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Rio

Em meio à crise da água, Witzel garante que venda de ações não atrapalha concessão da Cedae

Governador afirma que processo de privatização da companhia vai gerar mais recursos para o caixa do estado e melhorar saneamento
Novos rumos. A Estação de Tratamento de Água de Guandu: projeto do estado é vender na Bolsa de Valores 60% da parte da Cedae que não será privatizada Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Novos rumos. A Estação de Tratamento de Água de Guandu: projeto do estado é vender na Bolsa de Valores 60% da parte da Cedae que não será privatizada Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

RIO — O governador Wilson Witzel (PSC) disse nesta quarta-feira que a intenção de vender as ações da Cedae na Bolsa de Valores (IPO, na sigla em inglês), em 2021, não vai atrapalhar o projeto de concessão dos serviços de distribuição de água e de coleta e tratamento de esgoto que está sendo conduzido pelo BNDES. Segundo ele, “são dois processos distintos”. Ressaltou ainda que o mercado vê com “bons olhos” a negociação dos papéis, que deverá gerar uma arrecadação entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões. O governador disse ainda que a crise provocada pela geosmina "poderia até ter inviabilizado o leilão".

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O IPO da Cedae previsto para 2021 pode atrapalhar o leilão que está sendo coordenado pelo BNDES para conceder a parte de distribuição de água e saneamento?

Abrir capital não atrapalha  a concessão da Cedae porque são dois processos distintos. O leilão, que prevê arrecadação de R$ 11 bilhões, será finalizado até outubro, no máximo em novembro, para pagar o empréstimo ( de R$ 2,9 bilhões concedido ao estado ). Já a abertura ao mercado, segundo me disseram, pode gerar entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões para o estado. A ideia é vender 60% das ações da Cedae. Mas isso ainda depende da modelagem. O mercado vê com bons olhos o IPO. Nós (a Cedae) temos um passivo cível e trabalhista que precisa ser reduzido. Estou trabalhando para reduzir isso antes do IPO, por meio de acordos. Podemos pagar 30% das dívidas e, assim, entregar a companhia ajustada, o que vai dar mais efetividade à gestão.

Nesta quarta-feira, O GLOBO mostrou que a Cedae responde a mais de 10 mil ações trabalhistas e pagou quase R$ 200 milhões em indenizações nos últimos três anos.

É um absurdo. Estamos trabalhando para não ter mais ações trabalhistas . E, ao vislumbrar um processo de privatização, aí é que não vai acontecer mais mesmo. Eu, como governador, estou dando garantia de que não seremos lenientes com ações trabalhistas. Quando você sinaliza a privatização da companhia, diz que não vai ser leniente daqui para frente.

Governador do Rio, Wilson Witzel Foto: Alexandre Cassiano / Agência O GLOBO
Governador do Rio, Wilson Witzel Foto: Alexandre Cassiano / Agência O GLOBO

Esse passivo pode jogar o valor da Cedae para baixo e fazer com que o estado arrecade menos?

O passivo de ações não influencia no leilão. Isso influencia apenas o IPO da companhia. O processo de concessão da distribuição de água e do saneamento está caminhando conforme o cronograma e vai terminar em outubro, talvez em novembro. Vamos concluir na data correta. Já com relação ao IPO, o conselho da Cedae está estudando a contratação de um agente financeiro para modelar a operação. Esse agente tem que ter agilidade. Pelo que conversei, se começar a trabalhar agora, poderemos fazer o IPO em 2021. Até lá, vamos fazer o saneamento e a redução das dívidas para que a companhia tenha um valor maior. Temos um projeto para aplicar R$ 700 milhões na modernização de Guandu e a obra de transposição de rio para o saneamento da região no valor de R$ 100 milhões. E a Cedae tem condições de fazer isso até pelo seu faturamento. Tem um lucro anual de R$ 800 milhões.

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Qual vai ser a influência do estado na empresa que comprar a Cedae, como detentor de 40% das ações, pós-IPO?

