Por Marília Neves, G1


VÍDEO: Marcos Caruso fala sobre reprises, lembranças e limpeza interior na pandemia

VÍDEO: Marcos Caruso fala sobre reprises, lembranças e limpeza interior na pandemia

"Você não sabe o que é você homenagear alguém, o homenageado estar na sua frente e você se sentir homenageado. Eu me senti ganhando um prêmio."

Foi assim que Marcos Caruso descreveu a emoção de encontrar Orlando Drummond. A conversa com o G1 aconteceu poucos dias antes da morte do intérprete original do Seu Peru, personagem que Caruso viveu mais tarde no remake de "A Escolinha do Professor Raimundo".

Caruso falou sobre o encontro dos dois Seus Perus com reverência sobre o ator e dublador que marcou a história da TV brasileira e morreu aos 101 anos: "No outro lado da cabeça, eu pensava: 'eu não posso parar. Porque se eu parar, eu vou chorar, vou me emocionar, vai parar a gravação e não vou conseguir retomar com a mesma emoção que eu estou sentindo'."

Marcos Caruso também falou sobre outros trabalhos recentes. "Eu não parei. Quem falou que eu parei?". Assim ele reagiu ao ser questionado sobre como foi para ele a pausa profissional gerada pela pandemia de coronavírus.

Para mostrar como seguiu ativo, o ator enumerou cada um dos trabalhos que fez ao longo dos últimos meses:

  • "Fiz 'Sob Pressão', aquele da Covid, no começo da pandemia";
  • "Fiz uma participação em 'Éramos seis'";
  • "Fiz um programa em cada uma das temporadas de 'Cada um no seu quadrado'";
  • "Participei do programa do Bruno Mazzeo, 'O diário de um confinado'";
  • "Fiz a 'Escolinha do Professor Raimundo' em podcast";
  • "A 'Escolinha do Professor Raimundo' remotamente";
  • "A 'Escolinha do Professor Raimundo' presencial";
  • "E gravei a novela 'Quanto mais vida melhor'".

"Eu acho que fui a pessoa que mais trabalhou esse ano na Globo", brinca. Além dos projetos para a emissora, Caruso também fez "um curta e um longa nesse meio tempo durante a pandemia, acabei de escrever uma peça, vou fazer um outro espetáculo no final do ano e vou estrear como autor em Portugal no ano que vem".

Em paralelo a todos esses projetos, Caruso atualmente está no ar com duas reprises: "Pega-Pega", novela que ganhou edição especial no horário das 19h; e "Escolinha do Professor Raimundo", que está sendo reexibida aos sábados desde o início de julho.

Personagens de "Pega-Pega": Pedrinho Guimarães (Marcos Caruso) e Arlete (Elizabeth Savalla) — Foto: Marília Cabral/Globo

"Vou ter muito prazer em rever porque foi um trabalho delicioso nos bastidores. Nós nos amamos, nos curtimos, ficamos amigos e temos um grupo de WhatsApp até hoje que não se desfaz", celebra o ator, que deu vida ao bon-vivant Pedrinho Guimarães na novela de Claudia Souto.

Além de falar sobre o lado profissional, Caruso também revelou que realizou uma limpeza interior durante a pandemia, falou sobre a forma ativa de se posicionar em suas redes sociais e fez uma análise pessoal.

Leia entrevista completa com Marcos Caruso abaixo e assista, no vídeo acima, alguns trechos do bate-papo:

G1- Alguns atores afirmam que as reprises especiais têm sido boas para poderem assistir às novelas, algo que não conseguiram fazer enquanto estavam gravando. Você costuma assistir enquanto grava ou vai aproveitar para ver agora?
Marcos Caruso -
Eu acho que a melhor novela é aquela que o ator lê com prazer, grava com prazer e assiste com prazer. Porque você lendo com prazer, já basta. Gravar com prazer uma coisa que você já leu, você está fazendo uma releitura daquilo, mas continua o prazer. Aí talvez você não precisasse nem assistir porque você já conhece porque leu, você já conhece porque gravou.

Mas quando você vai assistir ainda é porque é muito bom. E isso acontecia com "Pega-Pega". Nós não conseguíamos parar de ler. Eu vou ter muito prazer em rever porque foi um trabalho delicioso nos bastidores. Nós nos amamos, nos curtimos, ficamos amigos e temos um grupo de WhatsApp até hoje que não se desfaz.

