Por Bárbara Muniz Vieira, G1SP — São Paulo


Nesta terça-feira (2), a fachada da escola Bertha Lutz, na Zona Norte de SP, lembrou o luto pela morte de uma professora por Covid-19 — Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

Professores que trabalharam presencialmente nas escolas tiveram risco quase três vezes maior de desenvolver Covid-19 do que a população da mesma faixa etária do estado de São Paulo, de acordo com um monitoramento em 299 escolas estaduais feita por 26 professores ligados a subsedes do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e analisado pelo grupo Rede Escola Pública e Universidade (Repu).

O estudo monitorou os casos de Covid-19 por 100 mil habitantes em 554 escolas da rede estadual paulista e analisou os números das 299 unidades escolares que forneceram dados das semanas de 7 de fevereiro e 6 de março de 2021, período em que as escolas retomaram as aulas presenciais.

No período analisado, a incidência de novos casos de Covid-19 dentre os professores de 25 a 59 anos cresceu 138% em comparação a um crescimento de 81% na população da mesma faixa etária no estado de São Paulo.

A análise foi feita por pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia São Paulo (IFSP).

De acordo com os pesquisadores da Repu, os dados mostram que a retomada das atividades escolares presenciais não pode ser considerada segura nas escolas da rede estadual, diferentemente do que vem sendo anunciado pelo governo paulista.

As aulas presenciais foram retomadas em todo o estado de São Paulo nesta quarta-feira (14). As escolas receberam poucos alunos, como mostra o vídeo abaixo.

Aulas presenciais são retomadas nas escolas estaduais, mas com baixa adesão no primeiro dia

Aulas presenciais são retomadas nas escolas estaduais, mas com baixa adesão no primeiro dia

A decisão de volta às aulas presenciais foi justificada pela gestão estadual com base em um boletim epidemiológico divulgado no início de março pela Secretaria Estadual da Educação.

O boletim mostrou a taxa de incidência de Covid na comunidade escolar como um todo, como professores, funcionários e inclusive alunos que não chegaram a ir à escola presencialmente. A conclusão deste estudo é que a taxa de incidência foi 33 vezes menor nas escolas no estado.

Os pesquisadores do Repu contestam o resultado. Eles chegaram a pedir ao governo os números de infecção em professores e funcionários da educação via Lei de Acesso à Informação (LAI), mas o pedido não foi respondido sob a justificativa de que o estado já havia divulgado o boletim epidemiológico. Entretanto, a taxa de infecção entre professores não foi divulgada na base de dados.

O secretário estadual da Educação, Rossieli Soares, falou ao SP1 sobre o assunto nesta quarta-feira (14) (veja no vídeo acima).

“Nossa incidência é 30 vezes menor no nosso público do que a média no estado. São estudos do mundo inteiro nessa direção [de que é seguro retornar às aulas presenciais], e a gente vai continuar lendo os estudos sérios a respeito.”

O pesquisador da Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos autores do estudo, Fernando Cássio, contesta a falta de divulgação de dados por parte da gestão João Doria (PSDB).

“A propaganda [de que é seguro voltar às aulas presenciais] é irresponsável porque engana a população e é muito grave porque isso está sendo feito por um governo que supostamente está do lado da ciência. Se a nossa pesquisa não mostra a realidade, se a ideia é refutar, cadê os dados? A gente está entrando em um novo ciclo de negacionismo. O governo de São Paulo quer se colocar como um contraponto ao governo Bolsonaro, mas ele também é extremamente negacionista e de um jeito pior, porque é revestido de uma certa aparência científica que na verdade não existe, então o que essa pesquisa mostra nesse sentido é demolidor.”

Fernando acredita que haja falta transparência da gestão Doria também a respeito dos dados de vacinação. Os profissionais da educação com mais de 47 anos começaram a ser vacinados no último sábado (10).

“Eles estão divulgando que estão vacinando os professores, mas quantos foram vacinados? Não há vacinas para todo mundo, isso é só propaganda. Quantas vacinas temos, quantos dias vai levar para vacinar todos os professores e funcionários? E ainda assim, a vacina ainda não garante a segurança porque os estudantes continuarão a circular e a levar o vírus para casa. Além disso, ter uma população semivacinada circulando amplia a possibilidade de ter mais mutações do vírus. É inseguro.”

De acordo com Wanderson de Oliveira, epidemiologista e coordenador da Comissão Médica da Educação de São Paulo, os dados do boletim epidemiológico divulgados pelo governo do estado são preliminares e devem ser atualizados e divulgados na próxima semana pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc).

“Fizemos a análise de dados baseada nas informações que as escolas forneceram e está descrito no próprio boletim que deixamos claro que a nossa análise foi preliminar com base nos dados disponibilizados pela Seduc. O novo boletim deverá ter detalhamento desses dados e atualização do período anterior”, afirmou.

Oliveira disse que a pesquisa da Repu tem conflito de interesses porque foi feita por professores sindicalizados e que falta detalhamento metodológico e clareza com relação ao formulário que usaram para preencher os dados.

De acordo com Oliveira, é preciso discutir o retorno às aulas porque a pandemia não estará controlada até o final de 2021.

