Por Gustavo Garcia, G1 — Brasília


Plenário do Senado pode votar nesta quarta o projeto que cria novas regras para políticas públicas sobre drogas — Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

O Senado pode votar nesta quarta-feira (15) um projeto que, entre outros pontos, prevê a internação involuntária de dependentes químicos e o aumento, de 5 para 8 anos de reclusão, da pena mínima para o traficante que chefiar organização criminosa.

O texto, que reforma a Lei de Drogas e modifica outras 12 leis, está em regime de urgência e é o segundo item da pauta de votações do Senado.

Se for aprovada sem mudanças pelos senadores, a proposta, de autoria do ex-deputado e atual ministro da Cidadania, Osmar Terra, seguirá para a sanção do presidente Jair Bolsonaro.

O projeto foi aprovado pela Câmara em 2013 e, no Senado, tramitou por seis anos. Ao longo desse período, vários senadores apresentaram sugestões para modificar o texto.

O senador Styvenson Valentim (Pode-RN), relator da proposta em duas comissões da Casa, defendeu a aprovação do projeto sem modificações em relação ao texto encaminhado pelos deputados. Isso porque, se o texto for alterado, precisa voltar a tramitar na Câmara.

“Mesmo reconhecendo que algumas alterações propostas pelas comissões do Senado são meritórias, o ganho para a sociedade que elas proporcionariam é comparativamente pequeno, frente ao tempo adicional que teríamos de aguardar para que a Câmara deliberasse sobre essas inovações”, declarou o parlamentar.

Internação

A proposta em análise no Senado promove uma série de alterações no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), criado em 2006 para coordenar medidas relacionadas à prevenção, à atenção de usuários e à repressão do tráfico.

Entre outros pontos, o projeto considera dois tipos de internação de dependentes químicos em unidades de saúde e hospitais:

  • voluntária: feita com consentimento do dependente;
  • involuntária: quando a internação acontece sem o consentimento do dependente, a pedido de familiar ou responsável, ou a pedido de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sisnad, com exceção de servidores da segurança pública.

Pelo projeto, a internação involuntária deve ser realizada após formalização de decisão médica e será indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada e o padrão de uso. Para haver a internação involuntária, deve ficar comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas.

A internação involuntária durará o tempo necessário à desintoxicação – com prazo máximo de 90 dias – e o término será determinado pelo médico responsável. Além disso, a família poderá, a qualquer momento, solicitar ao médico a interrupção do tratamento.

O projeto de lei determina ainda que as internações e altas dos dependentes químicos deverão ser informadas, em no máximo 72 horas, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e outros órgãos de fiscalização. Apesar de prever a comunicação às autoridades, a proposta de lei assegura o sigilo das informações do paciente

Atualmente, a Lei de Drogas não trata da internação involuntária de dependentes químicos.

Distinção entre usuário e traficante

Durante a tramitação da proposta no Senado, foram apresentadas sugestões para estabelecer critérios objetivos a fim de diferenciar usuários de traficantes de drogas.

Porém, o projeto aprovado pela Câmara não estabelece qual quantia deve ser considerada para consumo próprio e qual quantidade caracteriza tráfico de drogas.

Para evitar que usuários recebam punição prevista para traficantes (reclusão de 5 a 15 anos), a proposta estabelece que a pena será reduzida de um sexto a dois terços quando:

  • a pessoa não for reincidente e não integrar organização criminosa;
  • as circunstâncias do fato e a quantidade de droga apreendida demonstrarem o menor potencial lesivo da conduta.

Por outro lado, o texto aumenta, de 5 para 8 anos de reclusão, a pena mínima para traficante que comandar organização criminosa.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir ainda neste ano se o porte de drogas para consumo próprio é crime.

Comunidades terapêuticas

Além de prever internações involuntárias e maior rigor nas penas contra grandes traficantes, o projeto inclui Comunidades Terapêuticas Acolhedoras no Sisnad.

De acordo com o texto, a permanência dos usuários de drogas nesses estabelecimentos de tratamento poderá ocorrer apenas de forma voluntária. Para ingressar nessas casas, o paciente terá de formalizar por escrito seu desejo de se internar.

