Por Kleber Tomaz, G1 SP — São Paulo


Maria Aline, técnica de enfermagem e travesti de 33 anos — Foto: Piti Reali/Divulgação

80% dos transexuais e das travestis ouvidos no ano passado pela Prefeitura de São Paulo, em estudo inédito sobre pessoas transgênero na cidade, relataram ter sofrido violência verbal. O levantamento que o G1 obteve mostra que os entrevistados citaram ruas, escolas e casas das famílias como locais onde mais foram xingados, insultados ou ridicularizados.

Esses e outros dados serão divulgados nesta sexta-feira (29), quando é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans, data em que se discute e se comemora conquistas dos transgêneros.

Maria Aline Emídio Alves, de 33 anos, está entre os entrevistados na capital que dizem ter sido vítimas de xingamentos e insultos.

“Eu moro em Santana, Zona Norte. E trabalho no Morumbi, numa casa de família. Eu estava com essa calça jeans, com uma camiseta. Pois o motoqueiro não teve que gritar para todo mundo ouvir: ‘ei, traveco!’”, contou nesta semana à reportagem a enfermeira Maria Aline.

Estudo mostra que 8 de cada 10 pessoas trans já sofreram violência verbal em SP

Estudo mostra que 8 de cada 10 pessoas trans já sofreram violência verbal em SP

Dos 1.788 trans que participaram do "Mapeamento de Pessoas Trans na Cidade de São Paulo", de 1.430 relataram ter sofrido violência verbal nos mais diferentes lugares: ruas, escolas, casas de familiares etc (veja a lista abaixo). Outros 20% não relataram ofensas, quase 360 pessoas.

O levantamento foi feito pelo Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.

O G1 apurou que cada trans respondeu a mais de 50 perguntas entre os dias 20 de janeiro e 28 de outubro de 2020. Inicialmente, a pesquisa era presencial, feita por entrevistadores trans e cisgêneros (que se identificam com o gênero de nascimento), mas depois, em razão da pandemia de coronavírus, as entrevistas passaram ser feitas pela internet ou por telefone.

Cláudio Galícia, bartender e homem transexual de 48 anos — Foto: Piti Reali/Divulgação

“Eram pessoas desconhecidas, de vários bairros de São Paulo. Pessoas de fora de São Paulo, que são de outros estados, e vieram tentar a vida aqui”, falou ao G1 o bartender Cláudio Galícia, homem trans de 48 anos. Ele entrevistou outros trans e também foi entrevistado.

O objetivo do mapa da transexualidade é planejar políticas públicas para essa população que sofre com a transfobia no município.

“A população trans é um dos grupos sociais mais vulneráveis da cidade, seja à violência, à discriminação e ao preconceito que o machismo e a transfobia exercem ainda nos dias de hoje”, disse a secretária municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Claudia Carletto. “Por isso o investimento nesse programa, que na realidade é um programa de garantia de direitos”.

Os trans que disseram ter sido vítimas de violência verbal também responderam onde e com que frequência foram ofendidos.

Os locais onde os transexuais mais sofreram ofensas foram: ruas (lembrado por 42% dos entrevistados), seguido por escolas (26%) e a casa da família (22%).

Uma pessoa segura bandeira do movimento trans — Foto: Brendan McDermid/Reuters/Arquivo

Locais onde mais ocorrem os insultos:

  • Ruas – 42%
  • Escolas – 26%
  • Casas de familiares – 22%
  • Banheiros masculinos e femininos – 17%
  • Locais de trabalho – 16%
  • Transportes coletivos – 14%
  • Igrejas – 11%
  • Shoppings centers – 9%
  • Outros equipamentos públicos – 9%
  • Hospitais e centros de saúde – 8%
  • Delegacias – 7%
  • Restaurantes – 6%
  • Bancos – 5%
  • Serviços de assistência social – 4%

Maria Aline, Cláudio e a transexual Nicole Lima dos Santos, de 34 anos, participaram de um ensaio fotográfico que será disponibilizado nas redes sociais da Secretaria de Direitos Humanos e em locais públicos. O conceito das fotos é mostrar que os transgêneros estão saindo da escuridão para a luz, sendo notados pela sociedade.

Nicole Lima, mulher trans de 34 anos — Foto: Piti Reali/Divulgação

“A importância [do mapeamento] é para a gente vencer o preconceito. Ter mais visibilidade para a sociedade”, disse Nicole, que diz estar mais feliz após ter colocado silicone nos seios e feito cirurgia de redesignação sexual. “Estou realizada, mas ainda falta um emprego. Gosto de dançar. Sonho um dia em trabalhar com dança”.

Emprego, aliás, foi um pedido unânime entre os trans ouvidos pela reportagem para a comunidade. O caminho dos transgêneros até o trabalho passa pelo preconceito.

“As pessoas travestis ainda não têm acesso a ter cargos, a emprego. Está começando agora”, critica Maria Aline. “Eu sou oriunda da prostituição. Eu saí da prostituição tem 4, 5 meses”.

“Na questão do mercado de trabalho não é legal. No mercado de trabalho ninguém vê a sua competência primeiro. Primeiro olha a sua aparência. E já começa o preconceito aí”, comenta Cláudio.

Todos os trans fotografados para a semana da Visibilidade Trans foram escolhidos entre os quatro centros de Cidadania LGBTI+ da cidade responsáveis pelo acompanhamento do Programa Transcidadania. Ele foi criado em 2008 pela prefeitura e oferece uma bolsa mensal aos beneficiários para que participem de atividades e oficinas e deem continuidade aos estudos em escolas públicas referenciadas pelo programa.

Em 2020, o Transcidadania as vagas para o programa atenderam 510 bolsistas. Para saber mais sobre o programa, clique aqui.

Dez mulheres e homens trans e travestis participaram do ensaio fotográfico para resgatar a autoestima deles — Foto: Divulgação/Comunicação Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo

Visibilidade Trans

O Dia da Visibilidade Trans foi criado em 2004, quando 27 pessoas trans foram ao Congresso Nacional, em Brasília, em uma campanha elaborada por lideranças do movimento de pessoas trans em parceria com o Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde.

Segundo relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), o Brasil teve 175 assassinatos de pessoas transexuais em 2020, o que equivaleria a uma morte a cada 2 dias. Todas as vítimas eram mulheres trans e travestis.

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