Por Elida Oliveira, G1


Lívia Pinaso, aprovada em medicina na Fuvest 2021 — Foto: Arquivo Pessoal

Foram três anos de dedicação aos estudos preparatórios para o vestibular, incluindo os percalços do ensino remoto, como bolsista de um cursinho em São Paulo. Lívia Luiza Pinaso, de 19 anos, ex-aluna da rede pública, venceu a concorrência de 129 candidatos por vaga e foi uma das aprovadas na Fuvest, vestibular da Universidade de São Paulo (USP), para estudar medicina no campus de Ribeirão Preto, a 320 km da capital. Ficou em 9º lugar.

As matrículas para os aprovados terminam às 16h desta terça-feira (23). A lista foi divulgada na última quinta (18). Como as aulas presenciais ainda não estão liberadas, Lívia seguirá morando na Zona Sul de São Paulo, fazendo as aulas a distância.

A futura médica diz que não se intimidou com a pandemia e os relatos de estresse em profissionais de saúde.

“Isso me deu mais coragem e mais certeza. Quando comecei a ver as pessoas morrendo de Covid, me deu um desespero, uma coisa no meu coração. Foi aí que eu falei: é essa carreira mesmo que eu quero”, conta a aluna aprovada em medicina.

Livia Pinaso, 19 anos, uma das aprovadas na Fuvest em medicina — Foto: Arquivo Pessoal

A pandemia deu o empurrãozinho final, mas o primeiro despertar para a profissão veio durante um voluntariado em um hospital, em que apoiava gestantes carentes.

“Me chamou a atenção ver como as pessoas precisam de ajuda no momento mais vulnerável delas. Eu via as médicas apoiando as gestantes, ao lado das enfermeiras, e comecei a ver que isso era uma coisa legal”, afirma.

A história que a levou à aprovação no curso mais concorrido do país começou antes, no ensino fundamental, que lhe deu base para garantir uma vaga em uma boa escola do ensino médio – a melhor escola pública da capital de SP – e, depois, uma bolsa de estudos em cursinho privado.

Na quinta (18), Lívia foi uma das entrevistadas em uma reportagem do SPTV sobre a divulgação da lista de aprovados na Fuvest 2021. Confira a reportagem de Mariana Aldano.

Na quinta (18), Lívia foi uma das entrevistadas em uma reportagem do SPTV sobre a divulgação da lista de aprovados na Fuvest 2021. Confira a reportagem de Mariana Aldano.

Da particular à melhor escola pública de São Paulo

Lívia conta que fez o ensino fundamental em uma escola particular de São Paulo, o que lhe deu a base para concorrer a uma vaga em uma escola técnica, com aulas regulares e específicas, das 7h às 16h. No caso da Lívia, ela escolheu um curso técnico em química.

O ensino em tempo integral é uma das apostas do Plano Nacional de Educação para melhorar a qualidade do ensino no país. A meta é ter 25% dos alunos de escolas públicas em período integral até 2024. Em 2020, o percentual estava em 14,4% (desde a creche até o ensino médio, passando pela educação de jovens e adultos).

Lívia (à frente) com colegas da Etec em aula prática, fazendo sorvete industrial — Foto: Arquivo Pessoal

Para entrar na escola, Lívia foi aprovada em um “vestibulinho”, que seleciona os melhores estudantes. Passou na Escola Técnica Estadual Irmã Agostina, a que obteve maior nota (6,9) na capital paulista, segundo o mais recente Índice da Educação Básica (Ideb).

Além de uma boa base, após as aulas, Lívia participava de projetos paralelos à escola. No primeiro ano do ensino médio, deu aulas particulares de matemática. No segundo ano, ensinava física. Em 2019, venceu o Prêmio Jovem da Água, com a proposta de usar nanotecnologia para recuperar águas poluídas de forma barata. Foi para a Suécia representar o Brasil.

Em 2019, venceu o Prêmio Jovem da Água, com a proposta de usar nanotecnologia para recuperar águas poluídas de forma barata. Foi para a Suécia representar o Brasil. — Foto: Arquivo Pessoal

Bolsista em cursinho

A preparação para o vestibular ocorreu no Curso Etapa, em São Paulo. Em 2018, no último ano do ensino médio, Lívia fez uma prova seletiva, e foi aprovada. Passou em outros vestibulares, mas não conquistou a vaga em medicina. Em 2019 e 2020, a bolsa foi renovada e ela continuou persistindo.

Lívia conta que, mesmo estudando na melhor escola pública de São Paulo, teve conteúdos que não aprendeu no ensino regular, como genética de populações. Ela analisa que há diferença na formação entre alunos da rede pública e privada.

“Os professores tiravam leite de pedra, mas tinha matérias que eu não sabia que existiam, como genética de populações e geometria analítica”, afirma.

“É meio desleal colocar a galera da escola pública regular para competir com quem estudou em particular de elite, porque eles tiveram mais tempo, mais meios de se prepararem. E isso não é culpa dos professores. Eu estudei em uma escola incrível e às vezes não tinha aula porque faltavam material, professor, livros. É uma defasagem que olho e penso: tive sorte”, avalia. “Acho que isso precisa ser trabalhado, para muito além das cotas”, afirma.

Estudo online na pandemia

Lívia afirma que o ensino online na pandemia lhe deu mais autonomia para se organizar nos estudos, focando em conteúdos que não sabia, para aprofundar mais, e deixando outros de lado.

“Senti que, por ser online, consegui ter mais autonomia e focar mais no que precisava saber do que em assuntos gerais. Quando você está com aula, o professor vai passar toda matéria, mas às vezes você já sabe e [ao não rever o conteúdo] pode ter mais tempo de fazer exercícios”, avalia.

“Quando estava no cursinho presencial, assistia muita aula e anotava muita coisa. Este ano assisti poucas aulas e fiz mais exercício, simulado e redação”, revela.

Além disso, o cursinho ofereceu apoio psicológico e um professor orientador. “Toda semana tinha chamada de vídeo, e eu consigo perceber que não era só por causa das notas. Era um ‘você está se sentindo bem? Como a gente pode ajudar?’ Acho que, no fim das contas, fez diferença”, avalia.

“Quando você está com a prova na sua frente, a probabilidade de ficar nervoso é muito grande. E quando lembrava do João [orientador] falando ‘Calma, que vai dar tudo certo’, eu sabia que ia dar tudo certo”, relembra.

Lívia registrou Décio, professor de matemática, em live de relaxamento antes dos vestibulares: apoio para candidatos driblarem o estresse das provas. — Foto: Arquivo Pessoal

Ativismo ambiental

Para não focar só nos estudos em 2020 – "eu percebi que não teria saúde mental se não fosse fazer outra coisa além do vestibular" – Lívia se engajou em pautas ambientais.

Entrou em grupos de divulgação científica e fez parte de um projeto que simula a COP 26, conferência sobre o clima que deveria ter ocorrido em 2020, mas foi adiada devido à pandemia. "É importante você ter uma coisa além do vestibular, se não você vai ficar louco", afirma.

Lívia ainda dá outro recado para estudantes que seguem tentando uma vaga em uma graduação.

“É importante lembrar que prestei outras faculdades, e não passei. E não foi só uma vez. Quem estiver lendo tem que entender que você pode estudar, e a hora que chegar seu momento, pode ser uma surpresa, como foi para mim. Eu não esperava passar na USP não, nunca foi o grande foco, mas foi onde passei e estou feliz”, afirma.

Em seis anos, Lívia será mais uma médica formada.

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