• Ricardo Voltolini*
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Prédio empresarial, planta, verde, sustentabilidade (Foto:  Kohei Hara via Getty Images)

 (Foto: Kohei Hara via Getty Images)

Aconteceu, há seis anos, durante uma palestra sobre benefícios de sustentabilidade para a diretoria de uma grande empresa. Tinha a atenção do grupo até o momento em que o CEO resolveu compartilhar algo no celular. Todos olhavam a tela e riam como se assistissem a um meme. Sem perder a linha, perguntei se poderia participar da piada. Foi quando o executivo me apresentou triunfante um dado que, em sua frágil opinião, “derrubava” a tese da minha abordagem: se a sustentabilidade gerasse valor, a Natura não estaria, como fez questão de mostrar na tela do telefone, com ações em baixa  na Bolsa de Valores.

Poupo o leitor da discussão subsequente. O tempo, sempre sábio, botou as coisas no lugar. A Natura vale hoje US$ 1,7 bilhão e, segundo estudo Brand Finance, de 2021, é uma das marcas mais fortes do mundo no setor. Já o executivo, não sei por onde anda.

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Fato recente reforça uma ideia que quero defender neste artigo. Em março de 2021, o  estelar executivo francês Emmanuel Faber foi demitido da posição de CEO da Danone. Não demorou muito para que algumas “vozes do mercado” atribuíssem a destituição à sua “obsessão” pelos temas de sustentabilidade. “Distraído” com a certificação de empresa B -- espalharam fontes maldosas — ele teria se descuidado do marketing e da inovação em produtos e marcas. Faber explicou que, na verdade, foi vítima de disputas internas no Conselho de Administração. Mas ainda hoje há quem sustente a tese da distração ativista.

Incontáveis vezes ouvi de executivos expressões negacionistas como “só vou investir em sustentabilidade quando os consumidores estiverem dispostos a pagar por ela”, “sustentabilidade faz a gente perder o foco”, “o que ganhamos em ser mais sustentáveis” ou “sustentabilidade nos obriga a assumir custos que pertencem à sociedade.” O ESG, porém, chegou com força  e a pressão dos investidores tem levado cada vez mais executivos e conselhos a dizerem publicamente que são devotos de sustentabilidade desde a infância.

Mas que ninguém se iluda. A crença de que o conceito representa uma distração, um custo, um desvio da finalidade empresarial ou um fardo extra de obrigação financeira segue resistente ainda, embora silenciosa, nos bastidores de muitas empresas. Com duas diferenças atenuantes nesses tempos de ESG.  Uma é que não será exibida mais com o peito estufado — pelo contrário, executivos já perceberam que contestá-la, em público, sem argumentos, pega mal e encurta carreiras promissoras. Outra, menos óbvia: até os descrentes já descobriram que, mais do que gerar valor reputacional, sustentabilidade pode resultar em benefícios econômico-financeiros — por meio de sustainability linked bonds, private equity, fundos de ações ESG, mercado de carbono ou mesmo do bônus de valuation atribuído pelo mercado e seus agentes.

Mais recentemente, os céticos ganharam um reforço de peso. Considerado um papa do valuation, Aswath Damodaran tem dito, sem reservas, que ESG é um conceito frouxo, mal delineado e equivocadamente supervalorizado no mercado. Críticas do indiano como a de que só ganham dinheiro com a sigla consultores de gestores de portfólio, agradam em cheio os incrédulos de sempre, principalmente os que admitem terem tomado antipatia ao conceito por causa dos que o defendem como panaceia para todos os males empresariais.

Na origem deste debate encontra-se a ideia de valor. Ninguém, mentalmente são, discorda de que há um valor intrínseco em manter  a floresta Amazônica em pé, promover a diversidade, zelar pelos direitos humanos na cadeia de valor, desenvolver as comunidades do entorno, reduzir o consumo de água, adotar energias renováveis, descarbonizar operações ou atuar com ética e transparência. Nunca vi, até mesmo entre os céticos, opinião contrária a essas práticas. O que eles nunca conseguiram compreender, ao contrário dos convictos, foi a razão de adotá-las e o seu efetivo impacto na geração de valor para os seus negócios. Nunca entenderam, por viés de formação, por que deveriam incorporar dados não-financeiros em  suas estratégias, visto que, na maioria da vezes, não podem ser precisamente mensurados no valuation nem na forma de ROI.

Não perceberam que o que está em rápido processo de mudança, com a ascensão do ESG, é o próprio conceito de valuation. Ser sustentável agora tende a ser o novo normal competitivo. Mudaram as visões de ativo, passivo e retorno. Houve uma revalorização dos componentes de riscos e criação de valor. Integrar questões ambientais, sociais e de governança à análise de ativos, reduz incertezas e incrementa o retorno sobre o capital. Descuidar delas impõe, segundo  Larry Fink,  CEO da BlackRock, “novos riscos” importantes que os investidores não estão mais dispostos a bancar.

Esses “novos riscos” não são tão novos assim. Só que antes, quando impactavam apenas pessoas e meio ambiente, não tinham valor econômico para as empresas. Eram vistos como fatos externos ao negócio. E assumi-los representava apenas custo, desvio de foco e sobrecarga de despesas. Controlá-los, agora, é fator determinante para o próprio valor dos negócios, nesses promissores tempos em  que valores geram valor econômico. Queiram ou não os céticos.

*Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável e da Plataforma Liderança com Valores