Colunas de Caroline Prolo

Por Caroline Prolo

Advogada especialista em direito ambiental e direito das mudanças climáticas.

São Paulo


Já tem data para acontecer a 26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP 26), em Glasgow, na Escócia: de 31 de outubro a 12 de novembro de 2021. Nesta mesma ocasião acontece a 3ª conferência das partes do Acordo de Paris, tratado internacional vinculado à Convenção-Quadro e que hoje prevê compromissos concretos de ação para enfrentamento das mudanças climáticas por mais de 190 países.

As conferências das partes são como assembleias gerais em que são tomadas decisões pelos países para implementação dos objetivos desses tratados. Uma decisão importante a ser tomada nesta próxima conferência é sobre a regulamentação de um mercado de carbono global que vai conectar países e atores privados na transferência de unidades de redução de emissões e de remoção de gases de efeito estufa.

Embora a adoção de uma decisão sobre os mercados de carbono esteja na agenda das discussões da COP 26, não há nenhuma garantia de que os 191 países membros do Acordo de Paris conseguirão chegar a um consenso – e o consenso é necessário, de acordo com as regras de procedimento de tomada de decisão do tratado.

Há ainda muitas divergências críticas de posicionamento entre os países sobre o escopo desses mercados e que precisam ser superadas para que se possa chegar a um desenho de como esses mercados vão funcionar.

Mas mesmo a falta de adoção de uma decisão por si só já traz repercussões relevantes. Isso é porque um dos instrumentos de mercado de carbono previsto no Acordo de Paris – o comércio de ITMOs (Resultados de Mitigação Transferidos Internacionalmente), do artigo 6.2 – prescinde de regulamentação na COP 26 para entrar em funcionamento.

Segundo o texto do Acordo de Paris, os países podem adotar ações cooperativas para promover mitigação das mudanças climáticas, trocando entre si seus “Resultados de Mitigação” com o objetivo de cumprir as suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas).

Caso regras venham a ser criadas pelo Acordo de Paris, essas deverão ser respeitadas. Mas a verdade é que as abordagens cooperativas entre os países para troca de seus Resultados de Mitigação não dependem de uma regulamentação emanada do Acordo de Paris para serem viabilizadas. Os países têm o direito de atuar de forma cooperativa para reduzir suas emissões.

A única exigência é de que isso seja feito com integridade climática – ou seja, de uma forma que não acabe piorando a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera -, para tanto devendo as partes adotarem as medidas necessárias para garantir a adequada contabilidade das reduções de emissões e para evitar que se considere em duplicidade tais resultados de mitigação em ambos os países em cooperação.

Tanto assim é que alguns países já estão promovendo acordos de cooperação para transferência de resultados de mitigação, como é o caso da Suíça, que já firmou acordos dessa natureza com Peru, Gana e Senegal, e vem ativamente buscando outros países com quem realizar essa parceria. Por meio desses acordos, a Suíça essencialmente compra Resultados de Mitigação do país beneficiário, obtidos por meio de ações e atividades delimitadas. Esses Resultados de Mitigação, por sua vez, serão apresentados perante o Acordo de Paris e contabilizados como resultados de mitigação da Suíça a serem abatidos da meta prevista na sua NDC.

Dessa forma, caso não haja uma decisão sobre o artigo 6 do Acordo de Paris em Glasgow, nada impede que esses acordos de transferência de resultados de mitigação sejam firmados entre os países, com regras mutuamente estabelecidas entre eles, desde que observadas as premissas de integridade climática e contabilidade adequadas. Nesse sentido, a ausência de uma decisão de regulamentação do artigo 6.2 torna mais flexível para os países o engajamento nessas formas de cooperação, que pode ser feito segundo suas próprias regras.

Por outro lado, isso favorece a criação de “carbon clubs”, formados por países com visões afins sobre regras de integridade climática, e que, portanto, excluem a cooperação com países não aderentes aos seus padrões. Os acordos firmados pela Suíça, por exemplo, consideram os Princípios de San Jose (“San Jose Principles for High Ambition and Integrity in International Carbon Markets”), um conjunto de princípios de integridade ambiental para iniciativas de mercados de carbono internacionais, proposto por um grupo de 31 países em San Jose, Costa Rica, durante as reuniões preparatórias para a COP 25 em Madri.

A mesma lógica não se aplica ao mecanismo de certificação de projetos de carbono do artigo 6.4 do Acordo de Paris – que vem sendo chamado de MDS, Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável. Este é um programa institucional que precisa ser formalmente constituído, com a criação dos órgãos de gestão – em particular o Órgão Supervisor, que aprovará as metodologias e projetos – e demais estruturas e fluxos de funcionamento para a emissão dos respectivos créditos de carbono. Para que isso seja criado e operacionalizado, é necessária uma decisão de regulamentação das regras no âmbito da COP.

