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Covid-19: conheça as 17 vacinas contra o coronavírus em estudo no Brasil

País tem projetos em curso conduzidos por 8 instituições; duas pediram à Anvisa para começar estudos em humanos
A ButanVac, do Instituto Butantan, aguarda aprovação para início dos testes em humanos Foto: Divulgação
A ButanVac, do Instituto Butantan, aguarda aprovação para início dos testes em humanos Foto: Divulgação

SÃO PAULO — O Brasil tem ao menos 17 projetos em andamento para criar novas vacinas contra a Covid-19, mas, por enquanto, apenas duas iniciativas estão prontas para avançar para a fase de estudos em humanos. Os pesquisadores da ButanVac e da Versamune fizeram pedidos à Anvisa para começar esses testes, no final de março.

A agência aguarda o envio de mais detalhes para dar aval à continuidade dos trabalhos.

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O GLOBO procurou também os cientistas envolvidos nas demais pesquisas listadas em levantamento do Ministério da Saúde elencando as ideias em curso no país, para conhecer as particularidades de cada uma e em que estágio estão.

Conheça abaixo um pouco sobre cada projeto brasileiro de imunizante contra o coronavírus

Instituto Butantan: fábrica própria é trunfo para ButanVac

A instituição ligada ao governo de São Paulo aparece no levantamento de projetos de vacina contra Covid em curso no Brasil com dois estudos além da ButanVac , candidata anunciada no final de março.

Ao contrário dessa iniciativa, que se encaminha para a etapa em humanos, as outras duas ainda estão na fase pré-clínica. Procurado pela reportagem, o Butantan não deu mais informações sobre essas pesquisas.

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Pelo relatório do Ministério da Saúde, é possível saber que uma das ideias é de uma vacina baseada em partículas semelhantes a vírus. A outra parte do conhecimento sobre vesículas de membrana, pequenas esferas que algumas bactérias soltam para despistar o sistema imune.

Já o projeto mais conhecido, o da ButanVac, faz parte de um consórcio internacional para fazer uma vacina com técnica semelhante à dos imunizantes da gripe, com ovos de galinha. Aqui a base é o vírus da Doença de Newcastle, que atinge aves, mas não faz mal para humanos, alterado com proteína do coronavírus.

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Os estudos em voluntários ainda não foram autorizados pela Anvisa. Ainda assim, o Butantan já começou a fabricar. A previsão é ter 40 milhões de doses até o segundo semestre, à espera dos resultados. A produção pode ser feita integralmente em São Paulo. Outra vantagem, segundo o Butantan, é que a vacina pode ser adaptada às novas cepas do Sars-CoV-2.

Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e Farmacore: testes em humanos à vista

Chamada de Versamune, é o projeto mais avançado depois da Butanvac. Em animais, se mostrou imunogênica e sem efeitos tóxicos, segundo a Farmacore. Em 25 de março, a Anvisa recebeu a solicitação de testes do imunizante em humanos. Dois dias depois, a agência solicitou documentos sobre o controle de qualidade dos lotes que serão testados em humanos, o que deve ser entregue pela empresa em maio. A Anvisa terá então 72 horas para dar um parecer sobre a autorização dos testes, que devem começar em junho.

As duas primeiras fases dos testes terão 360 participantes e serão feitas no Hospital do Coração (HCor) de São Paulo, sob supervisão do imunologista da USP Célio Lopes Silva. Essa fase custará R$ 30 milhões. Da terceira fase, que depende de R$ 310 milhões prometidos ao projeto pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), participarão 20 mil voluntários pelo país.

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Se bem sucedida, a vacina terá o uso emergencial solicitado à Anvisa no final de 2021. A expectativa da Farmacore é que o lote comercial esteja pronto quando isso ocorrer. Por isso, negocia a produção em escala do imunizante.O acordo será fechado nos próximos 30 dias, informou a empresa ao GLOBO.

