Economia

Risco fiscal com o aumento de gastos em ano eleitoral pode elevar inflação, diz BC

Autoridade monetária alerta que mesmo políticas fiscais que tenham efeitos de baixa no preço em curto prazo, como as alterações na tributação de combustíveis, podem elevar os prêmios de risco e pressionar o índice
Banco Central alerta para riscos com o aumento de gastos em ano eleitoral Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo
Banco Central alerta para riscos com o aumento de gastos em ano eleitoral Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo

BRASÍLIA – O risco fiscal da adoção de políticas que impliquem aumento de gasto neste ano eleitoral, como as propostas para reduzir a tributação de combustíeis, pode pressionar a inflação e manter a elevação da taxa de juros na economia brasileira. O alerta foi feito na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada nesta terça-feira pelo Banco Central (BC).

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Na última reunião, o BC elevou a taxa Selic para 10,75% ao ano e indicou que continuará fazendo elevações, embora em ritmo mais lento e sem indicação da magnitude. A avaliação do Copom é de que há risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, em função das incertezas no cenário fiscal, o que exige uma política monetária mais contracionista.

A aposta do mercado é de que 2022 feche com os juros em 11,75%, mas esse valor pode ultrapassar a barreira dos 12% ao longo do ano. Analistas ouvidos pelo GLOBO projetam que a taxa básica de juros pode superar essa marca e fechar o ano em 12,50%.

“O Copom reitera que o processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para o crescimento sustentável da economia. Esmorecimento no esforço de reformas estruturais e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia”, alerta em ata.

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Medidas mais imediatistas estão na mira da autoridade monetária. “O Comitê nota que mesmo políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo podem causar deterioração nos prêmios de risco, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, um efeito altista na inflação prospectiva”, argumentam.

Por isso, após a elevação de 1,5 ponto percentual da última reunião, que resultou na Selic de 10,75%, o ritmo de alta vai reduzir. "Concluiu-se que um novo ajuste de 1,50 ponto percentual, seguido de ajustes adicionais em ritmo menor nas próximas reuniões, é a estratégia mais adequada para atingir aperto monetário suficiente e garantir a convergência da inflação ao longo do horizonte relevante, assim como a ancoragem das expectativas de prazos mais longos", diz o documento.

Aperto monetário

A avaliação de Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos, é que esta ata do Copom foi mais dura que a própria carta que Roberto Campos Neto escreveu para justificar o descumprimento da meta de inflação em 2021 e mostrou claramente como a condução da política fiscal está prejudicando a política monetária.

— Essas políticas de curto prazo são mais eleitoreiras e só jogam o problema para o próximo ano, porque aumentam o risco Brasil, aumentam o prêmio de risco que vamos pagar para quem investir aqui e gera mais inflação — analisa.

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Para ele, o controle da inflação será uma tarefa árdua ao longo de 2022, que deve culminar em uma Selic acima do patamar dos 12% ao fim do ano. Além de fatores que o BC não pode controlar – como o preço das commodities, combustíveis e energia e a condução da política fiscal com o Executivo jogando contra – há o cenário externo:

— O Banco Central mostra que vai continuar subindo os juros, mas não dá previsão porque ainda precisa calibrar e fará isso agora porque o mudo começa a falar em aperto monetário, como na zona do Euro e Estados Unidos. O BC ‘queimou a largada’, se antecipou e elevou os juros e isso pode ser perigoso, porque vai fazer a corrida de novo. Vamos ver como vai ficar esse acerto do compasso.

Para Camila Abdelmalack, economista chefe da Veedha Investimentos, o reforço da preocupação com os impactos da política fiscal no resultado da inflação teve a pontuação “discreta” sobre a PEC dos Combustíveis, mas é um alerta que já vem sendo jeito há mais tempo e que pode influenciar no resultado final da Selic em 2022.

