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Economia

Azul prepara ofensiva na Justiça dos EUA para comprar Latam

Estratégia é apresentar em NY um plano de recuperação para a rival como forma de conquistar os credores
Azul prepara ofensiva na Justiça dos EUA para comprar Latam na marra Foto: Montagem
Azul prepara ofensiva na Justiça dos EUA para comprar Latam na marra Foto: Montagem

SÃO PAULO — As próximas semanas serão decisivas para a definição do panorama do mercado aéreo brasileiro, em uma batalha que terá como palco a Corte de Nova York, nos EUA. É lá que tramita o processo de reestruturação do grupo chileno Latam. É ali também que a Azul vai tentar aprovar um plano de recuperação judicial concorrente ao da rival para tentar levar a Latam Brasil na marra, em uma estratégia considerada por especialistas ousada e inédita no país.

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Entre os obstáculos, estão o acesso limitado a informações financeiras da Latam Brasil pela Azul, a competição pelo ativo com outras empresas aéreas, e a possibilidade de os atuais controladores do grupo chileno receberem seus créditos em ações, além de entraves regulatórios junto ao Cade (órgão antitruste brasileiro).

A Latam pediu proteção contra a falência à justiça americana em julho de 2020, e precisa apresentar a seus credores uma proposta de plano de recuperação judicial até o fim de junho. Nesta quarta, no entanto, a empresa solicitou prorrogação do prazo até setembro.

Os controladores do grupo hoje não querem vender ativos, mas a decisão final caberá aos credores da empresa e ao juiz do processo nos EUA.

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Os rumores de um eventual interesse da Azul pela operação brasileira do grupo ocorrem desde que a empresa e a Latam Brasil anunciaram um acordo de code share (compartilhamento de rotas), em agosto do ano passado . Na ocasião, no entanto, o presidente da Latam Brasil já descartava o assunto.

A vontade da Azul de fechar um negócio com o grupo chileno não surtiu avanços com os atuais controladores da empresa, pelo contrário. Em 24 de maio, a Latam Brasil anunciou a decisão de encerrar unilateralmente o acordo de code share .

Em resposta, a rival controlada pelo empresário David Neeleman afirmou ao mercado que “acredita em um movimento de consolidação ”, escancarando a ideia de comprar uma concorrente.

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“Percebemos que a consolidação da indústria seria importante para a recuperação pós-pandemia e a Azul parte fundamental em iniciativas desse tipo. No final do primeiro trimestre desse ano, contratamos consultores financeiros e estamos estudando ativamente oportunidades de consolidação. Acreditamos que o encerramento do codeshare pela Latam seja uma reação a esse processo”, disse à época o presidente da Azul, John Rodgerson, em nota.

Para conseguir o que deseja, a Azul precisa simultaneamente preparar um plano alternativo de recuperação judicial que preveja a venda da Latam Brasil ou da holding inteira da Latam e convencer um número relevante de credores a apresentar esse plano como seus.

Para Ana Carolina Monteiro, advogada do escritório Kincaid Mendes Viana, o sucesso da estratégia da Azul é hoje, improvável.

— A Azul não tem informações completas sobre o caixa da subsidiária brasileira da Latam, diferentemente dos acionistas. Teria de fazer um plano de recuperação parcialmente no escuro e ele teria de ser melhor que o da Latam, que não tem interesse em vender suas operações — diz ela.

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Ministério da Economia propôs voo em classe executiva para todos os servidores públicos Foto: Divulgação
Ministério da Economia propôs voo em classe executiva para todos os servidores públicos Foto: Divulgação

Outro obstáculo importante é o fato de que acionistas atuais da Latam, como a família Cueto e a Qatar, estão entre os financiadores do empréstimo DIP (Debtor in possession, em inglês) recebido pela empresa a partir de outubro do ano passado.

O DIP  garante aos credores prioridade absoluta no recebimento dos créditos e foi aprovado pela Justiça americana em agosto de 2020.

