Mundo Guerra na Ucrânia

Soldados russos estariam se rendendo sem resistência aos ucranianos, diz Pentágono

Tropas enfrentam condições adversas no terreno, em parte causadas por erros de planejamento; organização de mães de soldados afirma que recrutas estão sendo forçados a ir para o front
Militar das Forças de Defesa Territorial da Ucrânia parado diante de cartaz que traz uma frase ofensiva aos russos: "Soldado russo, vá se f..." Foto: SERGEI SUPINSKY / AFP
Militar das Forças de Defesa Territorial da Ucrânia parado diante de cartaz que traz uma frase ofensiva aos russos: "Soldado russo, vá se f..." Foto: SERGEI SUPINSKY / AFP

WASHINGTON — Com a Rússia prestes a dar início ao que seria uma nova e mais letal fase da invasão à Ucrânia, que entrou nesta terça-feira em seu sexto dia , surgem cada vez mais relatos de soldados russos se rendendo, sem resistência, às forças ucranianas, e por vezes sabotando seus próprios veículos para evitar entrar em combate. Em solo russo, mães de recrutas acusam as autoridades militares de forçarem seus filhos a ir para o front, algo que, em tese, é proibido.

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De acordo com um alto funcionário do Pentágono ouvido pelo New York Times, os soldados estão encontrando problemas como falta de combustíveis e alimentos na campanha e se deparando com questões morais, como atirar contra cidadãos de um país que é cultural e historicamente próxmo da Rússia. Alguns deles, diz o integrante do Pentágono, chegaram a furar os tanques de combustíveis de seus veículos.

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As informações, obtidas com o depoimento de soldados russos capturados e conversas interceptadas entre as unidades militares, são semelhantes a relatos divulgados em redes sociais e pelas próprias autoridades ucranianas. Na semana passada, a embaixadora ucraniana nos EUA, Oksana Makarova, relatou que uma unidade inteira tinha se entregado sem resistência. Essa alegação não foi comprovada de forma independente.

— Enquanto vinha para cá, recebi a informação de nosso comandante de que um dos pelotões da 74ª brigada motorizada da Oblast ["região"] de Kemerovo (Sibéria Ocidental) se rendeu — disse, durante entrevista coletiva em Washington, na quinta-feira passada. — Eles não sabiam que foram levados para a Ucrânia para matar ucranianos. Eles achavam que fariam outra coisa aqui.

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A falta de preparo de parte dos militares também chama a atenção do Pentágono, podendo explicar por que muitos estariam se rendendo sem resistência.

Na semana passada, uma associação de mães de recrutas, que cumprem o serviço militar obrigatório na Rússia, afirmou que muitos de seus filhos estão sendo levados para o front sem treinamento adequado e sem o aval da lei, que impede que participem de operações de combate de forma obrigatória — para lutar, precisam assinar um contrato com as Forças Armadas, algo que, segundo a associação, estão fazendo de forma forçada.

— As mães relatam que seus filhos lhes dizem ser forçados a assinar contratos. Mas como eles os forçam? Não sabemos — afirmou, em entrevista ao site Meduza, Olga Larkina, diretora do Comitê de Mães de Soldados. — Os pais que entraram em contato contaram que seus filhos foram levados por militares, carimbados, e pronto: agora são soldados contratados.

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Advogados citados pela Meduza dizem que o processo de profissionalização de um recruta é longo e envolve um certo grau de burocracia, algo que, de acordo com a associação de mães, parece estar sendo "simplificado".

— Quando eles [militares] realmente querem e realmente precisam, então algumas pessoas, incluindo alguns funcionários, infringem a lei — afirmou o advogado Alexander Latynin.

Mudança de planos

A situação no terreno, além da percepção de que a estratégia inicial de "choque e pavor" não teve o efeito esperado, pode explicar a relativa pausa no avanço das tropas, especialmente ao redor da capital, Kiev, onde imagens de satélite mostram a presença de uma coluna de mais de 60 quilômetros de blindados.

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De acordo com especialistas militares e integrantes do Pentágono, os comandantes russos podem estar "reagrupando e repensando" seus planos de batalha, e dando sinais de que a próxima fase da invasão será bem mais violenta. Nesta terça, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, afirmou que passaria a atacar o que chama de "fontes de ataques de informações" — horas depois, a torre de TV de Kiev foi atingida por um míssil. Cidades como Kharkiv e Mariupol também relataram um incremento nos bombardeios.

"O que vem a seguir? A liderança política da Rússia ainda não está reconhecendo o fracasso de seu plano de tomar Kiev rapidamente", disse, no Twitter, Michael Kofman, especialista em Forças Armadas russas no centro de estudos CNA. "Mas estamos vendo uma maior abertura para o uso de artilharia, ataques e poder aéreo. Infelizmente, creio que o pior ainda esta por vir, e essa guerra pode ficar ainda mais feia."

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De acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra, baseado nos EUA, essa nova fase pode começar já nos próximos dias e terá como ponto central a busca pelo controle de Kiev.

"Os militares ucranianos provavelmente não conseguirão evitar que as forças russas cerquem Kiev se os russos mandarem uma força de combate suficiente para tal, mas também poderão tornar os esforços russos para ganhar controle da cidade extremanente custosos e possivelmente sem sucesso", diz um relatório do Instituto, publicado nesta terça-feira.

Segundo estimativas, cerca de 80% dos 150 mil militares russos que se concentraram nas fronteiras com a Ucrânia já participam de operações de combate.