Vacina

Por Lara Pinheiro, G1


Estudo diz que vacina russa contra o coronavírus induz resposta imune e é segura

Estudo diz que vacina russa contra o coronavírus induz resposta imune e é segura

A vacina da Rússia para a Covid-19 não teve efeitos adversos e induziu resposta imune, indica um estudo com resultados preliminares publicado na revista científica "The Lancet", uma das mais importantes do mundo, nesta sexta-feira (4). Os cientistas russos reconheceram a necessidade de mais testes para comprovar a eficácia da vacina.

Chamada de "Sputnik V", a imunização foi registrada no mês passado na Rússia, mas a falta de estudos publicados sobre os testes gerou desconfiança entre a comunidade internacional.

O diretor do Fundo de Investimento Direto Russo, (RDIF), Kiril Dmitriev, anunciou à imprensa que a Rússia vai liberar a tecnologia para a vacina começar a ser produzida no exterior em novembro.

No Brasil, o governo do Paraná firmou uma parceria para desenvolver a vacina russa e, nesta sexta (4), informou que o pedido de registro do imunizante à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve ser feito em 10 dias. Os testes no país devem começar em 1 mês.

Resposta imune forte e de longo prazo

Segundo os resultados publicados, referentes às fases 1 e 2, não houve efeitos adversos até 42 dias depois da imunização dos participantes, e todos desenvolveram anticorpos para o novo coronavírus (Sars-CoV-2) dentro de 21 dias.

Os cientistas do Instituto Gamaleya, que desenvolveu a vacina, disseram à imprensa que essa resposta foi maior do que a vista em pacientes que foram infectados e se recuperaram do novo coronavírus naturalmente.

A vacina russa foi testada em 76 pessoas. Todas receberam uma forma da vacina (veja detalhes das etapas dos testes mais abaixo), sem grupo controle (o que recebe uma substância inativa, o placebo), que serve para que os resultados sejam comparados entre os dois grupos).

A médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, lembra, entretanto, que criar anticorpos não significa proteção contra a doença.

"Produzir anticorpos não significa que tem proteção, significa que tem resposta imune. Só vai saber se dá proteção se tiver dois grupos – um placebo e um com a vacina – e ver quais pessoas se infectaram com e sem a vacina. Só se pode falar em proteção pela vacina com isso", destaca Garrett.

Os resultados também sugerem que a vacina produz uma resposta das células T, um tipo de célula de defesa do corpo, dentro de 28 dias. As células T têm, entre outras funções, destruir células infectadas por um vírus. Os cientistas do Gamaleya afirmaram que as respostas de células T vistas com a vacina indicam não só uma resposta imune forte, mas de longo prazo.

O fato de não haver grupo controle foi notado pelos cientistas como uma limitação do estudo. Outro ponto limitante é que, em geral, os voluntários incluídos eram relativamente jovens, com idades entre 20 e 30 anos (apesar de a idade de recrutamento ter sido entre 18 e 60 anos). Pessoas mais velhas correm mais risco de desenvolver a forma grave da doença e morrer pela infecção.

'Vamos licenciar vacinas sem todas as informações completas', afirma Renato Kfouri

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O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, disse que o resultado é importante, mas ressalta que ainda falta a fase 3, em que a vacina é testada em um grande número de pessoas.

"É um estudo aguardado, publicado em uma revista séria. Hoje a vacina pode ser categorizada como realmente uma candidata, mas isso ainda depende de estudo de fase três onde estão 7 outras vacinas", disse Kfouri.

Sputnik V produz níveis de anticorpos menor que vacina de Oxford, explica pesquisador

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Julio Croda, infectologista da Fiocruz e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) diz que há estudos prévios que sugerem que uma resposta duradoura está ligada à imunidade celular, e não ao anticorpo que circula no sangue.

"Isso não é um fato novo dessa vacina, mas prova que essa vacina gera essa imunidade celular, que é duradoura", avalia Croda.

