• Ana Carolina Nunes
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conselho, reunião (Foto: Getty Images)

(Foto: Getty Images)

Os desafios do mundo dos negócios estão cada vez mais complexos --e a pandemia foi mais um complicador desse cenário. Temas como governança, sustentabilidade, diversidade e inclusão e transformação digital já estavam na agenda corporativa antes da crise sanitária, mas agora ganham ainda mais importância para o sucesso das operações.

De acordo com Cadu Altona, sócio da Exec, consultoria de RH especializada em recrutamento e seleção de altos executivos, houve um aumento de 30% no número de empresas em busca de assessoria para a formação de conselhos, entre administrativos e consultivos.

Chama a atenção o fato de que, em muitos casos, não há necessariamente um plano de abertura de capital, quando ter um conselho administrativo é condição imposta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para ir ao mercado. "O mundo se tornou tão incerto que a figura de um conselho passou a ser fundamental para os negócios", diz Cadu. "Hoje o perfil é mais consultivo --menos direcionado na governança e nas questões legais, e mais focado em ajudar os negócios."

Um termômetro desse movimento, segundo Paul Ferreira, professor e diretor do Centro de Liderança da Fundação Dom Cabral (FDC),  é o programa de formação de conselhos da instituição. Com quatro turmas de 200 pessoas por ano, o curso tem lista de espera. E há espaço para ainda mais. Na contas de Paul, metade das empresas ainda não tem conselhos.

Para Cadu, da Exec, a onda de interesse pela criação de conselhos acontece sobretudo em empresas familiares ou de menor porte. De cada 100 companhias no Brasil, 95 são negócios de família e estão sendo geridas pela segunda ou terceira geração. O professor da FDC aponta que entre os principais motivos para o aumento na formação dos conselhos está a necessidade de profissionalização da gestão --a forma de conduzir as reuniões e o apoio à diretoria em decisões, especialmente na análise dos riscos envolvidos nessas deliberações. Há de se levar em conta ainda a preocupação com a sustentabilidade dos negócios a longo prazo. "Tendências como ESG e transformação digital são desdobramentos dessas questões", diz o professor. "A tranformação digital, por exemplo, tem a ver com a visão estratégica a longo prazo."

Uma das tendências mais fortes dos conselhos em tempos de economia 4.0 é o perfil heterogêneo de sua composição. "Os conselhos estão sendo desenhados para atrair a diversidade que falta na organização, sobretudo no topo", diz Cadu, da Exec. Ao que Daniela Raad, advogada do escritório Souto Correa, faz coro. "A pluraridade de perfis, os pontos de vistas e as vivências diferentes trazem segurança para a tomada de decisões", defende Daniela. 

No caso das companhias estão funcionam também como uma forma de perpetuação dos negócios. "As empresas perceberam a necessidade de organizar  de forma profissional e de delimitar o que é cada pilar e o papel de cada um dentro da organização", diz a advogada, frisando que a profissionalização dos negócios familiares não significa tirar a família do quadro corporativo, mas capacitar os sucessores. "A transformação digital e a inovação não rompem com os valores e a tradição das empresas", reforça Daniela. 

Mudanças

O perfil desses novos conselhos também mudou. Antes, lembra Cadu, eram instituições mais burocráticas, guardiãs do interesse dos acionistas e dos protocolos. Hoje, porém, estão mais diversas, ágeis e complementares às experiências profissionais de cada integrante. "Estão agora mais ajustadas à realidade de cada negócio, e não apenas à demanda da CVM", afirma o sócio da Exec. "Nos conselhos administrativos  tradicionais se vê grandes nomes, CEOs, economistas, pessoas mais sêniors. Nesses [novos]  nem tanto", observa.

"As empresas querem se tornar mais ágeis. Se o objetivo passa pela reformulação da estratégia digital, ou se querem entrar em um novo mercado, por exemplo, buscam alguém que já tenham passado por esse tipo de processo. A ideia é ajudar os donos ou sócios a enfrentar as adversidades", completa Cadu.

