Por Tahiane Stochero, G1 SP


Usuários da Cracolândia são cercados por PMs, GCMs e policiais civis durante operação na região — Foto: Reprodução TV Globo

Após a sanção presidencial da nova lei de drogas aprovada pelo Congresso, que autoriza a internação involuntária (sem consentimento) de dependentes químicos, a Prefeitura de São Paulo estuda “rever” sua posição e “eventualmente” internar de forma obrigatória usuários de drogas da Cracolândia, no Centro da cidade.

Em entrevista ao G1, o coordenador de saúde do Programa Municipal de Atendimento a Usuários de Drogas, Arthur Guerra, disse que, atualmente, a administração municipal não realiza sozinha as internações involuntárias sem autorização judicial. Quando necessário, as faz em parceria com o governo estadual.

“Mas estamos em um momento de integração maior e estamos reavaliando esta questão. Nós nunca tivemos a internação involuntária, mas estamos revendo esta posição para, eventualmente, seguir a nova lei que prevê isso”, afirmou Guerra. “Estamos avaliando como e se faremos isso”, acrescentou o coordenador, que supervisiona o Redenção, programa municipal de atendimento a dependentes químicos.

Apesar de todas as tentativas de acabar com a Cracolândia, o número de dependentes que recebem atendimento na região passou de cerca de 40 mil em 2016 para mais de 56 mil em 2018, segundo dados da Prefeitura.

A nova lei permitirá que a internação involuntária seja feita em unidades de saúde e em hospitais gerais, dependendo de autorização de um médico responsável. A internação deve durar até, no máximo, 90 dias, para desintoxicação.

Há três tipos de internação, previstas pela legislação brasileira:

  • Voluntária – com o consentimento e autorização do dependente químico
  • Involuntária – em que um médico determina a necessidade da internação como última alternativa, com o conhecimento de algum familiar ou responsável da pessoa
  • Compulsiva – que ocorre por determinação judicial

Em 2018, 88% das internações realizadas pelo estado de São Paulo foram voluntárias e 11,9%, involuntárias, sem o consentimento do dependente químico. Segundo Guerra, houve ainda 0,03% que foram feitas de forma compulsória, por determinação judicial.

Uma alteração radical na legislação permite, agora, que servidores da área da saúde, assistentes sociais ou de órgãos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), exceto da segurança pública, também solicitem a internação involuntária. Até então, o pedido podia ser feito apenas por familiares ou responsáveis legais.

Guerra é favorável à mudança, entendendo que, em alguns casos, agentes de saúde possuem acesso direto aos dependentes químicos. Mas, segundo ele, a Prefeitura ainda não decidiu se agentes poderão solicitar a internação.

“Vamos a Brasília conversar [com o governo federal] para entender como é a ideia deles sobre isso, do ponto de vista dos agentes de saúde poderem indicar", disse. "Porém referendado por um médico. Porque, se não for referendado por um médico, não pode ser, por ser contra as diretrizes do Conselho Federal de Medicina”, afirmou o coordenador paulistano.

“A internação involuntária é tão grave, tão intensa, tão preocupante, que qualquer pessoa que vê isso poderia fazer a sugestão. Para estes casos raros, os agentes de saúde, que estão em campo, podem estar alertas para acionarem os médicos, que referendam e assinam embaixo. Um médico não autoriza a internação sozinho. Ele é alimentado por diversos profissionais que fazem a gestão na ponta da linha”, acrescentou Guerra.

Ao contrário do modelo proposta pela lei federal, que determina que internação involuntária seja autorizada por apenas um médico, sem determinar qual a especialidade ele deve possuir, São Paulo segue um padrão próprio, em que a internação involuntária é avalizada por três médicos psiquiatras.

“A internação involuntária é bem complexa em São Paulo, passa por três psiquiatras: um que indica, o outro que pode concordar ou não, e um terceiro, que avalia pelo Ministério Público, que deve ser informado em 72 horas, e é acionado para referendar. Estamos analisando de forma bem intensa como faremos isso de agora em adiante”, disse Arthur Guerra.

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Comunidades terapêuticas

A nova lei inclui as Comunidades Terapêuticas Acolhedoras no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. De acordo com o texto, a permanência dos usuários de drogas nesses estabelecimentos de tratamento poderá ocorrer apenas de forma voluntária.

Para ingressar nessas casas, o paciente terá de formalizar por escrito seu desejo de se internar e será exigido uma avaliação médica prévia do dependente.

O acolhimento nessas comunidades deve se dar em "ambiente residencial, propício à formação de vínculos, com a convivência entre os pares, atividades práticas de valor educativo e a promoção do desenvolvimento pessoa". Fica vedado o isolamento físico do usuário.

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