Por Delis Ortiz, TV Globo — Brasília


Dados pessoais de 3 médicos favoráveis a vacinação infantil contra covid são vazados ilegamente

Dados pessoais de 3 médicos favoráveis a vacinação infantil contra covid são vazados ilegamente

Dados pessoais de três médicos que defendem a vacinação de crianças contra a Covid foram vazados ilegalmente, na internet, nos últimos dias. Informações como o telefone e o e-mail dos especialistas foram espalhadas em grupos bolsonaristas a partir de documentos do Ministério da Saúde.

O caso foi revelado pelo blog da jornalista Malu Gaspar no jornal "O Globo". Os dados pessoais constam nas declarações de conflito de interesses dos especialistas, entregues ao Ministério da Saúde antes que eles participassem da audiência pública sobre o tema nesta terça (4).

A entrega desses documentos é prática comum no meio acadêmico para participação em publicações científicas, consultorias e audiências públicas. Neles, os profissionais indicam para quais empresas já prestaram serviços.

Via de regra, tais declarações de conflito de interesses são tornadas públicas. O problema, neste caso, é que imagens dos documentos foram divulgadas na íntegra, sem ocultar dados como CPF, e-mail e celular – o que é irregular.

A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), apoiadora do presidente Jair Bolsonaro, admitiu ao jornal que repassou as informações pessoais dos especialistas em grupos de WhatsApp.

"Compartilhei em um grupo de zap de médicos. Quando me avisaram no Ministério da Saúde que alguém havia postado, pedi imediatamente que quem o fez removesse. Mas o ministério me informou que os documentos iriam para o site. Por isso entendi que eram públicos", disse Bia Kicis ao "Globo".

Bia Kicis é procuradora aposentada e investigada no inquérito sobre produção de fake news e ameaças a autoridades que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

Dados pessoais de médicos pró-vacina são vazados na internet, e Bia Kicis admite divulgação no WhatsApp

Dados pessoais de médicos pró-vacina são vazados na internet, e Bia Kicis admite divulgação no WhatsApp

Defensores da vacinação

O vazamento atingiu três médicos:

  • Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações;
  • Marco Aurélio Sáfadi, da Sociedade Brasileira de Pediatria, e
  • Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Os três participaram da audiência pública promovida pelo Ministério da Saúde na última terça – um dia antes de a pasta confirmar a vacinação de crianças de 5 a 11 anos e anunciar que não exigiria receita médica ou autorização por escrito dos pais.

Na audiência, os três especialistas apresentaram argumentos contundentes em defesa da imunização desse público-alvo – uma postura contrária ao que o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores vêm defendendo.

Um dos médicos prejudicados afirma que o vazamento começou ainda durante a audiência pública. E que, logo depois, os três começaram a receber agressões, ataques intimidatórios e ameaças de grupos radicais antivacina em suas redes sociais.

Ministério não anunciou providências

Os médicos que tiveram dados pessoais vazados cobraram providências do Ministério da Saúde.

Em nota (leia íntegra abaixo), a secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid, Rosana Leite de Melo, condenou a divulgação irregular – mas não disse quais providências serão tomadas.

No texto, Rosana diz que a secretaria "não compactua com a divulgação de dados pessoais sem o consentimento dos envolvidos" e que "eventual divulgação das referidas informações se deu de forma indevida

Ameaças anteriores

Essa não é a primeira vez que redes bolsonaristas usam dados pessoais vazados na internet para ameaçar especialistas e autoridades em saúde pública.

No dia em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso da vacina pediátrica da Pfizer no Brasil, o próprio presidente Jair Bolsonaro disse em rede social que divulgaria os dados de diretores e técnicos da agência responsáveis pela decisão.

Bolsonaro foi duramente criticado. Nos dias seguintes à fala, as ameaças aos gestores da Anvisa – que já aconteciam nas semanas anteriores – se intensificaram. A Polícia Federal já abriu dois inquéritos para apurar essas mensagens intimidatórias. Veja abaixo:

Anvisa entrega ao STF todas as mensagens com ameaças a diretores

Anvisa entrega ao STF todas as mensagens com ameaças a diretores

Íntegra

Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pela Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Esta Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 (SECOVID/MS), por meio deste, torna público que não autorizou ou disponibilizou para divulgação o documento “Declaração de Conflito de Interesses” assinada pelos participantes convidados para a Audiência Pública nº 2/2021, realizada em 04 de janeiro de 2022, das 10h às 13h, referente à inclusão de crianças de 5 a 11 anos no Plano Nacional de Operacionalização de Vacinação contra a Covid-19, contenho os dados pessoais dos envolvidos.

Esta Secretaria não compactua com a divulgação de dados pessoais sem o consentimento dos envolvidos. Eventual divulgação das referidas informações se deu de forma indevida.

Como pontuado na audiência pública realizado na data de hoje, a Declaração de Conflito de Interesses, bem como toda documentação inerente a este processo, com vistas dar total transparência, serão tornadas públicas após o tratamento de dados pessoais previstos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

ROSANA LEITE DE MELO
Secretária Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19

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