O recuo do dólar observado ao longo das últimas sessões deve seguir no curto prazo, mas não é sustentável até o fim do ano, dado o elevado risco fiscal que será reforçado pelo ciclo eleitoral vindouro, avalia Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
A consultoria, que é integrante do Top 5 da Focus para projeção de câmbio no médio prazo, prevê o dólar a R$ 5,60 ao fim de 2021 e a R$ 5,80 ao fim de 2022.
Vale afirma que a queda relevante da moeda americana recentemente encontrou amparo tanto em fatores locais, como a postura mais “hawkish” (favorável à retirada dos estímulos monetários) do Copom, como internacionais, como a continuidade do discurso “dovish” (favorável à manutenção de estímulos) do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e dados piores do que o esperado do mercado de trabalho dos Estados Unidos.
“O Banco Central já abriu o ciclo de alta com essa visão mais dura, essa ideia de ser agressivo agora para não perder a batalha da desancoragem das expectativas de inflação. Afinal, a inflação deste ano saiu do controle da mão do BC”, explica Vale. “Com um cenário externo de juro baixo e a Selic em alta, o aumento do diferencial de juros é um componente importante de apreciação do real no curto prazo.”
Apesar da percepção de participantes de mercado ter sido de que a ata do Copom, divulgada hoje, foi mais dovish em comparação ao comunicado, Vale afirma que não há grandes surpresas da perspectiva de política monetária daqui em diante para mudar a direção do câmbio no curto prazo.
“Já está no preço um ciclo de aumento de juros com início mais forte, o que favorece um menor patamar da divisa. E essa certa tranquilidade na economia agora, no curto prazo, reforça a pressão de baixa para o dólar”, diz ele, citando a expectativa de aceleração da vacinação e a retomada da economia brasileira, que diminuem a pressão pela ampliação de gastos públicos.
Além dos fatores citados acima, a acomodação da situação fiscal, após o impasse do Orçamento, também sustenta um real mais apreciado em curto termo.
“A tranquilização do mercado vinda dessa área fiscal alivia os temores de que haverá uma trajetória de dívida pública ainda mais delicada. O Orçamento ajudou o mercado a se preparar melhor para o que vem pela frente, ao menos por ora”, diz ele.
A expressiva balança comercial também é um fator favorável à apreciação da moeda brasileira. “As forças de mercado atuam para jogar o câmbio para baixo”, afirma Vale, mencionando que a divisa tem se beneficiado mais do ciclo de alta das commodities recentemente com base na diminuição da percepção de risco fiscal e político, que reduziu a volatilidade do câmbio.
“Mas os riscos à frente permanecem os mesmos no âmbito fiscal e político, então, não se trata de uma apreciação duradoura”, pondera ele.
A incerteza acerca da trajetória das contas públicas na média e na longa duração, assim, continua sendo crucial para a direção do câmbio no médio prazo, observa. E, com as eleições presidenciais de 2022 se aproximando, a tendência é que o câmbio daqui até o fim do ano contrarie o atual momento e volte a se depreciar.
“Estamos falando de um cenário político conturbado para 2022, em que teremos muita discussão sobre como será executado o gasto público. O nosso encaminhamento fiscal permanece muito negativo”, afirma Vale. “A discussão que a eleição vai levantar não colabora para uma resolução fiscal, porque justamente o teto de gastos é que vai entrar em debate. Isso vai voltar a trazer preocupação ao longo dos próximos meses, aumentando a percepção de risco e pesando no real.”
“Ou seja, o câmbio está mais tranquilo agora, e até aprecia um pouco mais no curto prazo, dado esse conjunto de fatores favoráveis, sem dúvida. Mas o movimento não é sustentável no médio prazo por conta da incerteza fiscal, que vai voltar a ganhar atenção ao longo do ano conforme o debate eleitoral ganha mais atenção”, completa o profissional.
“Só consigo ver o câmbio desmontando no ano que vem para algo mais próximo de R$ 5 se algum candidato de centro for eleito”, diz ele.
Sobre eleições, Vale diz que uma postura centrista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve se consolidar conforme as eleições se aproximarem.
“O ‘Lula paz e amor’ está contratado para o ano que vem: ele vai caminhar para o centro e, eventualmente, até mesmo fazer uma Carta ao povo brasileiro 2.0”, diz. “A questão é que, se ele for eleito, vai pegar uma herança maldita, diferentemente daquela que ele recebeu em 2002, quando a situação fiscal não era um problema.”
Em relação aos picos do ano, quando o dólar chegou a se aproximar de R$ 5,90, Vale afirma que a tendência é que o dólar não volte a testar tais patamares. “Sempre tem umas faíscas possíveis, principalmente quando temos um quadro de contas públicas deterioradas”, explica ele.
“Mas, neste momento, é complicado ver que o dólar retornará a esses níveis, já que temores fiscais da linha que tivemos com o Orçamento e a pandemia recrudescendo não devemos ter mais”, afirma.
No exterior, o grande risco para uma maior apreciação do dólar é o repique inflacionário nos Estados Unidos. “Conforme chegamos mais perto de um movimento do tipo, a tendência lá de fora é de exercer uma força de apreciação do dólar. O elemento internacional em 2022 é mais para apreciar do que para cair o dólar”, justifica Vale.
(Com conteúdo publicado originalmente no Valor PRO, o serviço de notícias em tempo real do Valor)