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Pandemia

Negacionismo não é fenômeno novo na História nem na ciência

Banhistas lotaram as praias cariocas no domingo de sol

“E os que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música”, disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche.

O negacionismo não é fenômeno novo na História nem na ciência. Quando vemos comportamentos controversos, como a recusa de uso de máscaras como proteção individual e coletiva, nos remetemos a vários exemplos, como o de um século atrás, quando teve lugar a chamada “liga anti máscara”. O movimento ocorreu durante a epidemia de influenza da Gripe Espanhola, que ceifou milhares de vidas no Brasil, com as imagens e relatos de corpos na rua e falta de coveiros descritas magistralmente pelo nosso memorialista médico Pedro Nava, em seu livro “Chão de Ferro”.

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Se quisermos ainda traçar um paralelo de negação coletiva, voltemos à Revolta da Vacina, motim popular ocorrido em 1904, no Rio de Janeiro, então capital do país. O episódio foi desencadeado pela publicação de um projeto de regulamentação da vacinação obrigatória contra a varíola pelo grande tirocínio epidemiológico e sanitário de Oswaldo Cruz, nomeado Diretor Geral de Saúde Pública. A proposta foi tomada diante das condições precaríssimas de saneamento da cidade, que propiciavam a proliferação de doenças como a varíola, a febre amarela e a peste bubônica, sobretudo nas áreas mais pobres da cidade. Esse cenário somava-se, naquele momento, às medidas tomadas pelo então prefeito, o engenheiro Pereira Passos, que investia no saneamento da cidade.

O Positivismo, doutrina que prosperou tanto por aqui e influenciou fortemente a ciência, chegando a questionar a existência de escolas médicas, não acreditava em micróbios. Havia os médicos positivistas e os não, e isso criou debates antológicos no Brasil e na Europa.

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Epidemias podem extrapolar o campo sanitário e emergir na cena política, assim a obrigatoriedade de uma vacinação seria um atentado à liberdade. É um equívoco tal reivindicação individual, em contraponto à coletiva, de liberdade de escolha e a negação do que sejam medidas de proteção da coletividade, indiscutíveis, sobretudo em momentos epidêmicos, nos quais se exigem firmeza e coerência, harmonia entre a ciência e os poderes administrativos, e sobretudo confiança nas autoridades.

Nesse sentido é um belo exemplo o ocorrido na grande Peste Negra de 1478: quando, diante da aproximação da epidemia, a estratégia de isolamento social foi adotada com firmeza pelos governadores, os poderosos Visconti, duques de Milão. Eles literalmente criaram um cinturão na cidade, composto de cidadãos, médicos, apotecários e até da aristocracia. Milão foi consequentemente uma das regiões menos atingidas, diferentemente do que ocorreu na presente pandemia.

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Mais do que ambivalência, outro tipo de negacionismo é o ressuscitamento extemporâneo de considerações sobre efeitos da cloroquina ao se levantar a possibilidade de ter havido má interpretação nos resultados de todos os estudos, com críticas até mesmo aos bem conduzidos e cujos desfechos revelaram ausência de efeito benéfico em qualquer fase da doença, ou para prevenção de agravamento.

Nietzsche uma vez mais tem razão quando afirma que “resolver tapar os ouvidos aos mais válidos argumentos contrários pode revelar caráter forte, porém igualmente pode significar a vontade levada até a estupidez”. 

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