“Vamos ser realistas. Não temos condição nenhuma de encerrar esse processo em curto prazo porque a gestão federal está aí. Vale uma ponderação de como nós vamos organizar o retorno. Os professores entendo [que têm de encarar] como um exercício de preparação esse retorno. Outros países voltaram a ter aulas presenciais, como Reino Unido, Canadá, estamos estudando e aprendendo. Não há uma pessoa que possa afiançar que a gente está completamente resolvido com isso [até o final de 2021]. Temos muitos problemas no processo como um todo”, afirma.

Oliveira afirmou que a Secretaria de Educação e a Secretaria de Saúde farão um cruzamento de dados de casos de Covid-19 na rede pública de ensino. Os dados do Sistema de Informação e Monitoramento da Educação (Simed) passarão, então, a ser validados pela pasta de Saúde.

“Isso vai qualificar a informação, de modo que teremos mais clareza com os dados da Simed e espero que isso seja resolvido”, afirma.

Para Oliveira, é importante que as escolas estejam abertas para atender os alunos mais vulneráveis, que dependem da merenda escolar, ou os alunos especiais, por exemplo, que não são atendidos pelo sistema de aulas a distância.

“Eu acho que não há segurança para dizer que todas as escolas deveriam estar abertas, isso precisa ser equacionado, mas não dá para dizer que tem de fechar tudo em decorrência de um estudo. Precisamos de mais estudos, mais evidências. Se as medidas estão inadequadas, vamos atacar as medidas, vamos atacar a qualidade da escola. Se tem uma escola que não tem estrutura e não deveria estar funcionando, [tem de] melhorar a qualidade dessa escola”, afirma.

Oliveira afirma que os professores foram contratados para trabalhar presencialmente e que devem estar disponíveis.

“Professor é uma vítima desse processo, não é responsável. Eles tiveram que assumir despesas com internet e computador, mas isso não os exime da responsabilidade de atender os alunos, porque o virtual não substitui o presencial. Há uma responsabilidade dele de estar disponível. É um medo irracional, é tão negativista quanto quem não acredita na doença” afirma.

Escolas

As escolas que forneceram dados para o estuda da Repu representam 4% do total do estado e um universo de 12.547 professores e 3.947 servidores não docentes. Elas estão localizadas nos seguintes municípios do estado de São Paulo: Arujá, Caieiras, Cajamar, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guarulhos, Hortolândia, Mairiporã, Osasco, Poá, Santa Isabel, Santo André, São Paulo e Sumaré.

Já na primeira semana de monitoramento, os pesquisadores reportam que a incidência entre casos de Covid-19 em professores das escolas era 150% maior do que na população estadual com a mesma faixa etária.

Na quarta semana, a incidência entre professores das escolas monitoradas passou a ser 230% maior. A incidência acumulada nas quatro semanas é 6.100% maior do que a incidência acumulada reportada no boletim epidemiológico do governo estadual.

Osasco x São Miguel Paulista

O monitoramento apontou Osasco, na Grande São Paulo, como a cidade com menos casos de Covid-19 nas escolas no período e a região de São Miguel Paulista, na Zona Leste, como a área com o maior número de casos. Tanto Osasco quanto São Miguel Paulista tiveram 52 escolas monitoradas.

Enquanto nas escolas de Osasco foram notificados 16 casos de Covid-19 entre professores no período, nas 52 escolas monitoradas em São Miguel Paulista foram reportados 56 casos.

De acordo com o professor que fez a coleta de dados em São Miguel, Richard Araújo, os números refletem a situação de maior vulnerabilidade da região.

“Estamos em uma região onde a incidência de casos é maior que a média na cidade e isso aparece no nosso levantamento. Além da Covid-19, essa região tem escolas com problemas estruturais antigos, como questões arquitetônicas problemáticas e falta de funcionários de limpeza, por exemplo. É uma região onde a vulnerabilidade social é uma realidade. Então são vários elementos que atuam para tornar os números mais graves por aqui”, afirma.

Segundo Richard, inicialmente houve uma dificuldade de acesso a dados de número de casos de Covid-19 nas escolas.

"Havia uma orientação da Diretoria de Ensino nos bastidores de não dar tanta visibilidade para os casos nas escolas nos grupos de Whatsapp. Tivemos casos de colegas que faleceram por Covid-19. Foi um número pequeno, mas é dramático, porque são colegas de trabalho com que a gente teve contato ao longo da vida porque trabalham na região. Os números expressam a preocupação que temos.”

Já em Osasco, a justificativa para a menor incidência de casos é a de que as escolas adotaram protocolos de segurança rigorosos que resultaram em menos casos de Covid-19 entre professores, de acordo com a conselheira estadual da Apeoesp e membro da coordenação da subsede de Osasco, Ana Paula Lima.

“Temos professores que trazem as informações sobre suspeitas de casos de Covid-19, e eu verifico a informação com mais dois ou três professores. A cada caso que aparecia, a gente já rastreava com quem o professor tinha tido contato e orientava que ele tinha o direito de buscar o teste e permanecer em casa até ter o resultado”, conta ela.

Segundo Ana Paula, a escola de Osasco que teve mais casos de Covid-19 foi a que a gestão tentava esconder os números. No entanto, a escola foi monitorada como todas as outras da cidade.

“Os professores têm confiabilidade. Aqui em Osasco há uma política de monitorar as unidades escolares, encaminhar as denúncias, ligar para os diretores, falar com a diretoria de ensino e fazer barulho na porta para buscar a oposição a essas políticas genocidas do estado de São Paulo.”

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