G1 - Seu personagem em "Pega-Pega" (Pedrinho Guimarães) tem uma reviravolta de caráter na trama. Ele é um bon-vivant que pensa mais no ter do que no ser. Mas depois isso se inverte. Qual tipo de reflexão que você acha que esse personagem leva ao público nos dias atuais?
Marcos Caruso -
O Pedrinho Guimaraes era um bon-vivant, um cara que não estava preocupado com o amanhã, um cara que estava preocupado apenas no presente. Acho que colocar isso nos dias de hoje, com esse mundo que nós estamos vivendo e esse mundo que nós vamos, agora, ter que enfrentar, que é um mundo absolutamente novo para todos nós, não sabemos como será, nós temos que começar a ter olhos muito atentos para o futuro.

O Pedrinho Guimaraes não se encaixaria nesse mundo de hoje, porque ele viveria o presente sem se preocupar com o amanhã. Ele acha que é um homem que nunca vai ficar doente, que nunca vai morrer, nunca vai sofrer, nunca vai sentir. E ele acaba aprendendo com esses tombinhos que ele leva.

É bonito quando um personagem muda qualitativamente. É bom, é prazeroso pro ator. É um desafio você ir mudando conforme a obra vai acontecendo. E é bom para o público também, porque o público percebe que a vida não e só aquilo sempre. Você pode, depois de uma cambalhota, dar a volta por cima e se modificar.

G1 - Sobre a "Escolinha do Professor Raimundo", que também está sendo reprisada...O que seu trabalho na atração representou pra sua carreira? E o que a "Escolinha" em si representou pra sua história, enquanto telespectador?
Marcos Caruso -
Eu assistia a escolinha como espectador porque eu gostava de ver os mestres da comédia. Não só os humoristas, mas os comediantes. Então vendo todos aqueles, Walter D'Ávila, Zé Vasconcellos, todos, enfim, não vou numerar, porque todos eram excepcionais.

Eu aprendo muito vendo e ouvindo. Eu gosto de ver o erro do outro, gosto de ver o acerto do outro, porque eu apreendo muito. Isso é bom, isso não é bom, isso eu faria melhor, isso eu não faria melhor, isso eu não sei, isso eu posso utilizar.

O poder de observação do ator, do artista, é a matéria prima do seu trabalho, então eu observava muito.

Quando eu fui convidado pra fazer a escolinha, eu inicialmente falei: 'Meu Deus, qual personagem?'. E o Ricardo Waddington falou: 'Seu Peru'. Falei: 'Eu não tô acreditando nisso. Eu não sei fazer isso'. E eu amo quando eu não sei fazer, porque vou ter que ir atrás, vou ter que buscar, vou ter que me empenhar mais ainda do que já me empenho.

Orlando Drummond, ao lado de Marcos Caruso, participa de gravação da nova temporada da "Escolinha do Professor Raimundo" — Foto: Globo/Estevam Avellar

G1 - Tudo bem que foi em 2019, mas queria que você contasse um pouco sobre o encontro dos dois Seus Perus, a gravação que teve com o Orlando Drummond. Porque o que parece é que foi algo muito emocionante nos bastidores... [A entrevista foi feita poucos dias antes da morte de Orlando]
Marcos Caruso
- Essa foi uma ideia da Cininha de Paula, nossa diretora, e dos autores, de escreverem esses momentos em que os personagens originais apareceriam na 'Escolinha'. Mas nós não estávamos sendo informados e o seu Orlando Drummond foi um dos primeiros. Eu poderia até desconfiar que ele viesse, mas não me passou pela cabeça.

E naquele dia, a Cininha falou: 'Caruso, você desce para o camarim, porque a gente vai fazer uma coisa sem você e depois você vai entrar na classe já dando seu texto pra você contracenar com o seu stand-in'. Porque nós tínhamos stand-ins pra passar o texto.

Aí uma hora falaram: 'Caruso, sobe. Não entra na classe, que ele [stand-in] já está sentado em seu lugar. Você bate na porta, entra e já faz a cena'.