O negócio foi estruturado em duas tranches (partes). Na primeira, de US$ 1,3 bilhão, o fundo especializado em ativos estressados Oaktree entrou com US$ 1,125 bilhão, enquanto a Knighthead Capital participou com US$ 175 milhões.

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Na segunda tranche, de até US$ 1,15 bilhão, a previsão era de que a Qatar e os grupos Cueto e Eblen entrassem com US$ 750 milhões, a Knighthead com US$ 250 milhões e minoritários com o restante.

O DIP foi resultado de uma negociação da Latam com a Knighthead, um dos seus credores que questionou a primeira oferta de financiamento formulada pelo grupo chileno. Entre os aspectos questionados da primeira proposta estava a possibilidade de os financiadores optarem por receber parte dos créditos em participação societária na empresa.

Segundo Ana Carolina, o pagamento dos créditos em ações poderá e provavelmente será definido no plano de recuperação judicial que a Latam deve submeter à aprovação dos credores.

Azul não desiste de comprar operação brasileira da Latam e prepara ofensiva em Corte dos EUA Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Azul não desiste de comprar operação brasileira da Latam e prepara ofensiva em Corte dos EUA Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

O eventual recebimento em ações é comum em processos de reestruturação, de acordo com a advogada, e dificultaria a estratégia da Azul.

Para o advogado Thomas Felsberg, porém, a estratégia da companhia de Neeleman pode ser viável se propor quitar todo o valor do DIP recebido pela Latam já na largada. Nos bastidores, pessoas familiarizadas com o assunto afirmam que a Azul tem bom acesso a crédito e mais de uma instituição financeira interessada em financiar sua estratégia.

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Felsberg explica que a Latam deve primeiro apresentar o seu plano de recuperação e que só se ele não for aprovado é que os credores do grupo podem apresentar um plano alternativo.

— Estamos ainda na fase em que a Latam vai propor as coisas, mas a empresa sabe que precisa chegar a um acordo com os credores. Caso contrário, eles podem propor um plano de recuperação que preveja a alienação dos ativo. Nos EUA, eles se organizam em comitês por tipo de credores. Os mais relevantes para a Latam são os arrendadores de aeronaves e os fornecedores — afirma.

Além disso, nos Estados Unidos as decisões sobre homologação do plano são tomadas pelo juiz do caso. — Os credores votam o plano, mas é o Judiciário depois diz se o aceita ou não. O que predomina é o interesse da atividade. O processo está voltado a uma melhor recuperação de crédito — diz Felsberg.

A Azul precisa convencer credores a apresentarem seu plano alternativo ou comprar os créditos de algum credor para poder fazer diretamente a proposta, de acordo com o advogado.

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Além disso, mesmo se conseguisse a homologação de um plano alternativo, a Azul ainda precisaria aprovar a operação no Brasil junto à Agência Nacional de Aviação Civil e junto ao Cade.

Novo avião da Azul Foto: Divulgação
Novo avião da Azul Foto: Divulgação

— É um processo complexo. O ideal seria abrir um processo de cooperação no Brasil para reconhecer os efeitos da recuperação judicial americana aqui, o que a nova lei de Falências permite. Isso pode ser feito por um representante nomeado pelo juiz americano, por exemplo — conta Felsberg.

— É um negócio arriscado. A legislação brasileira permite que se abra um processo auxiliar no Brasil que reconheça as decisões da justiça americana, mas essa ação ainda não existe. Qualquer parte do processo poderia pedir que isso fosse feito — afirma Monteiro.

Para André Castellini, sócio da consultoria Bain, apesar de sua dívida e de seus problemas, o grupo Latam como um todo é atrativo e deve despertar interesse de outras companhias.

— A compra que faz mais sentido é a da holding inteira. Segregar a operação brasileira hoje é complexo, envolveria perder sinergias com o restante da Latam. Se comprasse o grupo, a Azul se consagraria como uma grande companhia global — diz.

Nos bastidores, pessoas ligadas à Azul sinalizam, porém que até o momento o interesse da Azul é apenas pela Latam Brasil.