Por Daniel Silveira e Marta Cavallini, G1 — Rio de Janeiro e São Paulo


Racismo estrutural no mercado de trabalho brasileiro

Racismo estrutural no mercado de trabalho brasileiro

A desigualdade racial no mercado de trabalho brasileiro é histórica e se acentuou diante da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. É o que apontam dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério da Economia.

Os principais indicadores mostram que os pretos e pardos, que representam mais da metade da população do país (56,8%) foram os mais prejudicados pelos efeitos da crise no mercado de trabalho, sobretudo os pretos. Os dados apontam que:

  • O desemprego aumentou mais entre os pretos
  • A taxa de desemprego entre os pretos foi mais expressiva que entre os demais
  • O nível da ocupação entre os pretos ficou ainda menor que o dos brancos
  • A queda da taxa de ocupação entre os pretos foi mais intensa que entre os demais
  • Pretos têm menor proporção entre os trabalhadores com carteira assinada
  • A remuneração dos pretos é menor que a dos demais em todos os segmentos

"Sempre que saem os relatórios, os indicadores sociais relacionados à população negra dão conta de uma condição pior. A crise não traz uma nova causa, um novo motivo em si mesmo. Mas ela escancara mais essa precarização a qual está submetida, historicamente, a população negra", afirma o diretor do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, Daniel Teixeira.

Trabalhadores pretos foram os mais afetados no mercado de trabalho diante da crise provocada pela pandemia — Foto: Economia/G1

O desemprego avançou entre todos os segmentos da população brasileira, mas foi entre os pretos que houve o maior salto.

De acordo com o IBGE, na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2020, que correspondem aos três primeiros meses de pandemia, a taxa de desemprego entre os pretos aumentou em 2,6 pontos percentuais (p.p.) e a dos pardos, 1,4 p.p. Já entre os brancos a alta foi de apenas 0,6 p.p..

A taxa de desemprego entre os pretos ficou em 17,8%, e entre os pardos, em 15,4%. A dos brancos, por sua vez, ficou em 10,4%, 2,9 p.p. abaixo da taxa geral do país, que ficou em 13,3%.

Assim, a diferença da taxa dos pretos em relação à dos brancos foi de 7,4 p.p., à dos pardos de 2.4 p.p., e de 4,5 p.p. em relação à média geral do país.

Além do avanço mais expressivo do desemprego entre pretos e pardos, o nível de ocupação destes grupos ficou abaixo do de brancos no 2º trimestre.

Na comparação com o 1º trimestre, o nível de ocupação dos pretos teve queda de 6.9 p.p. e o dos pardos de 6.1 p.p.. Já entre os brancos a queda foi de 4.9 p.p..

Apesar de os pretos terem o maior percentual de participação dentro da força de trabalho (que inclui pessoas em idade de trabalhar, ocupadas ou não), a queda na taxa de ocupação deles foi mais intensa que entre os pardos e brancos, tanto na comparação com o 1º trimestre deste ano quanto com o 2º trimestre do ano passado.

Na comparação com o 1º trimestre, a queda da taxa de ocupação entre os pretos foi de 2.9 p.p. e entre os pardos, de 1,7 p.p.. Já entre os brancos, o recuo foi de 1,1 p.p..

Segundo o economista da Fundação Getúlio Vargas Marcelo Neri, que é diretor do FGV Social, o maior aumento do desemprego e a maior queda da ocupação de pretos e pardos durante a pandemia podem ser explicados pelos efeitos do isolamento social sobre os setores de comércio e serviços, que foram os mais impactados.

"São setores heterogêneos, principalmente o de serviços. Esses setores tendem a ser mais intensivos para pretos e pardos que outros setores como a indústria, que é mais branca. Isso pode ter relação com a escolaridade também, mas são várias dimensões que se sobrepõem", apontou o pesquisador.

Neri enfatizou que a informalidade no mercado de trabalho também pode explicar os efeitos mais negativos para pretos e pardos no que se refere ao desemprego e à ocupação. Ele destacou que estes grupos formam a maioria entre os trabalhadores informais no Brasil.

Dados consolidados pelo IBGE em 2019 mostram que enquanto a taxa de informalidade entre os brancos foi de 30,1%, chegou a 39,9% para pretos, e a 43,5% para os pardos.

Já os dados mais recentes do IBGE, que avaliou os efeitos da pandemia no mercado de trabalho, mostraram que o número de trabalhadores informais no país teve queda de 9,4% em cinco meses de pandemia.

