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Rio

Confira como será o leilão da Cedae, o maior projeto de privatização na área de saneamento do país

Edital dividiu a companhia em quatro blocos regionais
Sede da Cedae, no Centro do Rio Foto: Arte sobre foto de Brenno Carvalho de 18/02/2020 / Agência O Globo
Sede da Cedae, no Centro do Rio Foto: Arte sobre foto de Brenno Carvalho de 18/02/2020 / Agência O Globo

RIO — Uma liminar concedida nesta sexta-feira pelo Tribunal de Justiça do Rio suspendeu os efeitos de um decreto votado na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) suspendendo o leilão da Cedae, que, com isso, está confirmado para esta sexta-feira, na Bolsa de Valores de São Paulo, a partir das 14h.  Os quatro grupos empresariais que se credenciaram para a disputa apresentarão as suas propostas minutos antes de o martelo ser batido. A modelagem da concessão, elaborada pelo BNDES, dividiu a parte da Cedae que será privatizada em quatro lotes regionais. Todos os blocos despertaram interesse dos consórcios. No total, serão feitas 12 ofertas.

A venda da companhia de água e esgoto prevê investimentos privados de R$ 30 bilhões ao longo de 35 anos, e é considerado o maior projeto de privatização na área de saneamento do país. A concessão tem o objetivo de universalizar a coleta e o tratamento de esgoto, além do fornecimento de água, para cerca de 13 milhões de pessoas. A previsão é que as empresas assumam os serviços até o início do segundo semestre. A produção de água potável continuará com a estatal.

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Medidas de recuperação do meio ambiente também estão no edital de licitação. O projeto de despoluição da Baía de Guanabara contará com um investimento de R$ 2,6 bilhões nos cinco primeiros anos de concessão. Já a Bacia do Guandu receberá R$ 2,9 bilhões para sua preservação, no mesmo período. O Complexo Lagunar da Barra da Tijuca contará com um aporte de R$ 250 milhões.

O que é a Cedae

Empresa é um gigante do setor de saneamento e distribuição de água potável
Estação de tratamento da Cedae Foto: Arte sobre foto de Brenno Carvalho de 18/02/2020 / Agência O Globo
Estação de tratamento da Cedae Foto: Arte sobre foto de Brenno Carvalho de 18/02/2020 / Agência O Globo

Uma gigante do setor de saneamento e distribuição de água potável, atualmente a Cedae atende 64 municípios do estado. Dados divulgados em 2019 pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indicam que 5.548.746 habitantes do Rio de Janeiro contam com serviços de esgotamento sanitário da companhia. O número corresponde a 67,77% de tratamento referente à área de atendimento da empresa, de acordo com o Snis.

A Cedae estima que 86,7% da população tenham acesso à água potável na área atendida. As estações de tratamento Cedae, aliás, estão entre as maiores do mundo. A mais famosa delas, a do Guandu, foi certificada como a maior do mundo, em 2007, pelo Guiness Book of Records. A estação possui capacidade de tratar continuamente 43 mil metros de água por segundo.

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Em sua estrutura, a empresa conta com 4.864 empregados, dos quais 205 são temporários. O último balanço financeiro da empresa indica oscilações em relação aos ganhos. A Cedae iniciou o ano de 2020 com caixa de R$ 1 bilhão e encerrou com R$ 1,2 bilhão. Porém, o resultado contábil da companhia foi negativo, com déficit de R$ 247 milhões.

Quem participa do leilão

Quatro blocos regionais estarão em disputa no pregão
Estação de tratamento da Cedae Foto: Arte sobre foto de Brenno Carvalho de 18/02/2020 / Agência O Globo
Estação de tratamento da Cedae Foto: Arte sobre foto de Brenno Carvalho de 18/02/2020 / Agência O Globo

Os consórcios se credenciaram na última esta terça-feira, na Bolsa de Valores de São Paulo, mas a entrega das propostas com os valores ofertados por cada um dos quatro blocos licitados vai ocorrer poucas horas antes de o martelo ser batido. Os conglomerados homologados foram: Consórcio Redentor, Rio Mais Operações de Saneamento S. A., Consórcio Aegea e Iguá Saneamento.

