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Gravidez na adolescência é 'fábrica de pobres' na América Latina, afirma ONU

Estudo da organização mostra que as mães adolescentes têm três vezes menos chance de ter um diploma e ganham, em média, 24% menos do que mulheres que tem filhos após os 20 anos
Gravidez antes dos 20 anos diminui chances de obter diploma e conseguir boa colocação no mercado de trabalho Foto: Pixabay
Gravidez antes dos 20 anos diminui chances de obter diploma e conseguir boa colocação no mercado de trabalho Foto: Pixabay

RIO — A gravidez na adolescência pesa na vida de milhares de jovens e perpetua a pobreza na América Latina, além de gerar milhões de dólares em gastos que poderiam ser evitados, alerta a Organização das Nações Unidas (ONU) em um estudo apresentado nesta quarta-feira.

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“A gravidez na adolescência e a maternidade precoce são fenômenos que têm forte impacto na trajetória de vida de milhares de mulheres na América Latina”, diz o relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Os efeitos dessas gestações precoces “são múltiplos e se estendem tanto na escolaridade quanto no mercado de trabalho, na saúde e até nas economias nacionais”, acrescenta o documento.

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“A gravidez na adolescência é uma fábrica para os pobres na América Latina”, disse Federico Tobar, conselheiro regional do UNFPA, à agência AFP.

O estudo, intitulado “Consequências socioeconômicas da gravidez na adolescência em seis países da América Latina e Caribe”, analisa a situação na Argentina, Colômbia, Equador, Guatemala, México e Paraguai.

De acordo com o relatório, as meninas e adolescentes mães tendem a abandonar a escola para criar os filhos, principalmente em famílias com menos recursos, o que se traduz em maior dificuldade de estudar e encontrar um emprego bem remunerado.

Quase metade das mães com idade entre 10 e 19 anos fazem exclusivamente tarefas domésticas e têm três vezes menos chances (6,4% contra 18,6%) de obter um diploma universitário do que aquelas que adiaram a maternidade, assim como ganhavam em média 24% menos.

Além disso, as mulheres que têm filhos depois dos 20 anos ganham em média US$ 573 a mais do que aquelas que são mães antes dessa idade.

Essas circunstâncias condicionam a independência das mulheres, o que as torna mais vulneráveis à violência de seus parceiros.

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Despesas milionárias

O estudo também detalha os custos do tratamento da gravidez na adolescência nos países latino-americanos.

O UNFPA alerta para a perda de renda que isso implica para os estados, uma vez que a gravidez na adolescência compromete a participação dessas mulheres no mercado de trabalho e sua contribuição para o sistema tributário.

Os seis países do relatório “têm um custo associado à gravidez na adolescência e maternidade precoce da ordem de US$ 1.242 milhões, o que equivale a 0,35% do PIB desses países”, diz Tobar.

O relatório detalha que em 2018 os seis países estudados deixaram de arrecadar US$ 746 milhões em impostos, cerca de US$ 110 por mulher, já que as mães adolescentes pagam menos impostos e têm menos consumo devido às suas condições sociais e de trabalho.

“Se pudermos prevenir a gravidez na adolescência, todo mundo ganha, o Estado ganha, o sistema de saúde, a arrecadação, mas fundamentalmente ganhariam as mulheres e seus filhos porque estamos assumindo que a grande maioria dessas crianças viverá abaixo da linha da pobreza”, afirma o conselheiro da ONU.

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De acordo com o UNFPA, a América Latina tem a segunda maior taxa de fecundidade (66,5 por 1.000) do mundo entre as mulheres de 15 a 19 anos.

República Dominicana (100,6 por 1.000), Nicarágua (92,8), Guiana (90,1), Guatemala (84), Guiana Francesa (82,6), Venezuela (80,9) e Panamá (78,5) têm as taxas mais altas.

Dos seis países do relatório, o índice mais alto é apresentado pela Guatemala, seguida pelo Equador (77), México (66), Argentina (64), Paraguai (60) e Colômbia (57), onde, por exemplo, uma em cada cinco adlescentes é mãe ou está grávida.

Segundo especialistas, a gravidez precoce na América Latina apresenta vários aspectos, embora se deva principalmente à ausência de educação sexual abrangente, desconhecimento, falta de acesso a métodos contraceptivos e barreiras culturais.

Em muitos países, é até proibido que as instituições públicas distribuam esses métodos anticoncepcionais, denuncia o UNFPA. “A maioria dos adolescentes tem sua iniciação sexual sem o uso de anticoncepcionais”, lamenta Tobar.

Além disso, as meninas geralmente ficam grávidas como resultado de estupro por membros da família em casa ou conhecidos. Com o isolamento social na pandemia e as escolas fechadas, muitas vezes isso significa que elas podem estar presas em casa com membros abusivos da família.

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“Em gestações que ocorrem em meninas com menos de 15 anos de idade ou até mais jovens, cerca de 75% estão relacionadas a estupro e abuso infantil”, disse Tobar.

No Brasil, pela legislação, a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente, é estupro de vulneravel.