Política

MPF: Política indigenista de Bolsonaro tem 'violações sem precedentes na ordem institucional'

Nota Pública a ser divulgada no Dia do Índio aponta para manobras desastrosas da Funai  e do presidente no último ano
Entre as etnias indígenas, povo Xavante tem maior número de mortes Foto: (Reprodução/TV GLOBO)
Entre as etnias indígenas, povo Xavante tem maior número de mortes Foto: (Reprodução/TV GLOBO)

RIO - Retrocessos nos direitos conquistados nas últimas décadas, omissão na demarcação de terras e desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) são algumas das queixas que o Ministério Público Federal (MPF) faz no balanço sobre a política indigenista implementada pelo governo Bolsonaro no último ano e que será divulgado nesta segunda-feira, Dia do Índio.

Por meio de Nota Pública, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão que trata das populações indígenas e comunidades tradicionais aponta ainda entre as falhas do governo a não adoção de políticas públicas em tempos de pandemia, o que somado aos demais problemas "compõe um quadro de violações sem precedentes na atual ordem institucional" .

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O MPF cita como "primeiro ato" que afetou a Funai a publicação de medida provisória de janeiro de 2019 que tentou transferir a subordinação da Funai  para o Ministério da Agricultura, revertida pelo Supremo Tribunal  Federal (STF) que manteve o órgão sob  responsabilidade do Ministério da Justiça.

"Isso não impediu o enfraquecimento da autarquia e de suas atribuições, o que se dá de forma cotidiana e mediante alguns sucessivos atos", diz o MPF ao citar a edição feita pela Funai da Instrução Normativa n º 09, que faz com que na prática todas as terras indígenas que ainda não estejam no último estágio de demarcação sejam excluídas da base de dados do sistema que controla a gestão fundiária, tornando "invisíveis" esses territórios e validando títulos de propriedades particulares anulados pela Constituição de 1988. O MPF já conseguiu vencer 19 de 26 ações alegando a inconstitucionalidade da instrução.

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A Nota Pública obtida pelo GLOBO destaca ainda o veto do presidente Jair Bolsonaro ao acesso das aldeias à água potável , materiais de higiene, leitos hospitalares e respiradores mecânicos no projeto de lei aprovado pelo Congresso e parte do plano de combate à Covid nas aldeias. Esse mesmo projeto, por outro lado, não vetou o artigo que permite a permanência de missões religiosas nos territórios indígenas com a presença de povos isolados. O STF deve decidir sobre a questão.

O MPF elenca ainda entre as medidas desastrosas tomadas pela Funai a resolução que  definia novos critérios específicos para a identificação étnico-racial (heteroidentificação) de indivíduos indígenas; e a Instrução Normativa 01, editada junto com o  Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que na prática "institucionaliza o arrendamento rural nos territórios indígenas".

Por fim, o MPF frisa ainda que neste mês de abril completa três anos sem que nenhuma terra indígena tenha sido delimitada, demarcada ou homologada no país "aprofundando o déficit demarcatório e agravando o quadro  de invasões e explorações ilegais desses territórios".

Entre os pontos positivos do balanço, o MPF ressalta a derrubada do veto presidencial parcial ao plano de combate à Covid nas aldeias; e a rejeição da medida provisória que propunha anistia para ocupação e desmatamento de "vastas terras públicas, inclusive em territórios indígenas", ambas decididas pelo Congresso Nacional.

A atuação do STF também é elogiada no documento. A suspensão de todas as reintegrações de posse em áreas indígenas enquanto durar a pandemia, o reconhecimento da legitimidade da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para propor ações de controle constitucionais, a determinação ao governo federal para adoção de medidas urgentes para conter a disseminação do novo coronavírus nas terras indígenas e a análise da decisão que não reconheceu o direito do povo Guarani Kaiowá à TI Guyraroká no âmbito da discussão sobre o marco temporal, que o MPF classifica de "ficção jurídica".

"Este tema (marco temporal) merece ser revisitado, ainda mais diante da tentativa constante  de fragilizar a proteção às terras indígenas", finaliza a Nota Pública.

Procurada, a Funai ainda não se manifestou.