Vai ser como a Cemig (companhia de energia elétrica de Minas Gerais), em que o estado tem 40% das ações. O modelo que os técnicos entendem como o melhor é aquele em que o estado interfere menos na empresa. Mas também é importante o estado estar representado na tomada de decisões. Se forem 13 conselheiros, por exemplo, o estado terá direito a indicar quatro. Quatro votos podem definir votações importantes.

Ainda sobre o projeto de privatização, o senhor disse que pretende fazer uma estação de tratamento de água, a Guandu 2. Uma licitação seria feita para que um novo investidor construa essa unidade e a administre. Por quê?

O Rio de Janeiro tem hoje 18 milhões de habitantes. Quanto terá daqui a 20 anos? Hoje, já é insuficiente a produção de água da Cedae. Para acabar com o problema de abastecimento, precisaria ter mais uma estação. Então, temos um terreno da própria Cedae, próximo à fonte de captação de Guandu, onde poderia ser construída mais uma empresa. Seriam distribuições diferenciadas ( para consórcios privados ). Então, se acontece uma contaminação como essa da geosmina, você teria a outra para suprir. Estamos fazendo também estudos sobre captações em outros municípios, como Cachoeiras de Macacu.

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Como será a coexistência da companhia que comprar a Cedae e dessa outra que construirá e administrará Guandu 2?

Elas vão fornecer para blocos ( os quatro consórcios que vencerem a concessão para fazer a distribuição de água e o saneamento ) . Hoje, pelo projeto, a Cedae terá que oferecer todos os blocos. No futuro, essa outra empresa poderá oferecer para um bloco diferente. Já comecei a fazer estudos para contratar alguém que vai modelar isso. O Instituto Rio Metrópole vai fazer estudo de Guandu 2. Ele recebe parte da outorga da Cedae, então vai ter dinheiro para produzir estudos. Na prática, vai ser muito melhor. Para o investidor, vai ter mais uma produtora de água. Para as empresas que distribuem a água, se não tiver água, não tem como cobrar. O ideal é ter mais de uma fonte de produção de água. Monopólio é sempre ruim. Tudo isso depende da modelagem. E a Cedae pode ter participação na Guandu 2.

Como será dividida a verba obtida pelo leilão ainda este ano?

Dos R$ 11 bilhões previstos, R$ 4 bilhões são para quitar a dívida com o empréstimo concedido ao estado há três anos, e o resto será usado em investimentos. Ficou o seguinte: 80% ( dos R$ 7 bilhões restantes) serão para o estado; 5% vão para o Instituto Rio Metrópole, e 15% vão para os municípios. Só a cidade do Rio pode receber uns R$ 900 milhões.

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Que tipo de investimentos poderão ser feitos?

Temos um déficit orçamentário de R$ 10 bilhões. Parte é previdenciária, e outra é de dívida ativa. No ano passado, superamos esse déficit. Nossa prioridade é ter dinheiro para investimento. Estamos vendo a possibilidade de implementar o projeto Comunidade Cidade. São de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões dos recursos da privatização. Além da Rocinha com 2.400 moradias, estamos avaliando levar o projeto para Salgueiro, Vigário Geral, Parada de Lucas, Beira Mar (em Caxias) e Maré. Tem arruamento, saneamento e melhora das moradias.

Qual foi a gota d’água para a demissão do ex-presidente da Cedae, Hélio Cabral, há dez dias?

Não houve gota d’água para a exoneração. Aconteceu à medida que percebi que havia um desgaste dele dentro da empresa. E que esse problema ( da geosmina, que provocou gosto e cheiro de terra na água ), segundo técnicos que ouvi, poderia não ter acontecido. Então surgiu, na minha visão, uma hipótese de sabotagem, que está sendo investigada. Faltou uma diligência de quem estava operando. Quem estava operando deveria ter agido. E não agiu. Essa operação causou desconforto no governo, porque a população cobra, e poderia inviabilizar o leilão de venda da Cedae.

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