Quando eu entrei, na carteira onde deveria estar o rapaz que passou a cena comigo, estava seu Orlando Drummond. Eu olhei e eu achei... eu achei que era ele. Mas só que eu vi que estava gravando. Eu juro que não sei o que aconteceu na minha cabeça. Eu dei o texto e comecei a contracenar com ele. E eu contracenava com ele com uma dupla... uma loucura isso: De um lado da cabeça, eu tinha certeza que era ele e que eu estava contracenando com o Seu Peru, que eu vi a vida inteira e que eu não conhecia. E estava vivo na minha frente. No outro lado da cabeça, eu pensava: 'eu não posso parar. Porque se eu parar, eu vou chorar, vou me emocionar, vai parar a gravação e não vou conseguir retomar com a mesma emoção que eu estou sentindo'.

Você não sabe o que é você homenagear alguém, e o homenageado estar na sua frente e você se sentir homenageado. Eu me senti ganhando um prêmio. Aliás eu ganhei um prêmio. Contracenei com seu Orlando Drummond, aos 99 anos.

G1 - Você é um artista bastante ativo, quando não está na TV, está nos palcos, no cinema... Como foi, para você, parar nessa pandemia?
Marcos Caruso -
Eu não parei. Quem falou que eu parei? Não parei nada. Eu acho que fui a pessoa que mais trabalhou esse ano na Globo. Eu não sei se eles me chamam pra fazer tanta coisa, pro público se enjoar de mim e aí a Rede Globo ter um bom motivo pra me mandar embora. Eu acho que é isso, acho que é uma tática.

E eu estou escrevendo...Fiz um curta e um longa nesse meio tempo durante a pandemia, com todos os protocolos e tal. Tive Covid, já tomei duas vacinas, acabei de escrever uma peça, vou fazer um outro espetáculo no final do ano e vou estrear como autor em Portugal no ano que vem.

Então tem muita coisa boa pra acontecer aí. A pandemia foi muito "útil". Nós temos que tirar alguma coisa de útil das coisas que aconteceram. Ela foi útil nesse sentido.

Eu limpei um monte de coisa, limpei gaveta, limpei mágoas, limpei tudo e coloquei coisa pra dentro e vamos em frente que eu gosto de trabalhar.

G1- Você falou que escreveu bastante... a pandemia te deu material pra isso?
Marcos Caruso -
Não, a pandemia não me deu material pra escrever sobre a pandemia, mas a pandemia me deu estímulo, inspiração, motivo pra cavoucar coisinhas dentro de mim.

A gente vai limpando gaveta, armário, uma série de coisas. Mas minha limpeza não foi só no campo material. Foi no campo assim psíquico, espiritual, de limpar mágoas. Aí fui colocando no papel, escrevendo.

Quando eu quero falar alguma coisa, que eu acho que está me incomodando muito, eu escrevo, escrevo, escrevo. E agora com essa facilidade de você poder gravar. Eu boto no gravador e falo, falo, falo, depois ouço, ouço, ouço... cada um com sua loucura. E nisso, eu acabei escrevendo uma peça de teatro.

'Escândalo Philippe Dussaert', com o ator Marcos Caruso é uma das atrações do Festival em Petrópolis e Teresópolis — Foto: Arquivo Pessoal / Paula Kossatz

G1 - Falando em escrever, você é um cara bastante ativo nas redes sociais e as usa bastante para se posicionar. Queria que você falasse sobre essa polêmica atual envolvendo algumas artistas por não se manifestarem sobre temas polêmicos ou manifestarem suas posições políticas.
Marcos Caruso -
Eu me posiciono. Eu não uso as redes sociais pra futilidades. Acho que a rede social tem uma função social. É uma rede social. Acho que você tem que ter uma função nessa rede. Cada um tem a liberdade de fazer aquilo que bem entender. Eu procuro sempre postar coisas que possam contribuir.

Com relação à política, acho que o ator é um ser político por natureza. O ser humano é um ser político por natureza. Acho que você tem que ter um posicionamento, mas você tem que ter muito cuidado com o que você diz e com o que você publica. Principalmente num momento de tanta polarização como nós estamos vivendo e uma polarização que leva a muitas vezes à agressões e ameaças.

Quando comecei a me posicionar de uma forma um pouco mais firme, eu fui muito agredido e fui muito ameaçado. Parei com isso. Não quero, não quero ser ameaçado.

