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Impunidade é marca do assassinato de políticos no Rio; foram 23 desde 2018

Em 14 casos, os inquéritos não foram concluídos,e a autoria dos crimes permanece indeterminada
Campanha eleitoral em Valverde, que é área dominada por milícia em Nova Iguaçu Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo
Campanha eleitoral em Valverde, que é área dominada por milícia em Nova Iguaçu Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo

RIO — A impunidade é uma marca dos assassinatos de políticos no Rio. Desde 2018, 23 políticos foram mortos no estado, segundo levantamento do Grupo de Investigação Eleitoral (Giel) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). Em 14 casos, os inquéritos não foram concluídos e a autoria dos crimes permanece indeterminada, embora a principal linha de investigação da polícia aponte para a participação de milícias em um terço das mortes. Até hoje, no entanto, ninguém foi condenado, é o que revela a segunda reportagem da série “A política silenciada”, que conta histórias de locais onde a democracia é ameaça pela violência.

Política silenciada: Um político morre a cada semana no Brasil.

Um dos casos em que a investigação segue aberta é o do homicídio de Robson Giorno, pré-candidato a vereador em Maricá, na Região Metropolitana do Rio, executado com três tiros numa emboscada em maio de 2019. Apesar de a polícia ter indícios de que o crime foi cometido pela milícia local, ninguém ainda responde pelo homicídio.

Em três desses 23 casos, suspeitos já foram presos, mas as investigações ainda não acabaram. Um deles é a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018. O inquérito já chegou aos executores — o sargento aposentado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz —, que devem ser julgados no ano que vem. No entanto, ainda não se sabe quem foi o mandante.

Crimes políticos: saiba quem foram as vítimas

Violência muda rotina

A guerra em territórios dominados pela milícia afetou, por exemplo, uma das tradições repetidas a cada campanha eleitoral em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Na tarde da última sexta-feira, a pouco mais de uma semana da votação, não havia cabos eleitorais balançando bandeiras na Estrada de Madureira, principal via do bairro Cabuçu. A cena é incomum. Tradicionalmente, na reta final do período eleitoral, a avenida fica apinhada de gente ligada a campanhas de postulantes a cargos de prefeitos e vereadores, distribuindo santinhos e pedindo votos para seus candidatos.

As vítimas da violência na política Foto: Editoria de Arte
As vítimas da violência na política Foto: Editoria de Arte

Nessa eleição, porém, Cabuçu e outro bairro, Valverde, viraram campos minados. Duas milícias travam uma batalha pelo controle da região, que já marca a corrida eleitoral de 2020. Segundo a polícia, a disputa dos milicianos foi a causa do assassinato de um candidato a vereador, cotado para assumir uma vaga na Câmara Municipal.

Domingos Barbosa Cabral (PHS), o Domingão, foi executado a tiros num bar em Cabuçu por vários homens com toucas ninja na cabeça no início da noite do último dia 10 de outubro, um sábado. Ninguém ainda foi preso pelo crime, mas a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) já concluiu que o assassinato foi o ponto final de um acordo firmado entre paramilitares locais e a maior milícia do estado, oriunda da Zona Oeste da capital. O trato possibilitou a invasão e controle da região, até então dominada por traficantes, pelo grupo criminoso.

As vítimas da violência na política Foto: Editoria de Arte
As vítimas da violência na política Foto: Editoria de Arte
As vítimas da violência na política Foto: Editoria de Arte
As vítimas da violência na política Foto: Editoria de Arte

O pacto entre as duas quadrilhas de paramilitares que culminou com o homicídio de Domingão foi firmado em junho de 2019 e criava, na prática, uma franquia da milícia da capital na Baixada. De um lado, o candidato e seu irmão, o sargento PM André Barbosa Cabral, apontado pelo Ministério Público como o chefe da milícia local, conseguiram o reforço das armas e homens que precisavam para expulsar os traficantes da região. Do outro, Wellington da Silva Braga, o Ecko, chefe da milícia da Zona Oeste e criminoso mais procurado do estado, expandiu seus tentáculos para Nova Iguaçu e passou a ter direito a um naco generoso do que a milícia local arrecadava com suas atividades criminosas — exploração de gás, “gatonet”, transporte alternativo e cobrança de “taxas de segurança”.

Acusado pelo MP de “extorquir indivíduos que respondem a processos criminais com ameaças explícitas de morte e de prisão”, Cabral foi preso e, dentro da cadeia, rompeu com Ecko. Segundo a polícia, Domingão morreu em plena campanha como resultado dessa disputa. Na última sexta-feira, a polícia fez buscas em endereços de dez suspeitos de envolvimento no assassinato. A investigação está em andamento.

Escolha do tráfico

Da lista de 23 políticos assassinados no Rio desde 2018, seis das investigações já foram encerradas e os réus respondem aos processos, segundo levantamento do GLOBO.

O mais recente inquérito encaminhado à Justiça foi o que investigou o assassinato do jornalista e pré-candidato a vereador em Araruama, na Região dos Lagos, Leonardo Soriano Pereira Pinheiro, o Léo Pinheiro, executado em meio deste ano. No último dia 24, o sargento Alan Marques de Oliveira foi preso pelo crime. De acordo com a polícia, Pinheiro foi morto porque sua pré-candidatura ameaçava a eleição da mulher do PM, já que ambos tinham os mesmos bairros como redutos. A cirurgiã-dentista Elisabete Faria Abreu, mulher de Oliveira, concorre pelo DEM a uma vaga na Câmara Municipal da cidade. A defesa do PM afirma que não há provas da participação dele no crime.

. Foto: Editoria de Arte
. Foto: Editoria de Arte

A investigação também revela a infiltração da maior facção do tráfico do Rio, que nos últimos anos vem expandindo seus territórios pela Região dos Lagos, no pleito de Araruama. Uma testemunha revelou à polícia que a vítima recebeu ameaças de traficantes, que alegaram que “apenas um pré-candidato poderia atuar no bairro, e o candidato escolhido por eles seria o Alan Marques”.

Ainda segundo a testemunha, com a proximidade das eleições, os traficantes ordenaram que a vítima fechasse uma espécie de centro social que mantinha no bairro de Bananeiras. O imóvel onde funcionava o projeto havia sido cedido pelos criminosos, que determinaram que o pré-candidato devolvesse as chaves e deixasse o local pouco antes de ser assassinado. Desde 2018, três políticos foram mortos em Araruama desde 2018. O município é o que mais registrou casos, junto com Nova Iguaçu e Seropédica.