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Por Daniela Chiaretti — De São Paulo


Eliel Benites, do povo kaiowá: “A desinformação sobre a vacina é o grande nó que enfrentamos atualmente” — Foto: Tatiane Klein/Divulgação
Eliel Benites, do povo kaiowá: “A desinformação sobre a vacina é o grande nó que enfrentamos atualmente” — Foto: Tatiane Klein/Divulgação

Na aldeia guarani Te'yikue, em Caarapó, circula a informação que os índios que forem vacinados contra covid-19 virarão vampiros. Mensagens de whatsapp dizem que quem tomar vacina morre em seis meses e que os índios são cobaias, por isso são grupo prioritário na campanha de combate à pandemia. Repetem o que ouvem de religiosos - de que se trata da “marca da besta” e o que está na seringa é um “chip líquido”. O que se ouve entre guarani kaiowa e guarani nhandeva no Mato Grosso do Sul também sobe os rios da Amazônia e são mentiras que se alastram nas aldeias do Xingu. A forte onda de fake news causa medo e provoca resistência à vacinação em povos indígenas em todo o Brasil.

Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), referência nacional do movimento indígena, 46.355 índios de 161 povos foram confirmados com covid-19 desde o início da pandemia. Morreram 928, entre eles lideranças como o cacique Aritana, do Alto Xingu. O número real é muito maior, porque não contabiliza os que morreram nas aldeias, sem notificação oficial.

Sofrem particularmente os índios não aldeados. São os que vivem nas cidades, na beira das estradas e em territórios não homologados pela União. Nestes casos, não são atendidos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), braço do SUS criado em 2010 para dar atenção básica aos índios. Segundo estudo feito por pesquisadores da Universidade de Pelotas, a prevalência do coronavírus entre índios urbanos é cinco vezes maior da encontrada entre não índios.

Para proteger as etnias e ocupar o vácuo de informação do governo, associações indígenas e indigenistas preparam o contra-ataque ao movimento antivacina que, denunciam, parte de políticos e pastores evangélicos. “O discurso bolsonarista está forte entre os ticuna, no Amazonas, e parte dos caiapó”, diz uma fonte. Ocorre entre os tenharim do Amazonas, avança pelos macuxi em Roraima e é conversa corrente entre guajajara no Maranhão. Pode limitar a vacinação dos 305 povos indígenas do Brasil diante do temor de que se trate de uma campanha de extermínio promovida pelos não índios.

“Não podemos negar que a vacina renova a esperança dos povos indígenas de ter uma medida preventiva eficaz. Mas precisamos de um trabalho intenso para combater a desinformação”, disse ao Valor Sonia Guajajara, coordenadora-executiva da Apib.

A entidade deflagra hoje uma campanha de comunicação com vídeos de lideranças tomando a vacina ou estimulando a atitude, a “Vacina, Parente!”. O esforço tem outras frentes. Pretende fazer pressão para que o governo federal vacine todos os índios, e não apenas os aldeados acima de 18 anos, como está no plano. “A intenção é construir narrativas que enfrentem o racismo institucional que divide indígenas que vivem nas cidades do que vivem nos territórios indígenas”, diz o texto da iniciativa. A outra frente será entrar com ação no Supremo Tribunal Federal para que todos os índios possam ser vacinados prioritariamente.

Campanha de estímulo à vacinação contra covid-19 feita por organizações indígenas em língua guarani: "Depois de muita luta, os povos indígenas conquistaram o direito de serem vacinados primeiro em todas as campanhas de vacinação" — Foto: Divulgação
Campanha de estímulo à vacinação contra covid-19 feita por organizações indígenas em língua guarani: "Depois de muita luta, os povos indígenas conquistaram o direito de serem vacinados primeiro em todas as campanhas de vacinação" — Foto: Divulgação

“A desinformação é o grande nó que enfrentamos atualmente”, diz o guarani kaiowa Eliel Benites, professor da Universidade Federal da Grande Dourados e morador da aldeia guarani Te'yikue. Na reserva vivem cinco mil indígenas em área de 3.594 hectares. Ele explica que os guarani acreditam que as doenças surgem de feitiços, de espíritos maus, e que as fake news reforçam a crença. “Isso chega na aldeia e é interpretado como verdade”, diz. Para piorar o quadro, os guarani são alvo de preconceito na região. Mensagens agressivas questionam porque “índios que não têm serventia”, são os primeiros a ser vacinados.

“Não vimos nenhum tipo de campanha de informação aos índios”, diz a antropóloga Tatiane Klein, do Centro de Estudos Ameríndios da USP, pesquisadora dos guarani no Mato Grosso do Sul. Tatiane e Eliel estão à frente da iniciativa de divulgar, em língua guarani, uma campanha por Whatsapp sobre os benefícios da vacina.

"Vacina contra coronavirus chegou!" — Foto: Divulgação
"Vacina contra coronavirus chegou!" — Foto: Divulgação

Em nota ao Valor, o Ministério da Saúde, via Sesai, disse que desde 2020 “vem sendo realizado trabalho de conscientização nas aldeias”. A vacinação entre os indígenas aldeados começou na terça-feira, dia 19. A estimativa do Ministério é vacinar 410 mil indígenas (aldeados e maiores de 18 anos) e 20 mil profissionais de saúde que atuam nas comunidades.

As campanhas de vacinação indígena costumam acompanhar as iniciativas nacionais. Há 47 anos povos indígenas são vacinados contra varíola, sarampo, gripe e recentemente H1N1.

“A discussão da vacina é muito tardia no Brasil e a política do Ministério é pouco transparente. Não há diálogo”, diz a médica sanitarista Ana Lúcia Pontes, coordenadora do GT de saúde indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Ela lembra que só em Manaus estima-se que existam 30 mil índios que não serão priorizados pelo plano do governo.

"Essas vacinas que chegaram foram testadas no Brasil e em muitos lugares do mundo e são seguras, por isso ninguém será cobaia de vacinação!" — Foto: Divulgação
"Essas vacinas que chegaram foram testadas no Brasil e em muitos lugares do mundo e são seguras, por isso ninguém será cobaia de vacinação!" — Foto: Divulgação

“Muitos parentes não querem tomar a vacina”, diz Aurélio Tenharim, liderança do Amazonas. “Parente” é a expressão usada entre eles para denominar indígenas de todas as etnias e se diferenciar dos não-índios. “Os parentes dizem: ‘Se o presidente diz que não vai tomar a vacina porque diz que não precisa, porque eu vou tomar?”, conta. Militante da saúde indígena há 22 anos, assessor do gabinete do coordenador do distrito que acompanha a execução das campanhas, Aurélio diz que teve covid há pouco e faz questão de ser o primeiro a ser vacinado na região. “Para mostrar aos parentes que é seguro tomar a vacina”.

A vacinação começa hoje no polo Humaitá onde está Aurélio. São 26 aldeias sendo 12 tenharim, onde moram 836 pessoas. Vivem no Amazonas às margens da Transamazônica, que corta a terra indígena ao meio. “É fácil para não-indígena ter acesso à aldeia”, diz. Não houve mortes por covid mas agora há índios muito doentes.

A logística é complexa para atender os ianomami espalhados em nove milhões de hectares no Amazonas e Roraima. Rômulo Pinheiro, coordenador do Distrito Yanomami, diz ter 12.600 doses para os ianomami em Roraima e seis mil para os que vivem no Amazonas. Em três meses espera ter vacinado todos com mais de 18 anos.

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