Se essa decisão acontecer nesta COP 26, portanto, teremos um novo mecanismo de certificação de projetos de créditos de carbono internacional, que poderá ser acessado por entes privados e públicos de todos os países membros do Acordo de Paris, desde que tais países estabeleçam os pontos focais e as estruturas necessárias para validação de tais projetos.

A princípio, os créditos gerados nesse mecanismo somente poderão ser utilizados por países que queiram utilizá-los para compensar suas emissões de gases de efeito estufa e cumprir suas NDCs, embora essa limitação ainda esteja em discussão nas negociações. Também está em discussão quais são as metodologias de projetos e programas de atividades que serão aceitas para os fins desse mecanismo, bem como os critérios de adicionalidade e determinação da linha de base dos projetos, que precisam ser atualizados.

De qualquer forma, a operacionalização do MDS faz surgir uma oportunidade adicional de fornecimento de créditos de carbono para um ambiente de mercado regulado. Nesse ambiente do Acordo de Paris, a demanda para compra de créditos de carbono é dada pela obrigação legal dos países de possuírem uma NDC que precisa ser constantemente revisada e de forma progressiva.

Essa perspectiva é interessante dado o contexto incerto dos mercados de carbono voluntários, em que a demanda não é dada por qualquer necessidade de cumprimento da legislação ou de obrigação contratual/tratados internacionais.

Além disso, a falta de clareza quanto aos limites da possibilidade de utilização dos créditos de carbono pelas empresas, para pleitearem compensação/neutralização de emissões, também desencoraja potenciais compradores do mercado voluntário. Essas regras estão sendo criadas no âmbito de iniciativas de autorregulação, como a iniciativa Science Based Targets initiative, que está desenvolvendo as regras para relato de neutralização de emissões pelos entes privados.

Incertezas quanto à demanda para compra dos créditos de carbono é um fator relevante que tem influenciado a volatilidade dos preços.

Por fim, a regulamentação das iniciativas de mercado de carbono do artigo 6 do Acordo de Paris fará surgir um “meta-mercado” de carbono internacional, a partir de um sistema regulado em que os participantes do mercado possuem obrigações relacionadas à limitação da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.

Em outras palavras, considerando que todos os países membros do Acordo de Paris estão sujeitos à obrigação legal de ter uma meta de descarbonização da atmosfera global, o Acordo de Paris passa a ser “O” instrumento por excelência a promover a gestão do orçamento de carbono global. E com o artigo 6 regulamentado, cria-se uma espécie de um grande sistema de comércio dessas emissões do orçamento global de carbono.

Na prática, isso significa que passará a haver um locus para a contabilidade e monitoramento de todas as emissões globais – e respectivas reduções de emissões ou remoções de gases de efeito estufa previstas na NDC dos países.

Nesse contexto, a pergunta que não quer calar é: precisam ser contabilizadas nesse ambiente da ONU as reduções de emissões que ocorrerem no ambiente do mercado voluntário? Se considerarmos que (i) o orçamento de carbono global é um só e (ii) é monitorado no âmbito do Acordo de Paris, me parece que a resposta é sim: todas as transferências internacionais de unidades de redução de emissões/remoção de GEE precisam ser contabilizadas nos orçamentos de carbono geridos no âmbito da UNFCCC. Uma decisão na COP 26 pode ajudar a trazer clareza sobre isso.

Seja qual for o resultado desta COP 26 em relação à adoção de uma decisão de regulamentação dos mercados de carbono, a configuração do mercado de carbono vai mudar. Na ausência de uma regulamentação no nível da UNFCCC, os países e outros atores de mercado vão atuar para desenvolver as regras e a infraestrutura necessárias para operacionalização dessas soluções de mercado.

Se a regulamentação se tornar uma realidade, será criado um novo microssistema de gestão dos ativos de carbono globais, que precisará conversar com as a iniciativas voluntárias existentes. Seja como for, teremos novos tipos de ativos de carbono no mercado, novos players, novas metodologias e critérios, que exigirão criatividade e engajamento político dos atores estatais, para se criar as melhores soluções para fomentar as oportunidade em cada nível doméstico, e de uma forma consistente com a ciência do clima e o desafio de controle do orçamento global de carbono.

Caroline Prolo é sócia do Stocche Forbes Advogados especialista em Direito Ambiental

Caroline Prolo — Foto: Arte sobre foto Divulgação
Caroline Prolo — Foto: Arte sobre foto Divulgação
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