• Manuela Azenha
  • colaboração para Marie Claire
Atualizado em

Com 29 anos de idade, Benny Briolly realizou um feito histórico ao tornar-se a primeira vereadora transgênero de Niterói, município do Rio de Janeiro, e a parlamentar com o maior número de votos da Câmara Municipal, em outubro de 2020. Sete meses depois, no entanto, Benny passaria a viver no exílio para assegurar a própria vida.

A vereadora do PSOL é alvo de violência e ameaças desde antes de ser eleita, mas os episódios só pioraram a partir de então. Na semana passada, Benny foi incluída no Programa Estadual de Proteção às Defensoras de Direitos Humanos, medida considerada por ela insuficiente. "A decisão de sair do Brasil foi tomada pelo conjunto de incidentes cada vez  mais recorrentes e principalmente pela omissão do Estado, que apesar dos nossos apelos, não tomou nenhuma providência", diz a Marie Claire. Ela continuará o mandato à distância e afirma que sua equipe está em segundo lugar com mais iniciativas legislativas no primeiro trimestre de 2021.

Por conta de ameaças, Benny Briolly, a primeira vereadora transgênero de Niterói precisou sair do país e viver no exílio para assegurar a própria vida (Foto: Arquivo pessoal)

Por conta de ameaças, Benny Briolly, a primeira vereadora transgênero de Niterói precisou sair do país e viver no exílio para assegurar a própria vida (Foto: Arquivo pessoal)

Criada nas favelas de Niterói, Benny se envolveu com política pela primeira vez na faculdade de jornalismo, na qual liderou um movimento contra o aumento das mensalidades. Depois, como estagiária no Sindicato dos Jornalistas, entrou na luta pela democratização da comunicação.

Em 2016, participou da campanha que elegeu Talíria Petrone como vereadora. Hoje deputada federal, ela também teve que sair do Rio de Janeiro devido a ameaças de morte. No mandato de Talíria, Benny tornou-se a primeira assessora parlamentar trans da Câmara Municipal de Niterói.

"Não há quem se sinta seguro no governo Bolsonaro, inclusive eu. Aliás, quem se sente seguro ou está sendo beneficiado por esse projeto genocida ou ainda não está entendendo a grave situação que estamos vivendo no Brasil", afirma a vereadora.

Abaixo, os principais trechos da entrevista com Benny Briolly:

MARIE CLAIRE Você sofre ameaças desde antes de se eleger, ainda na campanha eleitoral. As ameaças pioraram desde então?
BENNY BRIOLLY
São muitos episódios de violência política, racismo e transfobia, antes mesmo da minha eleição. Quando fui a primeira assessora trans da Câmara Municipal de Niterói, no mandato de Taliria Petrone, já recebia ataques. Desde que fui eleita, as agressões e ameaças pioraram. Tenho sido constantemente vítima de crimes de ódio, recebido ameaças, sofrido agressões nas ruas e nas redes. Um dos casos mais emblemáticos foi a ameaça de morte que recebi através de um e-mail enviado por um grupo autoproclamado de extrema direita, conhecido pela atuação da Deep Web. No conteúdo exigiram que eu renunciasse ao cargo para o qual fui eleita, senão iriam até minha casa me matar; um detalhe é que o email mencionava o meu exato endereço no Morro da Penha, minha favela. Por esse motivo, fui obrigada a me mudar da favela que morava pra seguir protocolos de segurança.

MC Houve algum episódio em específico que te fez decidir sair do país?
BB
Não houve um episódio específico. A decisão foi tomada pelo conjunto de ameaças e violências, pelos incidentes de segurança cada vez mais recorrentes e principalmente pela omissão do Estado, que apesar dos nossos apelos, não tomou nenhuma providência. A violência política que estou sofrendo não é um evento isolado. Tem sido recorrente contra parlamentares negras e travestis. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans. A lógica patriarcal e racista de desumanização dos nossos corpos é covarde e se mostra cada vez mais incomodada com nosso projeto político e a nossa presença nas casas legislativas. A execução de Marielle Franco é o caso mais extremo dessa violência. Além disso, a falta de justiça nos deixa mais inseguras.

"A violência política que estou sofrendo não é um evento isolado. Tem sido recorrente contra parlamentares negras e travestis"

Benny Briolly

MC Quem te aconselhou a sair do país? Foi uma decisão sua? Você foi sozinha?
BB
A saída do país foi uma decisão do PSOL para assegurar a minha vida diante dessa situação. O que posso dizer é que estou em um lugar seguro, recebendo o respaldo necessário para poder manter minha integridade física e minha saúde mental.