O investimento requerido pela vacina foi revelado em live do presidente Jair Bolsonaro pelo ministro Marcos Pontes, em 22 de abril. No dia seguinte, o presidente cortou R$ 663,8 milhões da pasta no Orçamento de 2021. Pontes definiu o corte como um “estrago” em vídeo publicado em redes sociais em 24 de abril. Ainda não está claro se o MCTI disporá de recursos suficientes nem como será feita a alocação destes para a fase final da Versamune. Procurado, o MCTI não respondeu ao questionamento da reportagem.

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Universidade de São Paulo (USP): spray é projeto mais avançado

A USP tem ao menos seis trabalhos em busca de novas vacinas contra a Covid, além do estudo da Versamune, que é uma parceria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP com a startup Farmacore (leia acima).

Fora a Versamune, o projeto mais avançado da instituição é o encabeçado pelo imunologista Jorge Kalil, do Incor, o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina. Ele envolve ainda o Instituto de Ciências Biomédicas, o Instituto de Química, a Faculdade de Ciências Farmacêuticas, além de ter participação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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O objetivo é fazer uma vacina em forma de spray nasal usando uma tecnologia ainda não empregada nos imunizantes contra Covid disponíveis atualmente. O produto deve estimular uma resposta imune tanto pela produção de anticorpos quanto por sua ação nas células T, que também são chave para a proteção.

A expectativa é que o imunizante, que tem financiamento majoritariamente do MCTI, passe da fase de testes em animais para os estudos em humanos até o final de 2021. Para isso, porém, necessitará de mais recursos, ainda não garantidos. Segundo Kalil, são esperados R$ 200 milhões para poder avançar.

De acordo com o cientista, a produção da vacina pode ser feita no Brasil em grande escala, mas depende de parcerias com indústrias. As conversas para isso, ele diz, já começaram.

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Na USP, o Instituto de Ciências Biomédicas também tem iniciativas próprias, com quatro pesquisas em andamento. São trabalhos que miram em vacinas genéticas (de DNA e RNA) e em vacinas de subunidades, feitas com fragmentos de proteínas do vírus. Esses projetos ainda não têm previsão para passar à fase de estudos em humanos.

Também está em curso uma pesquisa na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, que tem parceria com o USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) e com o Instituto Butantan. A ideia é encontrar uma vacina contra Covid para humanos e gatos, usando para a sua produção o vírus da Doença de Newcastle, assim como no projeto da ButanVac.

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A ideia, no entanto, surgiu quando o consórcio da ButanVac ainda não era conhecido, explica Heidge Fukumasu, responsável pelo estudo. Assim, sabendo agora que a outra vacina já se encaminha para testes em humanos, o objetivo passou a ser o de aprimorar essa tecnologia.

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): verba municipal e vacina 2 em 1

Em parceria com a Fiocruz Minas, a UFMG tem dois projetos promissores, que receberam cerca de R$ 5 milhões do MCTI. O primeiro, Spintec, receberá R$ 30 milhões da prefeitura de Belo Horizonte, via termo de cooperação, para realizar as primeiras duas fases de testes em humanos. Os testes em animais, ainda em realização, apontam alta eficácia.

O uso de tecnologia de recombinação de proteínas aumenta as chances do imunizante ser eficiente mesmo contra diferentes variantes do vírus, diz Ricardo Gazzinelli, imunologista que coordena o estudo. A expectativa é que a primeira e segunda fases dos testes em humanos ocorram no final do ano, com chegada ao mercado em 2022. O financiamento da fase 3, no entanto, ainda é incerto.

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O segundo projeto é da vacina chamada Flucov, que utiliza vetores virais (como do adenovírus) e, se bem sucedido, teria a vantagem de ser eficiente tanto contra a Covid-19 quanto contra a gripe comum, e poderia utilizar a mesma estrutura de produção da vacina da Influenza. Também poderá ser comercializada em spray, segundo Gazzinelli.

Os pesquisadores enfrentam dificuldades, no entanto, na manipulação genética do Sars-CoV-2 e tentam agora melhorar a qualidade da expressão da proteína do vírus para que esse estudo avance.

