• PAULA BARROS (@pauli_barros)
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Número de mulheres nos conselhos de grandes empresas cresce 13% em 10 anos, diz pesquisa (Foto: Vogue Brasil)

Número de mulheres nos conselhos de grandes empresas cresce 13% em 10 anos, diz pesquisa (Foto: Vogue Brasil)

Quando se trata de equidade no mercado de trabalho em relação ao sexo feminino e masculino, geralmente não existem muitos motivos para celebrar. Mas o cenário pode estar mudando - finalmente!

Uma nova análise divulgada pela Pearl Meyer mostra que o número de mulheres presente nos conselhos das 200 maiores empresas do S&P 500 (Standard & Poor’s 500 Index) aumentou nos últimos anos, passando de 19% em 2010 para 32% em 2020.

Entre as organizações desse mesmo grupo, o número de conselhos que incluem pelo menos duas mulheres subiu de 75% em 2010 para 96% no ano passado. O número de conselhos com pelo menos três mulheres aumentou nesse mesmo período, saltando de 29% em 2010 para 75% em 2020.

Os resultados de outra pesquisa recente da Pearl Meyer divulgada no portal da WorldAtWork e organização WomenCorporateDirectors (WCD), fundação global que promove a diversidade nos conselhos de administração, entretanto, são menos encorajadores. Uma consultoria de remuneração executiva com sede em Nova York conduziu uma pesquisa com mais de 200 organizações em 2020 e descobriu que o número de mulheres em cargos de liderança executiva e sênior é de 28%, não acompanhando o ritmo da crescente porcentagem de mulheres servindo nos conselhos dessas mesmas organizações. No geral, a representação feminina na força de trabalho é de 48%, de acordo com a mesma pesquisa.

Os números se repetem em um levantamento feito pela WomenCorporateDirectors (WCD), e divulgado pelo Valor Investe. A partir de sua base de associadas, que hoje está em 267 mulheres, a WCD apurou que as mulheres passaram a ocupar 124 novas posições em 2021 em empresas públicas, privadas, de capital aberto e fechado, considerando que uma mulher pode ocupar mais de um assento. Do total das associadas da WCD, 81 mulheres assumiram novas posições. Do total de novos assentos conquistados, 58 são em conselho de administração (CA), o órgão máximo de uma empresa, cuja função é supervisionar o principal executivo e ajudar a pensar na estratégia futura da empresa. Todas são conselheiras efetivas (e não suplentes), sendo que 19 mulheres entraram pela primeira vez num conselho de administração.

Entretanto, vale pontuar que este maior foco e ação demonstrada no nível do conselho não levou a aumentos na representação feminina em cargos de liderança executiva e sênior, que é de 28%, de acordo com os resultados de uma recente pesquisa Pearl Meyer sobre diversidade, equidade e inclusão [2] , enquanto a representação geral da força de trabalho feminina na mesma pesquisa é de 48%, em média

Mas o que explica essa mudança retratada pela pesquisa?

Para Marienne Coutinho, sócia da KPMG no Brasil, co-chair no Brasil da WCD (WomenCorporateDirectors) e cofundadora do Conselheira 101, essas mudanças vêm acontecendo há alguns anos, mas só agora foi possível observar os resultados de uma forma mais concreta. “Uma confluência de vários fatores têm gerado essa mudança. Além do trabalho da WCD, o ecossistema empresarial coloca uma pressão a mais no assunto. Temos os investidores institucionais que cada vez mais tem exigido diversidade nos conselhos das empresas como uma condição para fazer o investimento. Ou como o caso da Goldman Sachs que agora se recusa a dar assessoria em processos de IPOS de empresas que também não tenham diversidade nos conselhos. As mulheres também estão mais atentas para essas posições, se inserindo de forma mais proativa dentro do networking e procurando cursos de governança corporativa não só para o aprendizado, que é superimportante, mas também para fazer parte dessa rede e terem visibilidade", diz.

Marienne Coutinho (Foto: Divulgação)

Marienne Coutinho (Foto: Divulgação)

"No caso da WCD temos um grupo de 270 mulheres de altíssimo nível associadas, além de um curso de mentoria para quem deseja ocupar essas vagas. Antes era comum dizer que não existia diversidade porque não tinham mulheres preparadas e capacitadas. Atuamos como um agente facilitador para quando a empresa quer ter a diversidade no board, mas não conhece essas mulheres, eles nos procuram e fazemos um anúncio dessa posição, dos requisitos e em questão de horas conseguimos passar uma relação de mulheres que tem interesse específico naquela posição. Essa ponte para a visibilidade é importante", explica Marienne que pontua a necessidade da representação racial nos conselhos. 