"Essa é uma recessão atípica em termos de informalidade, que geralmente funciona como colchão que amortece as quedas trabalhistas. Mas, desta vez a informalidade caiu porque o isolamento social foi mais impactante para esse setor, que emprega mais pretos e pardos", enfatizou Neri.

Mercado formal

No mercado de trabalho com carteira assinada, os pretos e pardos têm menor participação em relação aos brancos.

De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2019, enquanto os brancos representavam 38,92% do total de trabalhadores formais, pretos e pardos somavam 32,22%.

O restante fica entre os amarelos, indígenas, não identificados e servidores estatutários. Por setores, os negros têm maior participação na agropecuária e construção.

Pretos e pardos têm menor proporção de carteiras assinadas nos principais setores econômicos do Brasil — Foto: Economia/G1

Remunerações mais baixas

Pretos e pardos também ganham menos em relação aos demais. Eles têm remuneração média real quase R$ 1 mil menor que a média geral do país. Em relação aos brancos, a diferença também fica em torno de R$ 1 mil a menos. Já em comparação com os amarelos, é cerca de R$ 2 mil menor.

A remuneração média das mulheres pardas e pretas é ainda menor que a dos homens pretos – a diferença entre os gêneros fica em torno de R$ 500.

No entanto, na comparação entre homens e mulheres, a diferença na remuneração dos pretos e pardos para brancos e amarelos é maior entre o sexo masculino - passa de R$ 1,2 mil em relação aos brancos e chega a R$ 2.100 em relação aos amarelos. Já as mulheres pretas e pardas chegam a ganhar R$ 860 a menos em relação às brancas e R$ 1,6 mil em relação às amarelas.

Pretos e pardos têm remureração de trabalho menor que brancos e amarelos — Foto: Economia/G1

Em todos os setores analisados pela Rais, os pretos e pardos recebem remuneração menor que brancos e amarelos. A menor diferença no valor está justamente nos setores que mais empregam os negros: agropecuária e construção.

Em relação a 2018, os pretos e pardos só ficaram atrás dos indígenas (-5,61%) na queda da remuneração média. Pretos tiveram queda de 1,61% e pardos, de 1,68%, enquanto que entre os brancos o recuo foi menor, de 0,76%.

A única alta de rendimentos foi registrada entre os amarelos, de 0,49%. A redução entre os pardos e pretos foi maior que a queda média da remuneração no país, de 1,31%.

Os pretos e pardos também ganham menos em todos os níveis de escolaridade. No nível superior completo, a diferença fica em torno de R$ 4 mil em relação aos amarelos e de R$ 2 mil em relação aos brancos.

Entre os analfabetos, a diferença de salários para brancos e amarelos fica entre R$ 300 e R$ 400. No nível fundamental e médio, a diferença varia entre R$ 100 e R$ 400.

Educação X preconceito

Segundo o economista diretor da FGV Social, Marcelo Neri, há dois fatores preponderantes que explicam a desigualdade de renda no Brasil: a educação e o possível preconceito por parte das empresas empregadoras.

Os dados mais recentes sobre educação divulgados pelo IBGE, por exemplo, apontam que na faixa de 18 a 24 anos os brancos têm duas vezes mais chance de estar na universidade ou de já ter concluído o ensino superior do que os pretos e pardos. Os dados da Rais evidenciam que quanto maior o nível de instrução, maior a remuneração.

"A educação explica 30% da desigualdade de renda, mas o chamado efeito empresa no mercado formal tem um poder explicativo duas vezes maior ,segundo a literatura recente. Isso está ligado à política de diversidade das empresas. Se pegar um dado como a Rais, por exemplo, você vê que tem empresas mais favoráveis a pretos e pardos, que têm uma política de igualdade racial, uma área de diversidade e compliance mais desenvolvidos, então eu diria que o efeito firma pode explicar mais essa desigualdade", disse o pesquisador.

Questionado, Neri sugeriu que, além da criação de políticas públicas e privadas que possam favorecer a população negra no mercado de trabalho, faz-se necessário investir mais na qualidade da educação no país.

"É importante pensar em políticas que possam melhorar a qualidade escolar. Acho que é importante não premiar notas altas, mas a melhora de notas. Isso tenderia a ser mais pró-negros, porque os brancos [que têm mais acesso ao ensino de qualidade] têm mais facilidade de tirar melhores notas", sugeriu o pesquisador.

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