Universidade Federal do Paraná (UFPR): polímeros como base

A vacina candidata contra a Covid-19 pesquisada na UFPR, segundo os responsáveis pelo projeto, poderá começar a ser testada em humanos dentro de cerca de seis meses. O projeto, que ainda está em estudo com animais, pretende resultar em um imunizante de baixo custo e produção 100% nacional, com um potencial de aplicação tanto por injeção quanto por spray nasal. Sua tecnologia se baseia em biopolímeros revestidos com a proteína Spike do novo coronavírus.

A pesquisa, que tem financiamento do MCTI e do governo do Paraná, já observou resultados “promissores”, de acordo com os cientistas. Até agora, eles encontraram nos camundongos anticorpos contra a doença em quantidade igual ou até superior à obtida nos testes da vacina de Oxford/AstraZeneca em etapa semelhante. Para avançar nas etapas de pesquisa com humanos, o projeto, no entanto, vai precisar de mais recursos, entre R$ 30 milhões e R$ 50 milhões, ainda não garantidos.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): falta de recursos e financiamento privado

O estudo coordenado pela engenheira Leda Castilho utiliza tecnologia de proteínas recombinantes que, segundo ela, tem a vantagem de ser utilizada há décadas em vacinas seguras e eficazes, mesmo em crianças e idosos — como da vacina contra Hepatite B. A vacina em estudo induziu a formação de altos níveis de anticorpos nos animais testados, deve ser eficaz contra variantes locais e ter custo similar à Coronavac, diz Castilho.

O projeto está na fase final dos testes em animais e deve realizar testes em humanos no final de 2021. Mas os recursos são escassos. Até agora, R$ 2 milhões foram captados via plataforma de investimento privado estrangeiro apoiada por fundações de personalidades como Mark Zuckerberg e Elon Musk, respectivos donos do Facebook e da Tesla. Segundo Castilho, o projeto poderia avançar mais rapidamente se tivesse mais recursos.

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Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz): estrutura de Bio-Manguinhos pode facilitar produção

A Fundação tem dois projetos de vacina brasileira em andamento, ambos iniciados em janeiro de 2020 — um utiliza proteínas sintéticas e, o outro, recombinantes. Os testes em roedores estão sendo finalizados, com resposta positiva, e testes em primatas não-humanos devem começar em junho.

A instituição afirma que as vacinas terão como vantagem seu preço, adaptabilidade a novas variantes e a capacidade de serem produzidas na estrutura da Bio-Manguinhos, unidade tecnológica da Fiocruz que produz vacinas como a tetravalente (contra varicela, sarampo, caxumba e rubéola). Por isso, as vacinas serão administradas de forma injetável, como as demais produzidas ali.

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Os projetos captaram cerca de R$ 6 milhões, entre recursos próprios, financiamento federal e emendas parlamentares. Segundo a Fiocruz, os recursos atuais são suficientes para completar o estudo em primatas e financiar quase toda a primeira fase de testes em humanos, mas será necessário financiamento adicional para as fases 2 e 3 dos testes clínicos.

Universidade Federal de Viçosa (UFV): recursos enxutos e tecnologia promissora

Grupo coordenado pelo pesquisador Sérgio de Paula trabalha em três candidatas à vacina. A primeira, baseada num composto de proteínas recombinantes, forma uma “quimera vacinal” e é caracterizada pela inserção de pedaços do coronavírus na vacina da febre amarela. Outra, é baseada em subunidades proteicas do Sars-CoV-2 inseridas num fungo.

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A terceira, considerada a mais promissora, usa partículas virais parecidas com vírus (VLPs) que, através da engenharia genética, são produzidas para induzir a resposta imune ao vírus, sem no entanto possuir o genoma viral do Sars-Cov-2.

Os testes em animais serão feitos em parceria com a Fiocruz Pernambuco. A expectativa, segundo de Paula, é que a tecnologia da VLP também possa ser usada em testes sorológicos para detecção da Covid-19 e em estudos sobre o impacto do coronavírus no organismo humano. Os três projetos começaram em agosto de 2020 e receberam, no total, em torno de R$ 450 mil, através de editais de financiamento do MCTI.