"Toda a cadeia tem se unido. Obviamente estamos falando de gênero, mas essa campanha que tem acontecido é em prol da diversidade como um todo. Temos um aumento, ainda tímido porque é quase saído do zero, mas já é considerado uma conquista que é a diversidade racial nos conselhos. A WCD juntamente com outras mulheres fundamos o Conselheira 101 durante a pandemia e trouxemos 17 mulheres executivas negras para um programa de aproximação com o mundo dos conselhos e algumas já estão atuando em conselhos consultivos. E para nós foi um avanço. Não basta ter apenas mulheres, mas também queremos trazer pessoas jovens, diversidade racial, pessoas que tenham perfis e repertórios diferentes. A gente começa a perceber que as empresas estão usando essa questão, espero que genuinamente, ao seu favor", afirma ela que é membro do Global Advisory Board do KPMG Impact e do Comitê de Inovação da KPMG no Brasil. 

Rachel Maia (Foto: Divulgação)

Rachel Maia (Foto: Divulgação)

Do outro lado da mesa, Rachel Maia — que passou a integrar nada menos do que quatro conselhos desde o final de 2020, sendo eles Grupo SOMA, Vale, CVC e Banco do Brasil — acredita que as mulheres estão de fato tendo voz nos boards.

“Para ocupar uma cadeira como conselheira é preciso muita preparação, certificações e anos a fio de experiência. São mulheres com uma bagagem gigantesca, que sabem muito bem como contornar situações e posicionar ideias. Afinal, essa é uma das premissas de um conselho. É preciso saber ouvir e, mais ainda, saber expor ideias e dialogar com quem pensa parecido e diferente de você”, diz em conversa com a Vogue Brasil.

Rachel ainda oferece uma teoria sobre os números retratados na pesquisa: “A diversidade nos conselhos administrativos se faz necessária, tanto na participação de mulheres quanto de negros. As empresas estão entendendo que é preciso ter diversidade nos boards, que as cadeiras de conselho precisam refletir a população e o público que querem atingir. Sei da importância e, também, da responsabilidade de ser uma das pouquíssimas mulheres negras a ocupar uma cadeira estratégica. Minha trajetória sempre foi muito solitária e eu não quero que seja só a Rachel. Com meus 28 anos de carreira, espero contribuir com toda a minha experiência em liderança, pessoas, expansão digital e gestão, mas, principalmente, com a diversidade que se faz tão necessária nos cargos C-level do país e em outros setores da sociedade."

Sustentabilidade, geração de valor para a sociedade e perenidade da marca estão entre os temas pautados nas discussões dos quatro conselhos que a ex-CEO da Lacoste e Pandora no Brasil participa.

“Em um Conselho Administrativo, as discussões são essencialmente voltadas para a estratégia do negócio como um todo. É preciso ousar e fazer com que a alta gestão das companhias entenda as necessidades de mudanças para o presente e o futuro. Posso citar aqui como um exemplo o setor têxtil. Não devemos ter receio de nos comprometermos com uma meta de ‘Resíduo Zero’. Pelo contrário, é a partir de então que acompanharemos com ainda mais profundidade o processo completo de toda a cadeia. Primeiro vamos encontrar setores que trabalhem com o aproveitamento do retalho e, em seguida, quem use a sobra do retalho, até a conclusão do ciclo com a meta estabelecida atingida. Transformar é um desafio, sempre há alguma resistência para manter o status quo. Importante ressaltar que nem sempre seguir na mesma rota garantirá a nossa jornada na direção certa", pontua. 

Mudanças efetivas

Ainda segundo o levantamento, as companhias de capital aberto estão liderando a transformação. Pela primeira vez duas empresas estão com quatro mulheres efetivas no conselho de administração: Natura e TIM. No caso da Natura, são quatro de 12 assentos; e da TIM, quatro de 10.

Outro dado a ser comemorado é que o número de companhias que agora têm o selo Women on Board (WOB), dado a empresas que têm ao menos duas conselheiras efetivas em seus quadros, já soma 43 – o selo foi lançado em outubro de 2019 com apoio da ONU Mulheres.

Ambas as entrevistadas acreditam que a mudança é perene. Apesar de existir o comentado 'greenwashing' [boas práticas para inglês ver], muitos conselhos estão de fato se transformando.

Marienne analisa: "Muito do que está acontecendo hoje é um forte indício do que influenciará os negócios no futuro. Em todas as leituras de cenário, a questão da diversidade é vista como um sinal extremamente forte pois vem alinhado com um movimento social que já saiu do consumidor e atingiu o nível dos investidores. Cada vez mais mulheres e outras minorias ou maiorias sub-representadas estão ocupando posições de poder e influenciando positivamente essa diversidade. Queremos que esse movimento seja exponencial. Não queremos crescer apenas 1% ao ano. Queremos dobrar o percentual de mulheres nos conselhos a cada ano. É uma grande oportunidade de se destacar e gerar melhores resultados com a diversidade nos conselhos."

"A tendência é que a diversidade ocupe cada vez mais esses espaços. A transformação não vai mais esperar, está acontecendo agora e quem não entrar no fluxo, vai ficar para trás", levanta Rachel.

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