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Brasil Educação

Com desafios únicos, MEC tem disponível para investir apenas 38% da verba de 2018

Um ano antes de Jair Bolsonaro assumir presidência, pasta gastou R$ 23,2 bi e, agora, tem R$ 8,9 bi livres e R$ 2,7 bloqueados
Deborah Laurentino, de 18 anos, se formou no ensino médio em 2020 usando a internet do vizinho; agora, estuda pelo Enem apenas nos dias de sol Foto: ROBERTO MOREYRA / Agência O Globo
Deborah Laurentino, de 18 anos, se formou no ensino médio em 2020 usando a internet do vizinho; agora, estuda pelo Enem apenas nos dias de sol Foto: ROBERTO MOREYRA / Agência O Globo

RIO - O orçamento disponível para gastos discricionários do Ministério da Educação é, em 2021, menos da metade do que foi em 2018, um ano antes de Jair Bolsonaro assumir a presidência. Naquele ano, a pasta executou R$ 23,2 bi e, agora, tem R$ 8,9 bi, enquanto precisa resolver problemas urgentes como conectar alunos no ensino remoto e garantir a volta segura às aulas presenciais. Os valores são do Instituição Fiscal Independente, órgão de análise das contas públicas ligado ao Senado.

Enquanto a Educação vê suas verbas diminuírem drasticamente, reportagem do GLOBO mostra que as Forças Armadas estão sollicitando mais R$ 1 bilhão no Orçamento deste ano para investimentos em aviões, submarinos e ensino militar ( leia aqui ).

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Os gastos discricionários são aqueles que o ministério pode decidir onde serão executados — entre eles, estão o Programa Nacional de Livros Didáticos na educação básica, bolsas para alunos pobres na graduação, investimento e manutenção das instituições federais de ensino, como as universidades. Eles são diferentes dos obrigatórios, a maior parte do orçamento, que não podem ser cortados. Nesta lista, estão salários dos servidores, Fundeb, Programa Nacional de Alimentação Escolar, transporte escolar e outros.

— É com a verba discricionária que se conduz a política educacional porque o MEC pode repassar dinheiro a estados e municípios já definindo como ele deve ser gasto — afirma Lucas Hoogerbrugge, gerente de Estratégia Política na ONG Todos Pela Educação.

Disputa pelo orçamento

O orçamento do ano fiscal de 2021 só foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro há dez dias. Na disputa por verbas, o Congresso aprovou um texto que precisou de vetos (valores que se perderam) e bloqueios (que podem ser liberados a depender do ritmo da economia no ano) da presidência. O MEC foi a pasta que sofreu a segunda maior perda, com R$ 2,7 bilhões de bloqueios e mais R$ 1,2 bilhões de vetos — neste último, R$ 775 milhões (ou 65%) foram na Educação Básica. Mesmo após ser questionada pelo GLOBO, a pasta não especificou quais despesas serão bloqueadas. Se forem liberadas até o fim do ano, o orçamento chega a R$ 11,6 bilhões.

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“Foram realizadas análises estimadas das despesas que possuem execução mais significativa apenas no 2º semestre, a fim de reduzir os impactos da execução dos programas no 1º semestre”, informou o MEC.

Thalison Moreira, 20 anos, e Willian Santos, de 22, são amigos de infância: alunos da Universidade Federal de Goiás (UFG), dividem uma bolsa de estudo para nenhum evadir Foto: Agência O Globo
Thalison Moreira, 20 anos, e Willian Santos, de 22, são amigos de infância: alunos da Universidade Federal de Goiás (UFG), dividem uma bolsa de estudo para nenhum evadir Foto: Agência O Globo

Em 2020, a pasta recebeu as maiores justamente pela omissão durante a crise educacional causada pelas escolas fechadas e a necessidade de aulas on-line na pandemia. Relatório do Todos Pela Educação mostra que, naquele ano, o gasto em Educação Básica foi o menor da década.

Na ação “Apoio à Infraestrutura para a Educação Básica”, na qual os valores poderiam ser destinados a incluir digitalmente escolas e alunos, o valor gasto em 2020 foi 70% menor do que no ano anterior — de R$ 1,8 bi para R$ 574 milhões.

Sem ajuda do MEC, em 2020 nenhum estado comprou equipamentos digitais para seus alunos e mais da metade não garantiu pacote de dados. Com isso, estudantes como Deborah Laurentino, de 18 anos, se formaram no ensino médio de forma improvisada. Quando morava em Guaratiba, Zona Oeste do Rio, a jovem pegava o wi-fi do vizinho, cujo sinal só chegava à parte da casa dela. Assim, a janela da cozinha virou a sala de aula.

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— Só lá dava para ver as videoaulas, por exemplo. Então ficou muito difícil me preparar para o Enem e acabei não passando em nada — conta.

A jovem mora agora na zona rural de Engenheiro Pedreira, Baixada Fluminense. Lá não tem vizinho com internet liberada e, enquanto procura emprego, estuda por conta própria para o próximo Enem.

— Mas só quando tem sol. Aqui, quando o tempo fecha, ficou sem internet — diz ela.

Perda de aluno e pesquisa

O ensino superior público sofre com a queda do orçamento das despesas discricionárias. As universidades federais, por exemplo, terão um corte de 20% em relação ao ano anterior, e chegará a ao patamar de 2009. No entanto, o número de matrículas cresceu de 839 mil, naquele ano, para mais de 1,3 milhão em 2020.

Na face mais cruel, a queda do orçamento expulsa alunos que conquistaram uma vaga, mas não conseguem se manter. Thalison Moreira, 20 anos, e Willian Santos, de 22, são amigos de infância. Alunos da Universidade Federal de Goiás (UFG), ambos perderam no passado a bolsa permanência, mecanismo para combater a evasão de alunos de baixa renda nas universidades.

Thalison, que cursa Biomedicina, conseguiu uma outra bolsa, de pesquisa, na qual trabalhava como voluntário e, para o amigo não largar os estudos, divide o valor com ele.

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— Sem bolsa não sei se concluo meu curso. Estou procurando emprego e, se conseguir, devo trancar algumas matérias — diz Willian, no 3º período de Química.

As pesquisas também são afetadas pela redução do orçamento. Na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, o Projeto Égide desenvolve, com recursos vindos majoritariamente de uma vaquinha on-line, uma máscara que filtra e inativa partículas da Covid-19. Porém, precisa de R$ 500 mil para o último ensaio clínico.

— A abertura de um canal virtual de doações foi fundamental para o projeto chegar até aqui — diz Graziella Joanitti, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.

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O MEC não respondeu se o orçamento aprovado para gastos discricionários é suficiente para os desafios de 2021. Afirmou que, para as universidades e institutos federais, o bloqueio foi de 13,8% e reflete exatamente o mesmo percentual aplicado sobre o total de despesas discricionárias e que isso já aconteceu em 2019.