Sempre me posicionei como ator, como autor, como diretor. Sempre usei o palco como palanque das minhas ideias, sempre falei o que quis, acho que essa é a função do artista, colocar o dedo na ferida de problemas políticos, sociais, econômicos de seu país. É papel do artista ser o arauto do seu tempo, de falar sobre as mazelas da sua sociedade, do meio em que ele vive.

Mas eu continuo achando que nós temos que lutar pela liberdade, em primeiro lugar. Pela dignidade, pela ética, seja quem estiver usando aquela cadeira como inquilino naquele momento no poder. E meu histórico já diz. É só alguém olhar pra trás e ver meu histórico de vida tanto pessoal quanto profissional pra saber qual a minha posição.

G1 - Li uma matéria em que você cita que que seu melhor personagem sempre será o próximo. E isso pode soar como perfeccionismo, insatisfação...
Marcos Caruso -
Isso se chama obstinação. Eu sou um obstinado pela minha profissão, pelo prazer que eu tenho de exercê-la. Então, o próximo personagem, se ele for um personagem que já fiz, eu vou tentar fazer diferente. Se ele for um personagem que nunca fiz, vou buscar ferramentas pra fazê-lo. Se ele for muito difícil, melhor. Se ele for muito fácil, melhor. Porque se ele for muito fácil, eu vou criar dificuldades.

Eu não tenho problema em fazer o que não sei. Então quando eu digo que meu melhor personagem será o próximo, é porque eu não sei qual é o próximo. Se eu não sei, é esse que eu quero fazer, eu quero fazer o que eu não sei.

G1 - E você tem alguma meta, algum desejo para fazer algo que nunca fez?
Marcos Caruso -
Não, não tenho nada. Já fiz muita coisa. 'Ah, você quer fazer um Hamlet, de Shakespeare?'. Se aparecer na minha frente a oportunidade, eu vou fazer. Mas não é que eu estou correndo atrás dele. Eu não corro atrás dele.

Um dia, a Dercy Gonçalves falou: 'Ah, me chamaram lá pro SBT pra fazer um programa, mas não tem que me dirija'.

Eu falei: 'Não tem quem te dirija porque você ainda não me convidou'.

'Você dirige televisão?'.

'Eu dirijo você'. Ela ficou louca.

Eu não sabia dirigir a Dercy Gonçalves, eu aprendi a dirigir a Dercy Gonçalves. Eu fiquei 11 meses dirigindo a Dercy Gonçalves. Eu quase morri, quase enlouqueci. A mulher quase me enlouqueceu, eu aprendi coisa para cacete.

Aprendi até que não devo fazer determinadas coisas mais na vida. E é assim. A vida não tem bula. E nossa arte menos ainda. Apesar de nossa arte ser um ótimo remédio, ela não tem bula.

G1 - Pra fechar, você já falou que é um cara obstinado. Mas, Marcos Caruso por Marcos Caruso? Como você se define?
Marcos Caruso -
Prolixo, né? Faaaalo...

Eu tenho muitos defeitos, óbvio. Mas minha melhor qualidade, o que me define, é ser um cara fraterno. Sou um cara que está preocupado com o outro. Nesse momento acho importante dizer isso, porque nós temos que nos preocupar com o outro porque o outros somos nós. A pandemia nos mostrou que o outro somos nós.

A pandemia nos mostrou que não há classe social, não há dinheiro, não há raça, diferença cultural, diferença nenhuma que faça com que você pegue o vírus e eu não. Então, perante o vírus, nós somos iguais. O que nos difere, se vou pegar ou não, é a fraternidade.

Eu já tive Covid, já tomei duas doses de vacina. Estou imunizado. Mas eu saio de máscara. Eu saio de máscara porque eu posso pegar ou passar pra alguém. Isso se chama fraternidade. Mas não. Tem gente que: 'Ó, eu saio sem máscara'. A pessoa que está sem máscara, quer dizer o seguinte: 'tô nem aí'. Ou: 'eu sou mais forte que você'. Ou: 'eu já peguei, você não pegou'.

Então eu acho que nós temos que pensar num mundo mais fraterno, pra que a gente possa conviver. E sobreviver.

Na peça, Marcos Caruso interpreta um conferencista que questiona, junto ao público, os valores da arte partindo do episódio do pintor francês Philippe Dussaert — Foto: Paula Kossatz/Divulgação

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