• Depoimento a Kizzy Bortolo
  • Colaboração para Marie Claire
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Karine Nogueira Dias e a pequena Helena (Foto: Arquivo Pessoal)

Karine Nogueira Dias e a pequena Helena (Foto: Arquivo Pessoal)

“Me casei em 2013, um ano após conhecer meu marido no supermercado onde trabalhávamos. Em dezembro de 2019 nasceu Heloísa, nossa primeira filha. Em julho de 2020, em meio à pandemia do coronavírus, soube que estava grávida de novo. Eu tinha uma bebê de apenas sete meses. Foi um baita susto!  Desde o início da pandemia eu tomava muitos cuidados. Saía somente para levar Heloísa à creche e ir às consultas de pré-natal, sempre usando máscara e fazendo a higienização das mãos.

Em março de 2021 eu estava com 34 semanas de gestação e já sabia que seria uma menina. Um dia, comecei a tossir, tive febre alta e muito cansaço. Quatro dias depois perdi o olfato e o paladar. E a febre continuava. No dia 16 daquele mês fui ao hospital e fiz o teste PCR, que levaria três dias para ficar pronto. Fiz também um raio x, mas a médica afirmou que estava tudo bem comigo e me liberou para ir pra casa. No dia seguinte, com falta de ar, resolvi procurar outro hospital. Uma tomografia constatou que os meus pulmões já estavam com 25% de comprometimento. Fiquei arrasada e muito preocupada por estar grávida. Não parava de pensar em como estaria a minha bebê dentro da minha barriga. Será que ela também estava contaminada? 

No mesmo dia a médica já solicitou a minha internação. Àquela altura ainda não passava pela minha cabeça a gravidade do meu caso. No dia seguinte os médicos decidiram realizar uma cesárea de emergência. No primeiro momento recusei e falei que não queria tirar minha filha assim, eu estava com oito meses de gravidez, ainda faltava um mês para o nascimento dela. Eles insistiram muito, alegando que era para a total recuperação dos meus pulmões. Faltavam ainda algumas coisas para eu terminar o enxoval. Foi tudo uma correria só: minha mãe lavou e passou as roupinhas dela correndo, arrumou a mala da maternidade às pressas. Não sabíamos quando teríamos alta, minha filha e eu.

Por volta de meio dia e meia do dia 18 de março, Helena nasceu. Não puder ter o contato pele a pele com ela, nem sentir seu cheirinho ou dar um beijo na minha filha. Só pude vê-la de longe por apenas alguns segundos. Pedia a Deus que minha filha estivesse bem. Os médicos fizeram o teste assim que ela nasceu e, por sorte, ela não teve covid. Agradeci muito a Deus.

Da sala de parto fui direto para a UTI. Passei dez dias utilizando máscara de VNI (ventilação não invasiva) e catéter de alto fluxo, mas a cada dia a dificuldade para respirar só aumentava. Mas meu pensamento era só nas minhas filhas. A Helóisa nunca havia ficado um dia longe de mim. E a Helena, que teve alta com oito dias, como estaria sendo amamentada? Meu marido ficou comigo a todo momento me dando força e suporte. Meu quadro piorava a cada dia.

"Pedi pelo amor de Deus para não ser intubada, eu precisava ficar viva e voltar pra casa, tinha duas filhas bebês para criar""

 

No dia 26 de março o desespero bateu. As lágrimas desceram quando os médicos falaram que eu teria que ser intubada. Pedi pelo amor de Deus para não fazerem isso, eu precisava ficar viva e voltar pra casa, tinha duas filhas bebês para criar. Pensava que não sairia daquela intubação, que iria morrer e as minhas filhas não iriam se lembrar da minha fisionomia e nem saber o tanto que eu as amo. Implorei muito aos médicos, prometi que eu iria me esforçar para conseguir respirar, mas eles falaram que os meus pulmões já estavam muito cansados e que precisavam desse descanso. Essa foi, sem dúvida, a pior sensação que tive em toda a minha vida.

No décimo dia de intubação os médicos fizeram em mim um procedimento com óxido nítrico que, até aquele momento, só haviam feito em um paciente. Eles não sabiam se daria certo comigo, arriscaram. Vinte e quatro horas após o procedimento os médicos ligaram para a minha família e avisaram que eu tinha reagido bem. Meu marido conta que, a partir dali, suas noites foram mais leves, ele tinha a plena certeza que eu conseguiria me manter sem o oxigênio de alto fluxo. E assim aconteceu. No décimo quarto dia fui extubada.

