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COMBUSTÍVEIS

Na crise da Petrobras, a ameaça a Bolsonaro não eram os caminhoneiros

Bolsonaro acena para caminhoneiros: greve não era o perigo

O medo de um levante de caminhoneiros à semelhança do que parou o país em 2018 tem sido apontado como o principal motivo para Jair Bolsonaro trocar o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, por um general de sua confiança, Joaquim da Silva e Luna. O próprio presidente deixou clara tal preocupação na live em que disse que "alguma coisa vai acontecer na Petrobras nos últimos dias": "O presidente da Petrobras falou que determinava o preço e não tinha nada que ver com os caminhoneiros, e isso tem uma consequência, obviamente”. 

Na prática, a ameaça caminhoneira não era tão grave assim. Ao contrário do que aconteceu em 2018, quando a ideia de uma greve foi ganhando força antes de a paralisação realmente começar, não havia, nos últimos dias, indicativo de que o fenômeno se repetiria. As próprias lideranças da categoria afirmam que não havia ambiente e nem mobilização para uma greve. Ao que tudo indica, a resposta para a forma enfática e espalhafatosa como Bolsonaro apeou Castello Branco do posto tem a ver com outro movimento: o das curvas de aprovação do governo nas  pesquisas de opinião.

Embora a insatisfação com os reajustes de preço do combustível seja enorme – já foram quatro desde janeiro –, as próprias lideranças da categoria deixam claro que não havia nem greve, nem grandes tumultos no horizonte. Pelo contrário. "A demissão não foi para evitar a paralisação, essa hipótese não existe. Recebi várias manifestações de caminhoneiros de que não são massa de manobra e não embarcariam nessa", diz Roberto Mira, o presidente da NTC Logística, a associação de transportadores de carga, que detém 60% da frota de caminhões do Brasil e é um apoiador de longa data de Bolsonaro.  "O caminhoneiro sabe que o problema está no ICMS, que incha e torna injusto o preço do diesel e da gasolina no Brasil. O Castello Branco estava sendo manipulado, na minha opinião, por um grupo que tinha interesse em jogar o preço do combustível lá em cima, até mesmo para atingir o presidente. Não havia nenhum movimento programado contra o governo federal", afirma. 

Mira conhece bem a dinâmica dos caminhoneiros no Brasil. Embora seja representante dos donos de frotas, ele conhece os líderes de associação ou federação autônoma, e sabe de cor qual o estilo de atuação e a representatividade de cada um. Nos últimos dias, viajou centenas de quilômetros para conhecer uma liderança emergente de autônomos, Adriano Caruso, que no último dia 17 organizou um tratoraço na avenida Paulista contra o aumento de ICMS anunciado por João Doria (parcialmente revogado).

Em 2018, teve um papel relevante não só na organização da greve (que na época muita gente classificou como um locaute), como também forma como Bolsonaro se capitalizou politicamente. "Em 20 de maio daquele ano (na véspera da paralisação), ele (Bolsonaro) me ligou e me perguntou ‘Mira, o que falo?’, e eu respondi ‘uai, apóia!’, conta ele. No dia 28, quando a greve continuava nas rodovias, Bolsonaro ligou de novo. "Falei para ele dizer que os brasileiros a partir dali seriam prejudicados, que os caminhoneiros já deram seus recados, foram heróis, mas que ‘já deu’. Esse vídeo circulou rapidamente no Brasil inteiro e, no dia seguinte, todo mundo parou (de bloquear estradas)”.

Desde o início do governo Bolsonaro, os caminhoneiros tentaram duas vezes fazer greves e grandes manifestações. O primeiro foi em maio de 2019, no auge da crise entre o presidente e o Supremo Tribunal Federal. Ramiro Alves, conhecido líder caminhoneiro bolsonarista, prometeu colocar 1,5 mil carretas e 400 ônibus na Esplanada dos Ministérios em apoio ao presidente. Apareceram apenas alguns poucos gatos pingados. Uma outra tentativa ocorreu no último dia 1o, desta vez capitaneada por Plínio Dias, do Conselho Nacional dos Transportadores Rodoviários de Cargas (CNTRC), que prometia parar por prazo indeterminado contra os reajustes de combustíveis. O movimento rachou, porque a maior parte das lideranças foi contra. Não houve nada além de alguns bloqueios pontuais em rodovias federais. O governo agora tenta criar compensações para a categoria, como uma "bolsa caminhoneiro" e um fundo com dinheiro de royalties para conter altas de preços. "Tudo o que o presidente podia fazer por nós, ele fez", diz Mira, da NTC. 

A troca, portanto, tem pouco a ver com os caminhoneiros.Duas pesquisas de opinião divulgadas nesta semana mostram que a maioria dos brasileiros apóia algum tipo de controle do governo sobre os preços dos combustíveis – 56%, segundo a XP Ipespe, e 60,5%, de acordo com o Idea Big Data. Segundo essa última pesquisa, divulgada ontem, o apoio ao controle dos preços da gasolina e do diesel sobe para 65% na classe C e 64% dos evangélicos. Dos que aprovam Bolsonaro, 74% consideram que o governo tem sim que interferir nos preços. Mesmo entre os que o desaprovam, 54% querem que o governo garanta combustíveis mais baratos. Natural que Bolsonaro tenha decidido fazer bastante barulho, para faturar politicamente e evitar que sua popularidade, em queda pela desastrosa gestão da pandemia, ficasse ainda mais abalada. Claro que os caminhoneiros estão se sentindo poderosos. Ao olhar para esses números, porém, fica evidente que a mira do presidente está bem além das boleias, e ajustada para 2022 . 

Com Johanns Eller 

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