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Ela lembra que desde que o BC acelerou o passo da elevação da Selic, com subidas de 1,5 ponto percentual, houve a flexibilização do teto de gastos, em uma discussão que gerou muito desgaste para a implementação do Auxílio Brasil, com a costura de uma colcha de retalhos compartilhada entre Executivo e Legislativo.

— A condução da política fiscal é uma responsabilidade do governo com o Congresso. Tudo isso aumentou o prêmio na curva de juros e induziu essa aceleração no ritmo da Selic. Se não fosse isso, talvez a gente teria uma taxa terminal de Selic de um dígito e não em dois dígitos, porque grande parte desse desencadeamento das expectativas de inflação é por conta da percepção de risco em relação ao fiscal — aponta.

A economista revisou suas projeções da Selic para 2022. Anteriormente, trabalhava com a projeção de 11,50%, mas corrigiu para 12,50%. Ela entende que a próxima reunião, em março, deve ter um reajuste de 1 p.p., seguido de um ajuste residual de 0,75 p.p. em maio, o que encerraria o ciclo de aperto monetário.

— Eles indicaram claramente para essa possibilidade, talvez para o mercado corrigir a expectativa que tem em relação ao fim do ciclo de elevação de juros e eles pesam muito a questão desse susto que a gente pode ter com a política fiscal.

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A avaliação de Simone Pasianotto, economista chefe da Reag Investimentos, é de que a ata do Copom passa um recado para o governo de que a condução da política fiscal vem tendo um peso maior para a elevação dos juros do que outras áreas, e que a autoridade monetária seguirá com elevações, embora em ajustes menores que o 1,5 p.p. das últimas reuniões. Nas projeções de Pasianotto, a Selic deve fechar 2022 em 12,25%, com inflação em 5,9%.

— Ficou clara a preocupação com as políticas fiscais, uma crítica com a PEC dos combustíveis. Estão preocupados com o efeito prático dessa política fiscal no combate à inflação. O mercado não está gostando da PEC dos combustíveis, apesar da possibilidade de efeitos positivos no curto prazo.

Bomba fiscal

Desde o início do ano, o governo se debruça em propostas para baixar o preço dos combustíveis, um dos itens que mais pesa na alta da inflação. Dois textos foram apresentados no Congresso.

Na Câmara, uma Proposta Emenda à Constituição (PEC) permite até zerar os impostos federais e estaduais sobre todos os combustíveis e já era vista com ressalvas pela equipe econômica. O Senado apresentou um texto ainda mais amplo. Chamada de PEC Kamikase, além de permitir grande redução de impostos sobre os combustíveis, cria um auxílio para caminhoneiros e pode ter impacto fiscal de R$ 100 bilhões.

A bomba fiscal vem após o governo ter divulgado bons resultados no campo fiscal em 2021. As contas do governo federal fecharam o ano passado com um rombo de R$ 35,1 bilhões, o melhor resultado desde 2014, quando iniciaram os déficits. Já o setor público teve o primeiro superávit desde 2013 e dívida pública caiu.

O bom desempenho foi reconhecido pelo BC, que ainda assim reforçou os alertas em relação ao cenário futuro.

“Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação, e, portanto, a assimetria altista no balanço de riscos. Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário de referência”, diz o texto.

Alta na Selic

No cenário para inflação em 2022, o Copom considera que pode haver algum alívio vindo da redução dos preços das commodities internacionais. A elevação dos preços dos alimentos foi um dos fatores que vem pressionando a inflação desde 2020.

Mas as políticas fiscais que impliquem em impulso adicional da demanda agregada ou que piorem a trajetória fiscal podem ter efeito oposto, afetando preços de ativos e elevando prêmios de risco do país.

Nessa situação, a opção foi por um ciclo de aperto monetário e virão mais altas na taxa Selic virão por aí. “A incerteza particularmente elevada sobre preços de importantes ativos e commodities, assim como o estágio do ciclo, fez o Comitê considerar mais adequado, neste momento, não sinalizar a magnitude dos seus próximos ajustes’, diz a ata.