Por Gustavo Chagas, G1 RS


Entrada do Hospital Nossa Senhora Aparecida, em Camaquã — Foto: HNSA/Divulgação

O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) abriu, nesta terça-feira (23), um expediente para apurar a conduta de uma médica que teria aplicado nebulizações de hidroxicloroquina em pacientes com coronavírus. O caso foi denunciado pelo Hospital Nossa Senhora Aparecida (HNSA), em Camaquã, na Região Centro-Sul do RS, e será analisado pela promotora Fabiane Rios.

O procedimento adotado pela médica Eliane Scherer consistiria na diluição de hidroxicloroquina em soro fisiológico, aplicada em uma nebulização. Segundo o HNSA, a solução era preparada pela própria profissional em seringas, sem consentimento dos farmacêuticos da unidade.

O G1 tentou contato com a médica, telefonando para o consultório particular da profissional. No entanto, não foi possível encontrá-la. A advogada Lilian Bartz, que representa a médica, afirma que ambas não vão se manifestar por orientação do Sindicato Médico do RS (Simers).

A denúncia também foi encaminhada ao Conselho Regional de Medicina (Cremers). A entidade afirma que deve abrir uma sindicância para apurar a responsabilidade ética da profissional.

Sem eficácia comprovada

Chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital Moinhos de Vento, Marcelo Gazzana explica que não há eficácia comprovada da hidroxicloroquina na forma oral nem via inalação. Ele lembra que há estudos em andamento sobre o uso com o nebulizador, mas sem resultados concluídos.

"Há dano potencialmente, sim. Quando a gente faz medicação inalatória, tem que ser adequada. Não apenas pegar um comprimido e botar no inalador", comenta.

Com o pulmão já frágil, o paciente de Covid que receber nebulização inadequada pode desenvolver crises de asma, inflamação de vias aéreas e até evoluir para um quadro de insuficiência respiratória, explica o médico. "O potencial de dano é maior que o benefício", conclui.

A Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia publicou uma nota, nesta quinta-feira (25), sobre "os riscos de condutas e procedimentos sem respaldo científico que têm sido realizados em pacientes com Covid-19".

"Uma das práticas que tem se difundido, inclusive com apoio de políticos e formadores de opinião, é a inalação de comprimidos de cloroquina macerados e diluídos em soro fisiológico. Essa prática é certamente danosa ao já combalido sistema respiratório do paciente", afirma um trecho da nota.

Denúncia

De acordo com o Hospital Nossa Senhora Aparecida, Eliane trabalha para uma empresa que presta serviço ao pronto-socorro da unidade, sem vínculo direto com a instituição. Na denúncia, o HNSA apresentou 17 infrações éticas supostamente cometidas pela médica.

Segundo o procurador jurídico do hospital, Maurício Rodrigues, a profissional foi afastada após entrar em conflito com a equipe de plantão, que se negou a fazer o procedimento em pacientes internados. Ao menos um paciente já tinha sido submetido ao tratamento indicado por Eliane.

"Em decorrência da negativa da equipe de enfermagem da aplicação do medicamento como ela [Eliane] gostaria, a médica começou, em alto tom, a falar e a assediar moralmente a equipe do hospital", disse.

De acordo com o Cremers, se as infrações da denúncia forem confirmadas, a médica pode sofrer punições como advertência confidencial, censura confidencial ou pública, suspensão por 30 dias ou cassação definitiva do registro. Se não forem constatadas irregularidades, o processo é arquivado.

Processos judiciais

Pelo menos dois pacientes com coronavírus ingressaram com ações judiciais solicitando receber a medicação indicada pela médica Eliane Scherer.

Uma paciente conseguiu liminar autorizando a aplicação da medicação. A decisão foi assinada pelo juiz Luís Otávio Braga Schuch, da 1ª Vara Cível de Camaquã. Segundo o magistrado, "a urgência é inegável, eis que o tratamento deve ser ministrado agora, sob pena de piora ou óbito".

No entanto, o juiz determinou que a médica deverá assumir a responsabilidade pelo tratamento integral da paciente e que a mulher internada e seus familiares deverão assinar um termo de consentimento de que o tratamento em questão é experimental e não atende os protocolos clínicos atuais para o combate ao coronavírus.

Segundo o Hospital Nossa Senhora Aparecida, a equipe de plantão entrou em contato com a médica, informando da decisão judicial. No entanto, Eliane Scherer teria dito não ter condições de cumprir a liminar.

A paciente foi mantida sob os cuidados da equipe em atuação no hospital, que assumiu os procedimentos regulares para o tratamento de Covid-19. O estado de saúde da mulher não foi divulgado. O G1 tentou contato com a advogada da autora do pedido, sem sucesso.

O outro paciente teve o pedido negado pelo mesmo juiz, conforme advogado do paciente. O homem teria sido internado na UTI na noite de sábado (22), impossibilitando a nebulização.

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