Os quatro blocos licitados receberam 12 propostas. O Bloco 1 — que engloba a zona sul do Rio e mais dezoito municípios — despertou o interesse de todos os grupos empresariais. O chamado Bloco 2 — que abrange os bairros da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, além de dois municípios — também receberá propostas de todos os consórcios.

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O Bloco 4 — que considera o Centro e a zona norte da capital, além de oito municípios — terá três propostas. Apenas a Iguá Saneamento não demonstrou interesse por esse conjunto de localidades. O Bloco 3 — que envolve a maior parte dos bairros da zona oeste, além seis municípios — só receberá oferta do Consórcio Aegea.

O que muda para o consumidor

Tratamento de esgoto deve saltar para 90% nas áreas leiloadas. Já a distribuição de água potável chegará a 99% dos lares
Consumidor com conta de cobrança de abastecimento de água Foto: Editoria de Arte
Consumidor com conta de cobrança de abastecimento de água Foto: Editoria de Arte

O edital de licitação prevê mudanças no serviço prestado ao consumidor final. O tratamento de esgoto deve saltar para 90% nas áreas leiloadas. Já a distribuição de água potável, que atualmente abrange 90% da população, chegará a 99% dos lares.

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A tarifa social, aplicada a consumidores que comprovam baixa renda, atualmente abrange apenas 0,57% da população. A meta é que a tarifa chegue a 5% de todos os usuários dos serviços. Os reajustes tarifários cobrados dos demais consumidores devem sempre seguir as taxas da inflação — o que impedirá aumentos reais.

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O edital de licitação da companhia também estabelece a criação de uma espécie de banco de talentos para que as concessionárias admitam funcionários dispensados da estatal. A privatização deve gerar 46 mil empregos diretos e indiretos.

As obrigações dos novos concessionários

Os compromissos incluem investimentos para despoluir as lagoas da Barra e melhorar a infraestrutura de saneamento do Complexo da Maré
Estação de tratamento da Cedae Foto: Arte sobre foto de Brenno Carvalho
Estação de tratamento da Cedae Foto: Arte sobre foto de Brenno Carvalho

As concessionárias que vencerem os lotes em disputa para operar os sistemas de água e esgoto dos 35 municípios terão que cumprir uma série de metas para garantir que os consumidores tenham um serviço de melhor qualidade. Entre os pontos previstos está o compromisso de que até 2033 (12 anos) todas as cidades terão pelo menos 90% dos domicílios com esgoto coletados  e 99% com abastecimento regular de água.

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As empresas também terão que se comprometer a instalar hidrômetros em todos os domicílios no prazo de cinco anos. Os compromissos incluem também investimentos para despoluir as lagoas da Barra e melhorar a infraestrutura de saneamento do Complexo da Maré.

Além disso, os concessionários terão prazos máximos para atender aos pedidos dos usuários. Nos municípios com mais de 100 mil habitantes, por exemplo, terão que atender em 24 horas a pedidos para desobstruir galerias de esgotos.

Confira algumas  obrigações :

Despoluição das Lagoas da Barra e Jacarepaguá - A concessionária se compromete a investir R$ 250 milhões, em até 3 (três) anos contados da emissão do licenciamento ambiental pelo INEA, em ações com o objetivo de auxiliar na despoluição do Sistema Lagunar da Barra da Tijuca e Jacarepaguá. Essas ações deverão incluir, por exemplo, obras de dragagem (com bota-fora adequado) do lodo, sedimentos finos e lixo, numa extensão de 10 km de trechos baixos da calha de rios poluídos da região e no fundo das lagoas de Jacarepaguá, Camorim, Tijuca e Marapendi.

Complexo da Maré - A concessionária deverá priorizar estudos para implantar uma galeria de cintura no entorno das comunidades da Maré. O objetivo é implantar 4.854 metros de troncos coletores para que o esgoto da região seja levado até a Estação de Tratamento de Alegria (Caju).

