Por Kleber Tomaz e Cesar Tralli, G1 SP e TV Globo — São Paulo


Policiais civis reclamam de abordagens de PMs e gravam vídeo em SP

Policiais civis reclamam de abordagens de PMs e gravam vídeo em SP

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) vai adotar um protocolo único de abordagem entre policiais de São Paulo depois que três agentes da Polícia Militar (PM) foram mortos a tiros por um falso policial civil, no último dia 8 de agosto, na capital paulista.

As novas regras serão divulgadas na próxima semana, quando começarão a valer no estado. O objetivo é que as revistas a suspeitos sejam mais seguras para os agentes de segurança. De acordo com a SSP, esse será o primeiro protocolo conjunto da história, com padronização única de abordagem entre policiais da PM e da Polícia Civil

Enquanto o protocolo conjunto não sai, policiais estão endurecendo, por conta própria, as abordagens. Elas passaram a se tornar mais rigorosas por causa dos assassinatos dos três policiais militares na Zona Oeste. Em contrapartida, estão causando conflitos entre agentes militares e civis.

No dia 25 de agosto, por exemplo, dois casos de abordagens de policiais militares a verdadeiros policiais civis acabaram em desentendimentos na cidade de São Paulo.

Um dos episódios foi registrado em vídeo que viralizou nas redes sociais, após bate-boca entre agentes armados na Zona Leste (veja acima). O outro ocorrido, também na Zona Oeste, foi parar na delegacia por suspeita de ‘abuso de autoridade’ e ofensas entre membros das Polícias Civil e Militar.

Para evitar que situações assim gerem desconfiança e instabilidade entre as duas forças de segurança, entidades de classe dos policiais se manifestaram publicamente, pedindo que a pasta da Segurança Pública tome medidas que devolvam a aparente cordialidade e respeito que havia antes das mortes dos três PMs.

De acordo com a assessoria de imprensa da SSP, o documento que irá padronizar como deve ser feita a abordagem entre policiais civis e militares será publicado na semana que vem.

Protocolo único

Soldado Celso Ferreira de Menezes Júnior tinha 33 anos e estava na corporação há mais de 10 anos. O soldado Victor Rodrigues Pinto da Silva tinha 29 anos, e deixa uma esposa grávida. O sargento José Valdir De Oliveira Júnior tinha 37 anos e deixa uma filha e a esposa grávida de gêmeos. — Foto: Reprodução/Redes sociais

A decisão de fazer o protocolo único de abordagem entre policiais foi do próprio secretário da Segurança, general João Camilo Pires, segundo a comunicação da pasta. A assessoria não antecipou, porém, quais serão as regras que passarão as ser adotadas.

A ideia da padronização surgiu dia 8 desse mês, quando os soldados Celso Ferreira de Menezes Júnior e Victor Rodrigues Pinto da Silva e o sargento José Valdir de Oliveira Júnior foram assassinados a tiros pelo falso policial civil Cauê Doretto de Assis.

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, os 3 PMs acharam que Cauê pudesse ser mesmo policial e, por esse motivo, descuidaram da própria segurança, sendo mortos em seguida.

Naquela ocasião, os PMs tinham abordado o carro onde ele estava com um amigo na Avenida Politécnica, no Butantã. Como Cauê havia dito que era policial civil, os agentes então pediram a arma e a carteira funcional falsificada do suspeito, que as entregou sem passar por revista pessoal.

Enquanto os policiais militares viraram de costas para checar se Cauê era policial, o suspeito sacou uma segunda arma, baleou um PM na cabeça, atingiu o segundo e trocou tiros com um terceiro. Os três PMs morreram. Foram mais de 15 disparos. O falso policial foi ferido e também faleceu.

Segundo a assessoria da Secretaria da Segurança será o primeiro protocolo de abordagem entre policiais na história das duas polícias.

"O protocolo em desenvolvimentos pelas duas secretarias executivas da pasta será o primeiro entre policiais no Estado", informa comunicado da pasta da Segurança.

Os secretários executivos da PM, coronel Alvaro Camilo, e da Polícia Civil, o delegado Youssef Abou Chahin, participam do texto do documento que está sendo elaborado para padronizar um formato único de abordagem entre os policiais.

“Por determinação do Secretário de Segurança Pública, General João Camilo Pires de Campos, desde o último dia 8, as secretarias executivas da pasta trabalham para a adoção de um protocolo único de abordagem entre policiais. O trabalho está em fase final e será publicado na próxima semana”, informa o comunicado enviado à reportagem pela Secretaria de Segurança Pública.

"Conforme informado anteriormente, a decisão pelo protocolo se deu em razão do episódio do último dia 8 de agosto, com a morte de três policiais militares", reforçou a assessoria da SSP.

