Associação pede proibição de cremação de seguidores do Candomblé

Ofício enviado ao MPE/BA e MPF versa sobre mortos infectados pelo coronavírus

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  • Da Redação

Publicado em 3 de abril de 2020 às 22:14

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/Bosque da Paz

A Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-ameríndia (AFA) enviou ofício ao Ministério Público do Estado da Bahia (MPE/BA) e ao Ministério Público Federal (MPF) solicitando uma normativa sobre o respeito ao sepultamento do Candomblé. A medida visa proibir que um seguidor do Candomblé morto pelo novo coronavírus (Covid-19) seja cremado, mesmo em caso de uma determinação que obrigue a cremação dos mortos pela doença.

O documento foi enviado ao MPE e MPF na segunda-feira (30). A ideia é se antecipar para evitar que um religioso do Candomblé seja cremado visto a necessidade do procedimento em outros países devido ao colapso do sistema funerário. Também há um pedido para que o corpo não seja sepultado em gavetas.

“Estamos vendo países como a Itália e a Espanha tendo dificuldades para enterrar os corpos. Antevendo esse problema em nosso país e a possibilidade de ser instaurada a cremação compulsória do corpos, encaminhamos o ofício para ter de forma legal a possibilidade de não termos os corpos de pessoas do Candomblé cremados”, afirmou o presidente da AFA, Leonel Monteiro.

Perante o Candomblé, o corpo precisa ser enterrado no chão para fechar o ciclo de vida da forma correta. “Cremar o corpo é uma violação grave na religião. Também não pode colocar em gavetas. O morto tem que ir para a terra para que o espírito siga o seu caminho e precisa ser enterrado com todo um ritual”, explica Monteiro.

A crença é que, quando morto, o seguidor do Candomblé deve ser enterrado no chão para não trazer problemas para o caminho do espírito. Os familiares e a família religiosa de alguém que foi cremado pode sofrer com questões espirituais e psicológicas. “A cremação de um sacerdote ou uma sacerdotisa pode trazer problemas para toda a comunidade pelo desequilíbrio do Axé”, informa o presidente da AFA.

O orixá Obaluaê, o rei senhor da terra, é o responsável por transformar o corpo em nova matéria e entregar o espírito do morto a Iansã. Por esse motivo, é necessário fazer o enterro na terra. “Se a pessoa é cremada, essa etapa é queimada da existência”, diz Monteiro.

Durante o enterro são entoados os orikis -  os cânticos, por isso, a AFA também solicita ao Ministério Público que o sepultamento seja acompanhado de familiares do morto, seu Sacerdote Afro e seu iniciado auxiliar. “Entoamos o orikis para haver uma boa energia no processo de transformação em contato, para que o espírito tenha um bom caminha e retorne com uma vida próspera”, afirma o presidente.

Também é no processo de velar o corpo que são retirados os adoxus da pessoa, este processo, entretanto pode ser feito sem o corpo, explica Monteiro. “O Adoxu é um ato que se faz quando a pessoa se inicia e quando falece também. O ideal seria com a presença do corpo, mas para evitar o contágio, é possível levar o caixão lacrado e sepultar na terra”, aponta.

O ofício ainda ressalta que todos que participarem do ritual fúnebre devem adotar cuidados necessários para evitar o contágio e a propagação do coronavírus fazendo o uso de álcool em gel e máscaras, mantendo a distância um dos outros e evitando o contato físico.

“As nossas recomendações para as comunidades terreiro é de que evitem atividades que envolvam aglomerações e só realizem qualquer ato religioso quando extremamente necessário, de forma interna, com número reduzido de pessoas,não aberta ao público”, aponta o documento.

No Ministério Público do Estado da Bahia (MPE/BA), o documento foi enviado para o Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (GEDHDIS). De acordo com o presidente da Associação, o ofício já foi recebido na instituição.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro