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Por Mônica Scaramuzzo — De São Paulo


Laboratórios nacionais de médio porte turbinaram seus negócios em 2020 com medicamentos que prometiam, sem base científica, combater a covid-19. A venda do vermífugo ivermectina saltou de R$ 44,4 milhões em 2019 para R$ 409 milhões no ano passado, alta de 829%. No caso da cloroquina e hidroxicloroquina, indicados para malária e lúpus, a receita subiu de R$ 55 milhões para R$ 91,6 milhões no mesmo período, segundo levantamento do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), com base nos dados da consultoria IQVIA.

Os dois medicamentos, apelidados de “kit covid” e que tiveram o presidente da República, Jair Bolsonaro, como um dos seus principais garotos-propaganda no país, ganharam projeção no início da pandemia como promessas para prevenção do coronavírus, mesmo sem eficácia comprovada por autoridades sanitárias. O consumo desses produtos continuam em alta.

Os picos de venda do ivermectina, que pode ser comprado sem receita médica, se concentraram em julho do ano passado, quando atingiram R$ 98 milhões em receita, e em dezembro, totalizando R$ 107 milhões. Em unidades, o total comercializado foi de 52,3 milhões de caixas em 2020, salto de 539% sobre 2019. As vendas de cloroquina e hidroxicloroquina, com retenção de receita, atingiram 2,02 milhões de caixas, alta de 110%. Esses dados correspondem somente às vendas feitas no varejo farmacêutico.

O Valor apurou com duas fontes que os laboratórios nacionais Vitamedic, do grupo José Alves, e Apsen, foram os campeões de venda desses medicamentos no ano passado.

Com sede em Goiás, o Vitamedic respondeu por cerca de 80% das unidades de ivermectina em 2020. A área farmacêutica não é o principal negócio do grupo José Alves, que fatura cerca de R$ 2 bilhões. A maior parte da receita da companhia vem da área de bebidas - a empresa é distribuidora da Coca-Cola em Goiás e Tocantins.

Uma pessoa próxima à companhia afirmou ao Valor que a Vitamedic teve de fazer ajuste na linha de produção e comprou equipamentos por conta da alta demanda. Procurada, a empresa não quis comentar o assunto.

Segundo dados da consultoria IQIA, obtidos pela reportagem, a receita total da empresa (incluindo os descontos concedidos no varejo) cresceu 202,9% em 2020, para R$ 421,7 milhões, impulsionados pelo ivermectina. A empresa saltou da 66ª colocação no ranking em receita para 37ª posição. Em volume negociado, ficou na 17ª posição no ranking.

No caso da cloroquina e hidroxicloroquina, a farmacêutica Apsen, de São Paulo, respondeu por 85% do total vendido em volume no ano passado. A receita da Apsen subiu 17,6%, para R$ 1,034 bilhão (com descontos já concedidos no varejo). A empresa não retornou os pedidos de entrevista.

No país, além da Vitamedic, outras sete empresas fabricam o ivermectina: Abbott, Biolab, Cifarma, EMS, Galderma, Neo Química e UCI Farma. No caso da cloroquina e hidroxicloroquina, também são fabricantes, além da Apsen, as farmacêuticas EMS e Sanofi. A receita da EMS com a venda de ivermectina totalizou R$ 68,6 milhões e, de cloroquina, R$ 9,1 milhões, segundo fontes. Em nota, a EMS informou que “mantém a sua missão de cuidar de pessoas sempre com responsabilidade e com o apoio da ciência. Os médicos são os únicos profissionais habilitados a prescrever o uso adequado do medicamento, seguindo os protocolos de medicina.”

A demanda por esses medicamentos continua firme, mas a expectativa de fontes ligadas ao mercado farmacêutico é de que a comercialização desses produtos caiam nos próximos meses, à medida que a campanha de vacinação avance no Brasil.

Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma, alertou que a compra de medicamento não dever ser feita pelo público leigo sem a orientação médica. Mussolini não quis comentar, contudo, sobre o desempenho de venda das fabricantes. “A indústria farmacêutica investe bilhões de dólares para demonstrar a eficácia dos produtos. O uso ‘off-label’ não é proibido, mas tem de ter prescrição médica.”

Segundo Mussolini, é preocupante o uso indiscriminado por conta dos efeitos colaterais adversos. “O que se espera das autoridades é que olhem com atenção esse movimento.”

Para o médico infectologista Ricardo Diaz, docente e pesquisador da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), o uso da cloroquina e hidroxicloroquina não é problemático só por causa da eficácia não comprovada. “Pode matar pacientes com problemas cardíacos”, diz.

“Argumentações de que o uso desses medicamentos trazem benefícios no tratamento da covid-19 não fazem sentido”, ressalta Paulo Lotufo, epidemiologista e diretor do Centro de Pesquisa Clínica do Hospital Universitário da USP. “A ivermectina é usada por pouco tempo nos tratamentos para os quais é indicada pela bula do medicamento. Então, não sabemos o nível de toxicidade que o paciente pode ser exposto”, diz.

De acordo com Latufo, o presidente vendeu desde o início que há tratamento e muita gente adotou a argumentação contrariando a todas as medidas de distanciamento e, com isso, aumentou e muito a disseminação do vírus.

“A pandemia gerou uma situação de estresse extremo. Muitas pessoas só acreditam no que gostariam que fosse verdade. Aprendemos bastante nesses últimos nove meses sobre a pandemia, mas tem muitas coisas que ainda não sabemos”, afirma Diaz. (Colaborou Ana Paula Machado)

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