Duque de Caxias - A partir do 6º ano da concessão, deverá priorizar as obras de ampliação do sistema de esgotos dos  bairros Doutor Laureano, Centenário, Periquitos, Bar dos Cavaleiros, Centro, Jardim 25 de Agosto, Olavo Bilac, Jacatirão Norte, Vila São José, Gramacho, Vila São Luiz, Parque Beira Mar e Parque Duque de Caxias.

Zona Norte e Oeste do Rio: A partir do 6º ano, a concessionária deverá priorizar as obras de ampliação do sistema de esgotamento sanitário localizadas nos bairros Irajá, Vista Alegre, Brás de Pina, Colégio, Rocha Miranda, Barros Filho, Costa Barros, Pavuna, Parque Anchieta, Acari, Osvaldo Cruz, Honório Gurgel, Turiaçu, Bento Ribeiro, Colégio, Parque Columbia, Engenheiro Leal, Campinho, Vila Vaqueire, Praça Seca, Cascadura, Coelho Neto, Guadalupe, Madureira, Marechal Hemes, Ricardo de Albuquerque, Anchieta e Parque Anchieta.

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Prazos para serviços: Consertos ou desobstrução de redes e ramais de água ou esgoto deverão ser feitos em até 24 horas para cidades com até 100 mil moradores e 48 horas para as demais. Já a substituição de hidrômetros e reparos em ruas e calçadas terá prazo de dois dias, e reparos em elevatórias terão de ser realizados em até oito horas.

Ligações Clandestinas - Nos cinco primeiros anos, as concessionárias deverão implantar uma espécie de galeria de cintura para evitar que em tempo seco (sem chuvas) o esgoto despejado sem tratamento em rios ou por ligações irregulares nas galerias de águas pluviais  chegue à Baía de Guanabara ou  à bacia do Rio Guandu. O projeto será implantado nas cidades de: Belford Roxo, Duque de Caxias, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Itaboraí e São Gonçalo. Para isso, serão feitas obras de adaptação ou ampliação de estações de tratamento, que receberão esses dejetos. O investimento nessa infraestrutura é estimado em R$ 2,8 bilhões. As cidades que receberão mais recursos para o programa  serão: Rio de Janeiro (R$ 943 milhões),  São Gonçalo (R$ 590 milhões), Caxias (R$ 539,7 milhões) e  Nova Iguaçu (R$ 269,5 milhões).

Favelas e loteamentos irregulares - As vencedoras se comprometem a manter a operação dos sistemas existentes em todas as áreas irregulares, de todos os municípios, inclusive os sistemas atuais que esteja funcionando de maneira irregular . No caso da capital, haverá negociações entre a prefeitura e o estado para apresentação de um plano de investimentos em comunidades que ainda não foram alvo de programas de urbanização. A previsão é investir R$ 1,8 bilhão nessas áreas nos 12 primeiros anos das concessões.

Mananciais - Deverá ser criado um plano de vistorias. Pelo menos a cada três meses, técnicos farão inspeções para identificar interferências que possam afetar a qualidade da água captada nas estações de tratamento.

Controle de qualidade - As concessionárias deverão ter manuais indicando rotinas como periodicidade de exames de qualidade da água e intervalos necessários para limpeza de equipamentos, entre outras obrigações.

Manutenção da rede coletora - Nos casos de entupimento identificados e reclamados pelos usuários, deverão ser acionadas as equipes de limpeza e desobstrução, que identificarão as causas. Este serviço pode variar de uma simples desobstrução à substituição do trecho danificado.

Call-Center - Além de serviços virtuais, as concessionárias devem implantar Call Centers, com funcionamento de 24 horas por dia, para atendimento, sem custo, das solicitações de usuários.

Já o cronograma para ampliar as redes de água e esgotos tem prazo que varia conforme a região. Na capital, por exemplo, a meta é concluir os investimentos  de abastecimento de água em oito anos. Em alguns municípios, esse prazo é de apenas cinco anos para ambos os serviços, como em Paracambi.