O especialista diz que o estudo publicado na revista científica mostra que a vacina russa parece produzir um nível de anticorpos um pouco menor do que a vacina de Oxford, que está sendo testada no Brasil. "Mas, definitivamente, só depois dos resultados da fase 3 de testes a gente vai poder comparar essas diferentes tecnologias."

Etapas

As fases 1 e 2 dos testes de uma vacina buscam verificar a eficácia e a segurança delas, ainda com menos participantes que a fase 3. Normalmente, os testes de fase 1 têm dezenas de voluntários, os de fase 2, centenas, e os de fase 3, milhares.

Na fase 3, o objetivo dos testes é verificar a eficácia em larga escala. Nesta etapa, a Rússia pretende chamar 40 mil voluntários. As fases costumam ser conduzidas separadamente, mas, por causa da urgência dos resultados, várias vacinas têm sido testadas simultaneamente em mais de uma fase.

A médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, avalia que o problema da vacina russa é que a imunização foi aprovada sem os resultados da fase 3.

"Teria sido ótimo se tivessem feito da seguinte maneira – publicado esses resultados e passado para a fase 3. Passar para a vacinação em massa sem fase 3 é desastroso", avalia Garrett. "Se há um efeito adverso que é de 1 em cada 100 pessoas, não seria detectado, já que eles testaram só 76", lembra.

Ela destaca que, caso fosse essa a incidência de efeitos colaterais graves, muitas pessoas poderiam ser afetadas.

"Centenas de milhares, milhões, até bilhões de pessoas podem receber essa vacina", lembra. Se houver efeito adverso em uma a cada cem pessoas, por exemplo, "se aplicar em mil pessoas, são 10 pessoas previamente sadias que vão desenvolver efeito adverso grave", ressalta Garrett.

"Se eu tivesse visto esse resultado logo no início e depois passasse para a fase 3, eu ficaria entusiasmada com essa vacina", completou. "Essas fases [1 e 2] são muito limitadas. Eu não posso enfatizar o bastante a necessidade de fase 3".

Como funciona a vacina russa

A foto, do dia 6 de agosto, mostra a vacina desenvolvida na Rússia contra a Covid-19, a primeira a ser registrada em todo o mundo contra a doença. — Foto: Handout / Russian Direct Investment Fund / AFP

A vacina russa usa dois vetores de adenovírus, que funcionam como um "veículo de lançamento" do novo coronavírus no corpo: um é o adenovírus humano recombinante tipo 26 (rAd26-S) e o outro é o adenovírus humano recombinante tipo 5 (rAd5-S), que foram modificados para expressar a proteína S do novo coronavírus. A proteína S é a que o vírus usa para entrar nas células e infectá-las.

Os adenovírus usados foram enfraquecidos, de modo que não pudessem se replicar (ou seja, é o que se chama de vetor viral não replicante) nas células humanas e não podem causar doenças (o adenovírus geralmente causa o resfriado comum).

Infográfico mostra como funciona uma vacina de vetor viral — Foto: Arte G1

A tecnologia é a mesma usada em uma vacina desenvolvida pela Rússia para o ebola. Com base nesses resultados anteriores, os cientistas dizem esperar que a "Sputnik V" garanta imunidade de até 2 anos para a Covid-19.

Denise Garrett explica que usar os dois adenovírus diferentes para "carregar" o vírus faz com que a vacina seja uma espécie de "duas em uma". Isso é importante porque, como o adenovírus é um vírus comum, usar apenas um deles pode fazer com que o sistema de defesa do corpo não o reconheça como um "invasor" e não produza uma resposta imune tão forte contra ele.

"Foi uma boa estratégia", avalia a epidemiologista.

Duas "versões" da vacina foram testadas: uma congelada, destinada a cadeias de produção globais, e outra liofilizada (desidratada), destinada a locais mais difíceis de alcançar.

"Ter as duas formulações da vacina é ótimo. A formulação liofilizada é ótima para transporte e distribuição da vacina, principalmente para países de baixa e média renda, onde há dificuldade de ter freezer e eletricidade nas unidades de saúde", afirma Garrett.

A vacina liofilizada pode ser mantida em uma temperatura entre 2ºC e 8ºC, segundo os cientistas russos.

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