• Filipe Batista (@filipebatistapsiquiatria)
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O uso equivocado da saúde mental como pretexto para aglomeração (Foto: Helm Silva/ Arquivo Vogue)

(Foto: Helm Silva/ Arquivo Vogue)

Em fevereiro de 2020 o novo coronavírus mostrava sua cara em terras brasileiras e, em pouco tempo, transformaria drasticamente nossas vidas. Aqui estamos em 2021 e a sensação é que nada mudou. Seguimos vivendo um cenário de muitas restrições, medo e incertezas, que afetam diretamente nossa saúde mental. Isso não significa, contudo, que a defesa da saúde mental deva ser instrumentalizada como pretexto para aglomeração ou descumprimento das medidas de distanciamento e isolamento cabíveis.

É fato, as máscaras incomodam, muitos não aguentam mais as mesmas companhias (até a própria) e amariam juntar a turma toda no Carnaval mais esperado dos últimos tempos. Desculpe ser o estraga festas, mas não dá. Já são 200 mil mortes em decorrência da COVID-19 no Brasil. Trata-se de um teste de resistência, solidariedade e empatia, mais uma dentre tantas outras provações que precisamos passar no último ano.

A atriz Maria Bopp (@mariabopp) consagrou-se como uma importante voz progressista na atualidade. No vídeo intitulado Empatia, compartilhado em sua conta do Instagram, a blogueirinha do fim do mundo, sua personagem anti-heroína, satiriza o pretexto da saúde mental como justificativa para aglomeração. “Eu sei que tem uma segunda onda que promete piorar muito com essas festas de final de ano, mas e eu? Quem vai pensar em mim? Eu realmente preciso cuidar da minha saúde mental”. Com humor ágil e irônico, Maria toca num ponto crucial que merece atenção.

Muito se discutiu sobre saúde mental no último ano. Se por um lado difundiu-se o debate a respeito de pautas importantes e frequentemente invisibilizadas, por outro, abriu-se espaço para simplificações e deturpações sobre temas complexos e sensíveis. Espalhou-se, por exemplo, uma ideia de saúde mental autocentrada, desprezando sua dimensão social e admitindo que ela encerraria apenas uma intenção individualista e narcisista. Esse falso juízo é, na verdade, o avesso do que podemos compreender como saúde mental, que abrange também o bem estar coletivo, uma vez que somos seres de linguagem, portanto, sociais.

Essa visão enganosa sobre a saúde mental não leva em consideração que encontrar o próprio prazer e satisfação não exclui o prejuízo ou sofrimento de outro. O termo empatia, inclusive, tão falado atualmente, também inclui uma dimensão social. Empatizar envolve não somente a capacidade de apontar o sofrimento, mas de se colocar no lugar e se identificar emocionalmente com aquele que sofre. Suas implicações mais diretas envolvem principalmente a possibilidade de evitar causar dor ao outro ou ajudar a saná-la e, em sentido mais amplo, um compromisso ético de convivência em sociedade, no qual cuidar do outro significa cuidar de si mesmo, na medida que este outro sempre contém algo de si e vice versa.

Num contexto de pandemia vigente, sob os efeitos de uma segunda onda, ainda sem previsão concreta do início da vacinação no Brasil, a empatia e a solidariedade precisam ser reafirmadas diariamente. Colocar sob perspectiva o que está sentindo também pode ajudar superar as dificuldades. Se não perdeu alguém próximo vítima da COVID-19 ou não teve você mesmo que lidar com sintomas mais graves da doença, considere-se privilegiado.

Estamos atravessando um momento histórico difícil e importante, que marcará a humanidade profundamente. Uma vez superada a pandemia, o que você contará paras as próximas gerações? O que fez e de que forma contribui para cuidar de si e da sua comunidade? É importante refletir sobre essas questões antes de tentar encontrar um suposto equilíbrio mental em prejuízo de outras vidas. Parece inútil, mas pensar que tudo vai passar também ajuda a atenuar o sofrimento e enxergar o futuro com mais otimismo. E quando passar, vamos nos encontrar no melhor Carnaval dos últimos tempos.