MC Considera abrir mão do mandato ou a ideia é trabalhar à distância?
BB
Continuarei tocando minha mandata. Fui eleita a mulher mais votada da cidade, tenho um compromisso com as mais de 4 mil pessoas que confiaram em nosso projeto político e não vou retroceder. Inclusive, espero que em algum momento a gente seja notícia pelo trabalho que fazemos e não só pela violência que sofremos. Por isso, sigo acompanhando as sessões que estão sendo virtuais, por causa da pandemia. Minha equipe segue firme, é a primeira a chegar e a última a sair da Câmara. Somos o segundo mandato com mais iniciativas legislativas no primeiro trimestre.

MC Como foi a sua trajetória até ser eleita vereadora?
BB
Sou cria das favelas de Niterói, cresci nos morros do Fonseca. Morei na Palmeira, na Caixa D'água, no Morro do Estado e no Morro da Penha, na Ponta D’areia. Comecei a fazer faculdade de jornalismo na rede privada, onde liderei o movimento "Educação não é mercadoria", contra o aumento das mensalidades. E como estagiária de comunicação no Sindicato dos Jornalistas entrei na luta pela democratização da comunicação. Em 2016, ajudei a construir a campanha por “Uma Niterói Negra, Feminista, LGBT e Popular”, que resultou na eleição da Talíria Petrone como a vereadora mais votada da cidade de Niterói, me tornando a primeira assessora trans da Câmara de Vereadores de Niterói. No mandato de Taliria, que presidia a Comissão de Direitos Humanos, da Criança e do Adolescente, atendia várias situações de violação de Direitos Humanos. Em 2017, pela Comissão, iniciei um profundo trabalho de acolhimento e garantia de direitos das Travestis que trabalham na prostituição nas ruas de Niterói. A partir daí, fundei juntamente com a minha querida companheira de luta Lara Dieckmann o coletivo Orgulho e Luta Trans (OLT), com o intuito de debater e propor mudanças na vida da população trans e travesti de Niterói e São Gonçalo. Com o coletivo realizei uma série de atividades sobre saúde, trabalho e luta política, inclusive o I Encontro de Travestis das favelas do Estado do Rio de Janeiro, realizado em 2018 na Favela Nova Grécia em São Gonçalo.

MC Conviveu com a Marielle Franco?
BB
Sim, fomos companheiras de partido. Como mulheres negras do PSOL estivemos juntas em vários momentos. Inclusive no processo de luta que culminou na eleição de Talíria Petrone em Niterói e Marielle Franco, no Rio. Fui assessora parlamentar da mandata da Taliria e tínhamos iniciativas conjuntas com a Mandata de Marielle. Realizamos eventos juntas, apresentamos projetos de lei semelhantes em paralelo nas duas Câmaras de Vereadores.

MC Como a morte dela te atingiu?
BB
Sua execução me atingiu profundamente, cortou a minha carne também. Ela era uma irmã, uma referência e também porque foi nitidamente uma tentativa de nos fazer paralisar, recuar da luta ancestral que as mulheres negras vem tocando historicamente neste país.

MC Sente-se segura agora? Como você está?
BB
Não. O Estado tem se omitido diante da minha situação. Somente quando houver uma estrutura de segurança efetiva me sentirei preparada para retornar ao país. Na semana passada, recebemos a notícia de que fui incluída no Programa Estadual de Proteção às Defensoras de DH. Porém, sabemos que isso não garante nada. A inclusão no programa é importante a nível de reconhecimento da gravidade da situação, mas sabemos que o programa tem uma estrutura limitada. Para oferecer o nível de proteção que preciso, é necessário que outras instâncias do Estado funcionem. Entidades que já foram acionadas várias vezes e seguem sendo omissas. É um absurdo! A verdade é que, para nós, lutadoras, mulheres negras, LGBTQI+, defensoras dos direitos humanos, a eleição de Bolsonaro foi uma tragédia desde o início.

MC Algo mudou para você desde a eleição dele?
BB
Sempre soubemos que ele representa: um projeto racista, patriarcal, misógino, LGBTfóbico. Sabemos que ele representa o ódio de classe, que seu governo seria um aprofundamento do genocídio, da destruição de direitos, do meio ambiente, das políticas públicas. O que veio a se comprovar dia após dia, principalmente no contexto da pandemia de Covid-19. Não há quem se sinta seguro, inclusive eu. Aliás, quem se sente seguro ou está sendo beneficiado por esse projeto genocida ou ainda não está entendendo a grave situação que estamos vivendo no Brasil.