Por Márcia Brasil e Pedro Bassan, RJ1


Prefeitura de Caxias quer fazer creche em espaço que foi terreiro de Joãozinho da Gomeia

Prefeitura de Caxias quer fazer creche em espaço que foi terreiro de Joãozinho da Gomeia

A prefeitura de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense anunciou que vai começar a construção de uma creche em um terreno que é considerado lugar sagrado para o candomblé. O antigo terreiro de Joãozinho da Goméia está abandonado atualmente, com focos de dengue e animais no local.

“Além da sujeira, essa fábrica de dengue aqui né. Alguns pneus estão com terra, mas outros não. E acumula água, uma fábrica de dengue né?”, disse o morador do bairro Antônio da Silva Ferreira.

O baiano João Alves Torres Filho foi um dos pioneiros do candomblé na Região Sudeste e um dos mais importantes pais de santo do país nos anos 50 e 60. Segundo relatos, o chamado Tata Londirá, teria recebido em Duque de Caxias a visita dos presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

Joãozinho da Gomeia foi homenageado pela Grande Rio no enredo do carnaval de 2020. A escola levou para a Marquês de Sapucaí um debate sobre tolerância religiosa. Ele morreu em 1971 e um conflito pela herança espiritual do pai de santo encerrou as atividades nesse espaço.

Apesar do terreno estar coberto de lama e sujeira, arqueólogos afirmam que embaixo de de 1,5 metro de terra se esconde um patrimônio histórico e religioso. Por isso, o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) iniciou um processo de tombamento do terreno, que ainda está em curso.

Mesmo com o processo em andamento, o prefeito Washington Reis anunciou as obras. “Nós vamos começar aqui nos próximos 60 dias a execução aqui da creche mais linda de Duque de Caxias”.

O Ministério Público Federal pediu explicações à prefeitura e ao Inepac sobre o futuro do antigo terreiro da Gomeia.

“O Ministério Público se preocupa primeiro com a decisão unilateral e a declaração da prefeitura de construir uma creche num lugar que tem uma análise de patrimônio histórico, de proteção da memória relacionada a Joaozinho da Goméia. É necessário que isso seja muito bem analisado, que considere todos os processos que estão em trâmite no estado e no próprio Ministério Público”, disse o procurador da República, Julio José Araújo Neto.

Além de incomodar os moradores, a visão do terreno abandonado é um motivo de dor espiritual para os praticantes do candomblé. Pai Roberto Braga, ou Tata Luazemi, disse que uma obra que ignore o passado do lugar é mais um gesto de intolerância.

“Aquela área é uma área sagrada. Toda ela. Os quatro cantos dela, o meio dela. Aonde se anda dentro da Gomeia se sente a energia que foi plantada lá atrás por seu João da Gomeia. Hoje, nós não olharmos para aquilo é a mesma coisa que apagar a mesma coisa que apagar a memória do candomblé aqui no Rio de Janeiro vindo da Bahia. Então nós temos que ter esse cuidado (...) Temos que ter creche? Temos que ter muitas creches. Mas, Caxias tem espaço bem maior que cabe muito mais creche em lugares que tem mais necessidades, e por que ali?”, questionou o pai de santo Roberto Braga.

O que dizem os citados

O Inepac disse que o processo de tombamento está em fase de finalização. O único documento pendente é o estudo arquitetônico, que está paralisado por causa da pandemia. O instituto disse ainda que notificou a prefeitura de Duque de Caxias e mantém o diálogo com o governo municipal e a comunidade da Goméia.

A prefeitura de Duque de Caxias afirmou que o terreno foi desapropriado e reforçou que a ideia é transformar a área abandona em uma creche. Informou ainda que está aberta ao diálogo, caso o MPF ou outro órgão apresente um projeto alternativo melhor que o da creche.

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