Portaria de 1992

Policial militar é gravado por policial civil enquanto justifica a revista mais rígida dizendo que outros três PMs tinham sido mortos no início do mês durante abordagem a um falso policial civil em São Paulo — Foto: Reprodução/Redes sociais

Agentes ouvidos pela reportagem disseram ainda que usam uma portaria da Corregedoria da PM, de 1992, como uma espécie de “protocolo único” para normatizar como deve ser feita a abordagem de um PM a um policial civil.

"Até então, as instituições contavam com atos normativos esparsos, incluindo a portaria citada.", informa a assessoria da Secretaria da Segurança.

É justamente essa portaria que foi mencionada no último dia 25 por um policial civil a policiais militares que apontavam armas e cercavam ele e outros agentes da Polícia Civil na Zona Leste. Reclamando da maneira como estavam sendo tratados, esse civil resolveu filmar a abordagem com seu celular.

“Vamos respeitar a portaria conjunta”, diz o policial civil aos PMs no vídeo.

A portaria determina, por exemplo, que abordagens entre policiais têm de ser comunicadas imediatamente a um delegado, além de serem ‘serenas’ e evitar ‘discussões’ ou acúmulo de viaturas.

“Não é questão mais de portaria ou não portaria. Tão matando a gente”, responde um policial militar ao policial civil, lembrando a ele que três PMs tinham sido mortos por um falso policial no começo de agosto. “Três polícia [sic] nosso perderam a vida outro dia, por quê?”

O PM que fala no vídeo, juntamente com os demais militares, queria ver se os distintivos que os civis apresentavam eram mesmo de policiais. Além disso, pediam que os agentes da civil entregassem as armas que usavam.

Naquela ocasião, os policiais civis eram da 2ª Divisão de Investigações sobre Furtos, Roubos e Receptações de Veículos e Cargas (Divecar) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Eles faziam prisões em flagrante de três suspeitos de receptação de suportes de televisores roubados.

'Abuso de autoridade'

PM alega que não há como seguir portaria sobre abordagem a agentes depois que três outros policiais militares foram mortos por um falso policial civil na capital — Foto: Reprodução/Redes sociais

Ainda no mesmo dia 25 desse mês, um policial civil acusou dois policiais militares da Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (Rocam) por “injúria” e “abuso de autoridade” ao abordá-lo na Zona Oeste.

Segundo o boletim de ocorrência que o policial civil registrou na delegacia onde ele trabalha, no 96º Distrito Policial (DP), no Brooklin, Zona Sul, os PMs deram ordem para o policial parar a viatura descaracterizada que dirigia durante o horário de trabalho.

Depois, segundo o policial civil, os PMs passaram a ofendê-lo e xingá-lo com palavrões. Ele contou na delegacia que os PMs foram embora sem pegar sequer seus dados para se certificar que ele era realmente policial civil.

Procurada para comentar o assunto, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública informou por meio de nota que a Polícia Civil e a Polícia Militar acompanham os casos, mas sem entrar em detalhes.

“Os casos citados pela reportagem são acompanhados pelos comandos das instituições”, informa o comunicado da pasta da Segurança.

Especialistas

Polícia investiga morte de três policiais militares durante abordagem

Polícia investiga morte de três policiais militares durante abordagem

Fato é que entidades de classe de policiais militares e de policiais civis estão acompanhando preocupadas as mudanças e conflitos nas abordagens após as mortes dos 3 PMs.

“O que a PM está fazendo não é rixa com a Polícia Civil. Os policiais militares estão sendo agora rigorosos no protocolo para não morrer”, disse o coronel da reserva Elias Miler da Silva, presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar de São Paulo, conhecida como Defenda PM.

Apesar de o coronel mencionar que há um protocolo de abordagem, segundo outras fontes da reportagem, esse protocolo é uma adaptação da portaria de 1992, citada mais acima.

Segundo o coronel José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, alguns policiais militares usam as normas presentes no Procedimento Operacional Padrão (POP) da PM para realizarem abordagens em policiais. Mas não há informação se lá consta alguma regra específica, diferenciando uma revista num cidadão comum e num agente de segurança.

“Desconheço a existência de protocolo para incidentes entre as corporações. Sei que a PM tem um POP , o Procedimento Operacional Padrão, de abordagem que vale para todos os casos. Esse POP é um conjunto de ações para obter a cooperação do abordado e resguardar a segurança do policial. Para mim é bastante provável que no caso da morte dos três PMs houve falha na observação do POP”, disse o coronel José Vicente.

Por esse motivo, o sindicato dos delegados resolveu enviar um ofício à pasta da Segurança cobrando a criação de um protocolo único de abordagem entre policiais.

“Em razão da ocorrência de eventos reativos, em face da morte de três policiais militares praticada por criminoso, que portava uma carteira funcional falsa, durante uma abordagem, urge que as instituições policiais, visando uma resposta rápida à população e ao próprio público interno, elaborem protocolo operacional conjunto para padronizar a abordagem policial”, pediu a delegada Raquel Kobashi Gallinati Lombardi, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp).

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