As metas de implantação de serviços por município:

Cidades que terão cobertura de água a em oito anos e esgotos em 12 anos:

- Rio de Janeiro (os quatro lotes)

Cidades que terão cobertura de água em  dez anos e esgotos em 12 anos:

- Belford Roxo, Duque de Caxias, Itaboraí, Magé, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, São João de Meriti (só água)  e São Gonçalo

Cidades que terão cobertura  de água e tratamento de esgotos em 12 anos:

- Aperibé, Cachoeiras de Macacu (distrito de Barra de São João), Cambuci, Cantagalo, Casemiro de Abreu, Cordeiro, Duas Barras, Itaocara, Maricá (apenas água), Miracema, , Paty do Alferes, Pinheiral, Rio Bonito,  São Francisco  de Itabapoana, São Sebastião do Alto, Saquarema (distrito de Sampaio Correa) e Tanguá

Cidades que terão cobertura de água e esgotos em cinco anos

- Itaguaí, Japeri, Miguel Pereira, Paracambi, Queimados, Seropédica e Rio Claro

Cidades que terão cobertura de água em 12 anos e de esgoto em cinco anos

- Piraí

Polêmicas e disputas políticas

Carros-pipa da Cedae já foram usados até como moeda de troca em campanhas eleitorais, ao serem enviados para redutos dos candidatos
Cenas do abastecimento de água e tratamento de esgoto no estado Foto: Editoria de Arte
Cenas do abastecimento de água e tratamento de esgoto no estado Foto: Editoria de Arte

Apesar da criação da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico (Agenersa) em 2007, o fornecimento de água e esgoto no Rio continuou a ser instrumento para políticos  em busca de votos. As práticas equivalem a uma espécie de política da bica d'água, numa referência a estratégia do ex-governador Chagas Freitas e aliados políticos que comandou o extinto estado da Guanabara (1971-1975) e o estado do Rio de Janeiro (1979-1983).  Às vésperas das eleições, políticos visitavam comunidades e áreas de baixa renda e prometiam pequenas melhorias, inclusive a instalação de pontos de água para a população.

Na capital: Paes diz que governo do Rio terá acordo 'generoso' para a capital na venda da Cedae

Nas eleições de 2006, reportagem do GLOBO mostrou que a estratégia chegou inclusive a condomínios de classe média do Rio. Os endereços nobres estavam sendo beneficiados pela tarifa social na conta de água da Cedae, que deveria atender apenas à população carente. Um dos favorecidos era o então deputado estadual Domingos Brazão (hoje conselheiro afastado do Tribunal de Contas do estado). Em troca do benefício, ele pedia votos aos moradores e colocava placas nos condomínios, fazendo campanha para ele e para o ex- deputado federal Eduardo Cunha. O ex-deputado era o responsável pela nomeação do então presidente da Cedae, Lutero de Castro Cardoso.

Ineficaz: Manobra da Cedae para eliminar efeitos da geosmina acabou lançando metal na água e não resolveu problemas

Em 2018, interceptações telefônicas no âmbito da operação Furna da Onça, que investigou um esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e loteamento de cargos públicos e mão de obra terceirizada em órgãos do Governo do Estado, com a participação de deputados da Alerj, indicou que havia influências também na Cedae. A investigação do Ministério Público Federal descobriu indícios de que carros-pipa da companhia eram usados como moeda de troca em campanhas eleitorais, ao serem enviados para redutos eleitorais dos candidatos. Entre os deputados acusados de se beneficiarem do esquema estava Luiz Martins.

Em 2020, a primeira crise da geosmina colocou em evidência a influência  do Pastor Everaldo (ex-candidato a presidente em 2014) na companhia. Everaldo teria sido responsável por indicações para cargos estratégicos, entre os quais o do ex-presidente da empresa, Hélio Cabral . Ele também teria interferido na demissão de 54 engenheiros e técnicos da empresa em 2019, incluindo pelo menos 39 especialistas que trabalhavam na análise do controle de qualidade da água produzida na Estação de Tratamento do Guandu.

Recorde indigesto: Rio registra maior concentração de geosmina na água desde o início do ano

A geosmina, aliás, permaneceu sendo uma pedra no sapato da Cedae. A concessionária levou meses para conseguir reparar o problema, que levava gosto e cheiro ruins à água de diversos pontos da Região Metropolitana. Em janeiro deste ano, a companhia confirmou que a substância estava de volta à rede , e relatos dos usuários retornaram com força total.