A proposta estabelece que esses locais devem servir de “etapa transitória para a reintegração social e econômica do usuário de drogas”. E mesmo se o paciente manifestar o desejo de aderir às comunidades, será exigido uma avaliação médica prévia do dependente.

O texto ressalta ainda que, para realizar a avaliação médica, as comunidades terapêuticas acolhedoras terão “prioridade absoluta” na utilização da rede de atendimento do SUS.

Outros pontos

O texto também prevê:

  • que as licitações de obras públicas que gerem mais de 30 postos de trabalho deverão prever, nos contratos, que 3% (três por cento) do total de vagas sejam destinadas à reinserção econômica de pessoas atendidas pelas políticas sobre drogas;
  • dedução, do Imposto de Renda da pessoa física ou jurídica, de até 30% de quantias doadas a projetos de atenção ao usuário de drogas.
  • a criação da Semana Nacional de Políticas sobre Drogas, a ser realizada anualmente no mês de junho, voltada para ações de prevenção, atenção à saúde e divulgação de atividades para estimular e inserir socialmente usuários de drogas.

Argumentos

Autor do projeto, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirma que o Brasil está há muito tempo “sem nenhuma política efetiva sobre drogas”.

“[Estávamos] vendo experiências, experimentações serem feitas com métodos para tratamento de dependentes químicos que não funcionam. Agora, nós podemos ter uma política articulada dentro do espírito do decreto do presidente Jair Bolsonaro da nova política de drogas, que dá respaldo ao decreto do presidente, e articula todas as questões que são importantes”, declarou o ministro.

A pesquisadora do Instituto Igarapé Ana Paula Pellegrino critica a proposta que, na avaliação dela, coloca a abstinência, a internação e a repressão como principais abordagens sobre a questão das drogas.

“O projeto insiste na abstinência e na proibição como estratégias centrais e não menciona políticas de redução de danos. Isso vai na contramão da evidência científica sobre o que funciona”, declarou a pesquisadora.

Em relação à internação involuntária, Ana Paula afirmou que existem dependentes que não respondem a tratamentos baseados na abstinência.

“Existem pessoas que nunca vão deixar de usar drogas, mas você pode melhorar uma série de outros indicadores de saúde”, disse.

Sobre a ausência de um critério objetivo para distinguir usuário de traficante, a pesquisadora disse que isso gera “insegurança jurídica”.

“Cria espaço para que uma pessoa seja considerada traficante com base em outras informações, como, por exemplo, o bairro em que a pessoa foi abordada. Ou seja, em uma área nobre, a pessoa [com uma certa quantia de droga] tem mais chances de ser considerada usuária do que outra pessoa com a mesma quantidade de droga em um bairro pobre”, afirmou Ana Paula.

A especialista afirmou que, na Câmara, há outra proposta mais moderna sobre o assunto, que retira o consumo da esfera criminal e que pode desafogar a força policial e a justiça criminal.

A senadora Juíza Selma (PSL-MT) é contrária ao critério objetivo para distinção de uso pessoal e tráfico de drogas. Na avaliação da parlamentar, não é possível “engessar uma circunstância”.

“Se um determinado elemento é pego com cinco gramas de cocaína, indo e voltando durante uma noite e fornecendo dentro de um baile funk, ele é um usuário? Mas ele foi pego com cinco gramas, não é?”, questionou a senadora.

“Nunca vai funcionar, porque o traficante sempre vai dar um jeito de cada vez mais aliciar esses pequenos traficantes para poder satisfazer o seu comércio”, acrescentou.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) lembrou que outros países já fizeram a diferenciação entre porte para consumo e tráfico de drogas.

“Nós não podemos deixar em aberto o que é tráfico e o que é usuário de drogas, porque, 63% das mulheres que estão presas por tráfico de drogas não estariam presas, se essa definição o Congresso tivesse assumido para si”, declarou.

Votação

Apesar de estar em regime de urgência, existe a possibilidade de a proposta não ser analisada nesta quarta.

Isso porque o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a quem cabe elaborar e coordenar a pauta de votações, está em missão oficial fora do país.

Além disso, outros parlamentares cumprem agendas no exterior e, tradicionalmente, o quórum reduzido dificulta a votação de projetos controversos.

Apesar disso, o presidente em exercício do Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), afirmou nesta terça-feira (14) que o texto está pautado e será analisado nesta quarta.

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