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Operação policial com 25 mortes no Jacarezinho é a mais violenta da história do RJ

Operação policial com 25 mortes no Jacarezinho é a mais violenta da história do RJ

Moradores viveram momentos de terror durante quase nove horas na Zona Norte do Rio. Uma operação policial deixou 25 mortos.

Jacarezinho, umas das maiores favelas da Zona Norte do Rio, um bairro dentro da cidade. E nesse bairro, pelo menos 38 mil moradores expostos ao confronto entre policiais e criminosos.

A polícia ocupou parte da favela com um grande aparato desde as primeiras horas da manhã desta quinta (6).

Os policiais civis que participaram da operação saíram da Cidade da Polícia, sede das delegacias especializadas, que fica ao lado da favela, e tiveram o apoio de dois helicópteros, um deles blindado,

que dava rasante sobre as casas.

Num dia em que a vacinação foi suspensa e as escolas não puderam abrir, quem precisou ir para as ruas, encontrou o absurdo.

“Uma granada. Não sabemos se está ativada ou não”, disse um morado num vídeo.

A polícia diz que houve grande resistência dos criminosos, que instalaram barricadas nas ruas para impedir o avanço dos veículos blindados. Mas um grupo de bandidos tentou fugir. Eram pelo menos sete homens armados.

O repórter Guilherme Peixoto viu tudo do Globocop: “São sete homens armados, algum deles com fuzis, tentando escapar da polícia, invadindo casas de moradores na favela do Jacarezinho.”

Logo depois, a polícia fez o mesmo para ir atrás deles.

O grupo de mulheres conhecido como Mães de Manguinhos denuncia que os policiais não queriam apenas prender os suspeitos e que ouviu relatos de abuso policial.

Houve protestos dentro da favela. As denúncias contra a ação da polícia também foram feitas em vídeos divulgados nas redes sociais, mostrando rastros de sangue nas ruas e dentro das casas.

Num vídeo, uma moradora mostra um policial e diz que o suspeito quer se entregar: “Não querem deixar passar. Estão encurralando. Não querem deixar os meninos se entregarem."

Num outro, uma mulher diz que presenciou execuções: “Tem uns meninos que estão encurralados na casa querendo se entregar e os policiais querem matar eles. Inclusive mataram um na nossa frente.”

Uma moradora diz que houve mais de uma execução: “Uma covardia. A senhora foi tirada de dentro da casa para poder matar. Olha lá.”

“A favela está toda perfurada, tem cano vazando em toda favela, tem sangue derramado em toda favela. Hoje de manhã tinham corpos jogados na casa de moradores, nas ruas, em todos os lugares”, contou uma moradora.

A diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, diz que também recebeu denúncias contra a ação policial no Jacarezinho: “A gente está recebendo muitas imagens, muitos áudios que dizem que houve invasão de casas, houve destruição de patrimônio. Há suspeitas de execuções extrajudiciais, ou seja, as pessoas foram mortas sem chance de defesa, já dominadas.”

Integrantes da Defensoria Pública foram ao Jacarezinho na tarde desta quinta e ouviram os relatos dos moradores.

"Primeiro choque foi com a quantidade de sangue no chão. Era muita poça de sangue. Ouvimos muitos relatos de violação de domicílio, de mortes. Muitos muros cravejados de balas. Essa família viu a execução. Tinha uma poça de sangue nesse quarto, a cama dessa criança lotada de sangue, inclusive a coberta que ela usa”, diz a coordenadora de Direitos Humanos da Defensoria Pública, Maria Júlia Miranda.

A Polícia Civil diz que a operação foi feita com base numa denúncia do Ministério Público que pediu a prisão de 21 suspeitos, que são identificados com fotos e perfis deles nas redes sociais. Também se baseou numa investigação que a polícia diz ser sigilosa e que trataria de aliciamento de crianças e adolescentes pelo tráfico.

A ação da Polícia Civil no Jacarezinho durou quase nove horas e terminou com 25 mortos, entre eles um policial civil. Foi a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro.

A polícia ainda não apresentou a identificação dos suspeitos. Disse que dos 24 mortos, três tinham sido denunciados pelo MP. Ao todo, seis suspeitos foram presos.

O policial civil que morreu é André Leonardo de Mello Frias. Ele foi atingido na cabeça. André, que trabalhava na Delegacia de Combate às Drogas, chegou a ser levado ao hospital, mas não resistiu

A operação também deixou na linha de tiro quem passava no transporte público. Os passageiros fizeram de tudo para se proteger, mas duas pessoas foram atingidas.

Um homem tinha um ferimento na cabeça. Outro foi atingido no braço.

“Acabou atingindo dois passageiros dentro do metrô e não sabemos de onde a bala veio, se foi do Jacarezinho. Foi um corre-corre, uma correria, pessoas sendo pisoteadas. Uma coisa terrível mesmo, uma coisa sem explicação. Foram duas pessoas atingidas: uma no braço, outra no rosto”, conta uma mulher.

“Isso não é uma política de segurança pública. Produzir essas incursões violentamente armados e provocar tantas mortes não é segurança pública, muito pelo contrário. Segurança protege a vida de quem quer que seja, de quem quer que seja. Sejam pessoas acusadas, e acusadas não são comprovadamente criminosas, mas acusadas de cometerem um crime, seja das outras pessoas todas. Isso não é segurança pública. E, diga-se de passagem, o Rio de Janeiro não tem uma política de segurança pública”, disse Jurema Werneck.

Em coletiva, a Polícia Civil do Rio afirmou que todos os mortos eram criminosos, mas lamentou o número de mortos na operação.

“Não estamos comemorando um resultado desse. Foram apreendidas ‘n’ armas. Tem bastante fuzil apreendido. Mas por outro lado a Polícia Civil não vai se furtar de fazer com que a sociedade de bem tenha seu direito de ir e vir garantido. Não é razoável supor, como estava acontecendo tudo isso devidamente registrado nas investigações, crianças sendo aliciadas pelo tráfico de drogas“, disse o subsecretário operacional da Polícia Civil, Rodrigo Oliveira.

“Os 24 mortos, os 24 criminosos mortos, diga-se de passagem, porque não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem bandido, criminoso, traficante e homicida, porque eles tentaram matar os policiais”, afirmou o delegado Felipe Curi.

Joel Luiz Costa cresceu no Jacarezinho, se formou em Direito, e, hoje, atua em causas de defesa dos direitos humanos na comunidade. Ele fala de uma política de estado que se repete há décadas e deixa sempre tudo como está: “É muito cruel passar na rua onde você brincou, sentou na calçada para conversar com os amigos e viveu, e ver uma dezena de marcas de tiros na porta de um bar, na porta de uma loja de cosméticos, cano estourado, balas e balas no chão. Ninguém merece isso. É desanimador, faz a gente pensar que não tem solução. Entraram no Jacarezinho, mataram 25 pessoas ou mais, e isso acabou com o tráfico de drogas? A partir de amanhã não vai ter mais?”.

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