Quando saí da intubação, no dia 9 de abril, eu não imaginava o que tinha me acontecido, muito menos onde eu estava. Só no dia seguinte comecei a lembrar de algumas coisas. Pensei nas minhas filhas. Tinha um sentimento de que minha bebê ainda estava na minha barriga porque não tive contato com ela. Meu coração ficou apertado e, ao mesmo tempo, senti forças para lutar e ficar bem.

Karine Nogueira Dias teve alta após um mês internada (Foto: Arquivo Pessoal)

Karine Nogueira Dias teve alta após um mês internada (Foto: Arquivo Pessoal)

No sábado à noite, dia 10 de abril, fui transferida para a UTI e, finalmente, saí da ala dos intubados. Ao chegar no quarto, a enfermeira Larissa, que me acompanhou desde o começo da minha internação, perguntou se eu queria fazer uma vídeo chamada para ver meu marido e as minhas pequenas. Não me aguentei de tanta felicidade quando escutei aquela ‘vozinha’ doce falando ‘mamãe’. Ao ver minha bebê chorei de soluçar e a achei parecida com o pai. Meu coração quase saiu pela boca também quando vi a minha família chorando de gratidão por me ver. Eu ainda estava muito debilitada, perdi muita massa muscular e não tinha forças nem para levantar as pernas.

No dia 13 de abril já respirava totalmente sem ajuda de oxigênio e recebi muitas visitas das enfermeiras e técnicas em enfermagem do hospital Santa Lúcia que torceram muito pela minha recuperação. Todos os dias elas acompanhavam a minha evolução no prontuário, me visitavam e choravam comigo. Só tenho a agradecer por cada palavra de incentivo e por todo cuidado. No dia seguinte, os médicos me explicaram o que aconteceu comigo e me disseram que o meu estado tinha sido gravíssimo, estive a beira da morte por algumas vezes, pois além do covid, eu havia tido ainda três tromboses.

No dia 15 de abril recebi alta para terminar de me recuperar plenamente em casa. A emoção na saída do hospital foi grande. Toda a equipe fez cartazes e balões comemorando a minha alta. Não tinha palavras para agradecer tudo o que fizeram naquele hospital para salvar a minha vida. Acabei criando vínculos afetivos muito fortes com toda a equipe. A sensação de sair de lá foi maravilhosa. Pude ver o sol, as pessoas, sentir o vento e a brisa no meu rosto. São coisas tão simples, mas muito especiais para mim.

"Peguei minha Helena no colo pela primeira vez. Chorei sem parar. Ela era tão frágil e pequena"

 

Ao chegar em casa foi outra emoção ainda maior ao rever minhas filhas e toda a minha família. Meu coração parecia que sairia pela boca de tanta felicidade, eles tinham os rostinhos ainda abatidos por toda preocupação. Peguei minha Helena no colo pela primeira vez. Chorei sem parar. Ela era tão frágil e pequena. Fiquei 27 dias longe da minha bebê. Poder sentir o cheirinho dela foi a melhor sensação do mundo. Algo inexplicável. Já em casa, soube que Helena se alimentou através do banco de leite do hospital e, quando foi para casa, passou a tomar fórmula.

Até hoje minha bebê está na casa da minha mãe sendo cuidada por ela e por minha irmã, porque ainda não tenho força muscular para cuidar dela sozinha. Heloísa, minha filha mais velha, está em casa comigo e com meu marido. Estou tomando anticoagulante para a trombose, sigo com os meus movimentos ainda bem fracos, sinto muita fadiga, cansaço e ainda algumas dores no corpo. Tenho feito fisioterapia muscular e respiratória. Está sendo muito difícil não ter forças para fazer coisas simples do dia a dia, mas a cada dia é uma vitória. Preciso ter paciência para me recuperar totalmente. Essa doença é cruel e deixa muitas sequelas. Confesso que tenho muito medo de pegar novamente esse maldito vírus, tenho pavor só de imaginar alguém próximo a mim ter essa doença e passar por tudo que passei. Não sei onde me contaminei, pode ter sido da minha filha mais velha, ou em alguma das consultas que fui dias antes. Sinceramente, não tenho ideia.

O maior ensinamento que tive após passar pela covid-19 é dar mais valor às coisas simples da vida e aproveitar cada minuto com quem mais amamos. Não sabemos o dia de amanhã, nem se teremos a oportunidade de dar um beijo ou abraçar as pessoas mais importantes da nossa vida”.

Karine Nogueira Dias e Helena (Foto: Arquivo Pessoal)

Karine Nogueira Dias e Helena (Foto: Arquivo Pessoal)