CoV-2, o corpo também está diante de uma intensa inflamação. Apesar de ser útil à medida em que auxilia o sistema imune a neutralizar o patógeno, ela pode pode ir além do necessário e causar danos ao próprio organismo, agravando os impactos virais.

O que é HLA-B*15:01?

Para entendermos exatamente o que a descoberta quer dizer, vale a pena destrinchar o significado de HLA-B*15:01. Essa mistura de letras e algarismos representa um tipo de sequência de DNA que se refere a um determinado gene. A primeira parte (HLA-B) está atrelada ao locus, um local específico em uma cadeia de DNA, e a segunda, depois do asterisco, mostra a variedade que ocupa aquele locus.

Presença de variante genética pode estar associada a casos assintomáticos de Covid-19 (Foto: Reprodução/Protein Data Bank)

Representação gráfica da molécula HLA-B*15:01 em interação com um peptídeo artificial (Foto: Reprodução/Protein Data Bank)

O HLA (human leukocyte antigen, ou antígeno leucocitário humano) é um conjunto de genes responsáveis por regular o sistema imunológico, e, por terem um papel fundamental na imunidade, estão entre os mais relevantes da medicina. Na prática, eles são capazes de controlar o mecanismo de memória relacionado às infecções por meio de um antígeno voltado para a célula T.

Os antígenos consistem em partes de vírus, bactérias e protozoários que já infectaram nosso organismo. A partir dessa informação guardada pelo HLA, as células de defesa conseguem produzir os anticorpos necessários para combater as infecções e nos proteger.

“Todos os indivíduos produzem moléculas HLA, mas a diferença de sequência dos alelos [variações de um gene em uma espécie] altera a proteína e determina a especificidade de cada molécula”, explica, em nota, o pesquisador Danillo Augusto, professor do Laboratório de Genética Molecular Humana da UFPR. “Cada molécula HLA pode apresentar um conjunto distinto de moléculas para as células T. Por isso, uma mesma variante HLA pode conferir maior proteção a certas doenças e, ao mesmo tempo, conferir um maior risco para outras.”

A grande diversidade de genes encontrada no locus HLA-B é resultado da herança genética que os seres humanos recebem dos pais biológicos e que determina a variante (alelo) que virá após o asterisco. O HLA-B*15:01, diz Augusto, é uma configuração comum, vista com uma frequência relativamente alta na população mundial.

Como foi feito o estudo?

A pesquisa teve como base informações de pessoas que fazem parte do programa de doadores de medula óssea dos Estados Unidos. Isso porque são justamente os genes HLA que permitem a compatibilidade de um transplante de órgãos ou tecidos e que, portanto, devem ser analisados em pacientes que precisam das cirurgias e em possíveis doadores.

Por meio da iniciativa “Covid-19 citizen science”, os pesquisadores desenvolveram um aplicativo de celular e convidaram os cadastrados no programa de doares de medula a responderem, semanalmente, se haviam testado positivo ou negativo para a infecção pelo Sars-CoV-2, quais sintomas apresentaram, entre outras questões.

Até janeiro de 2021, 640 participantes foram diagnosticados com Covid-19. Deles, 90 não apresentaram sintomas e, conforme revelaram um cruzamento de dados e uma análise estatística rigorosa, o HLA-B*15:01 apareceu com uma frequência expressivamente maior no grupo dos assintomáticos.

A investigação foi repetida com usuários cadastrados a partir de fevereiro. Entre os 788 casos positivos para o novo coronavírus, 46 não registraram sintomas. Novamente a presença do HLA-B*15:01 foi associada à infecção assintomática. Além disso, para garantir a confiabilidade das respostas coletadas pelo aplicativo, uma amostra de respondentes disponibilizou documentos comprobatórios, como resultados de exames e laudos médicos.

Uma vez detectada a variante genética associada a infecções assintomáticas, o próximo passo dos pesquisadores será entender quais tipos de mecanismo o corpo utiliza para combater o coronavírus e eliminá-lo antes que ele se reproduza e cause sintomas nos pacientes.

“Nossa hipótese é que essa molécula HLA é capaz de produzir uma resposta inicial mais efetiva contra o Sars-CoV-2”, pontua Augusto. “Investigar esse aspecto pode levar à descoberta de mecanismos desconhecidos de proteção contra o vírus, além de identificar alvos para possíveis tratamentos ou produção de vacinas mais específicas”, conclui.

*Com informações da Assessoria de Comunicação da UFPR.