O professor Paul ressalta também que algumas companhias têm buscado não só por profissionais com a experiência em áreas e processos específicos, mas a mistura de gerações. "Em geral, nos perfis, há uma presença forte de profissionais da área de gestão e estratégia e de finanças, mas também de pessoas com outras expertises", define Paul. "Os conselhos consultivos da  TAG Heuer e da Gucci, por exemplo,  contam com a presença de millennials."

Retorno

O professor Paul Ferreira, contudo, faz uma observação. As empresas familiares tendem a buscar conselheiros por indicação, o que pode comprometer a eficácia dos trabalhos. "É um ponto de alerta para os familiares: qual o poder desse conselho? Entre 60% e 70% das indicações vêm da familia. Ainda tem um processo limitado, pois a indicação acaba tendo implicações para a independência do conselho, a diversidade de perfis e a profissionalização, que é o objetivo". Ele aponta ainda para a importância da avaliação periódica desse conselho --o que, apenas, 30% das companhias fazem. 

Cadu ainda sugere trocas a cada dois ou três anos em média, reuniões bimestrais e o equilíbrio no número de acionistas e conselheiros.

A Exec desenvolveu um método de avaliação da efetividade do conselho, segundo critérios de efetividade da dinâmica e da estrutura do grupo, alinhamento do grupo com a estratégia empresarial e com a cultura, propósito e valores da companhia, relação com o corpo diretivo e, principalmente, o nível de consciência digital.  "Ainda que o mercado tenha senso de urgância, a formação de um conselho consultivo é trabalho de médio e de longo prazo", diz Cadu. 

Já a contratação segue o fluxo de processo seletivo profissional avaliando interesse, disponibilidade, competências, referências e investigação de carreira. "Um conjunto de instâncias que tem de gerar credibilidade. E temos de desenhar com o cliente o perfil de cada posição, pois cada figura é uma contratação indepentente", diz o sócio da Exec.

Expansão

A rede de supermercados Mambo foi uma das empresas que buscaram a formação de conselho recentemente. A companhia faz parte do Grupo MGB (ao lado do Giga Atacado), que já tem um conselho, mas decidiu criar um dedicado exclusivamente ao Mambo de olho, principalmente, no processo de expansão. "Percebemos a necessidade de apoio de fora, com outra visão', conta Lucas Nassar, presidente do conselho. "Foi uma soma de fatores. Em 2019 passamos a ser independentes [do grupo]. E houve uma demanda dos sócios para que tivesse a formação de conselho, em busca de mais segurança nesse processo e de apoio aos que estão na gestão", explica o executivo. 

Lucas disse ainda que, além da procura por equilíbrio nas sete cadeiras, com quatro delas ocupadas por profissionais de fora da gestão do supermercado, a demanda foi por executivos atuantes no mercado. "Como sofrem as mesmas dores, eles poderiam contribuir mais."

A rede Mambo tem cerca de 1.500 funcionários e oito lojas físicas no estado de São Paulo, além do e-commerce. Na agenda da empresa está crescer 250% em cinco anos, desde 2020. Este ano, a empresa abrirá duas novas lojas e investirá em mudanças em outras duas. No próximo ano, serão mais três, além de reforço ao e-commerce. Segundo Lucas, as compras online já eram uma tendência antes da pandemia e devem se consolidar ccomo hábito entre os consumidores.

Ele diz que, na formação do conselho, a empresa fez questão de contar com a diversidade de conhecimentos e ideias. "Queríamos trazer pessoas complementares. Executivos com experiência em tecnologia, principalmente no mercado eletrônico. Com expertise em finanças, já que estamos em um processo de expansão agressivo. Queríamos [executivos] do varejo e do mercado em geral para suprir todas as pontas necessárias", lembra o presidente do conselho do Mambo. "E isso tem sido bastante enriquecedor."

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