Exclusivo para Assinantes
Política Jair Bolsonaro

Sob pressão, Planalto quer ampliar influência no TCU para se proteger de ações

Governo acenou com nomeação de ministro da Corte para uma embaixada com o objetivo de tentar emplacar aliado na vaga que seria aberta; Bolsonaro receberá amanhã integrantes do tribunal para um café da manhã
Jair Bolsonaro ao lado do seu ex-ministro Jorge Oliveira, indicado por ele, em 2020, para vaga aberta no TCU: presidente atua para ampliar sua influência e mudar correlação de forças no tribunal Foto: Daniel Marenco / 24-06-2019
Jair Bolsonaro ao lado do seu ex-ministro Jorge Oliveira, indicado por ele, em 2020, para vaga aberta no TCU: presidente atua para ampliar sua influência e mudar correlação de forças no tribunal Foto: Daniel Marenco / 24-06-2019

BRASÍLIA — O temor de enfrentar turbulências causadas pelo caos fiscal e pela pandemia de Covid-19 no Tribunal de Contas da União (TCU) tem feito com que o governo acelere articulações para tentar aumentar sua influência sobre o órgão. A estratégia, já utilizada em outros governos, é indicar ou influenciar a maior quantidade possível de ministros para evitar o destino da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) que, em 2016, viu a Corte ser um dos principais atores do seu impeachment. Há estratégias de curto e médio prazo. O presidente Jair Bolsonaro convidou ministros do tribunal para um café da manhã na próxima terça-feira no Planalto. Além disso, o governo está disposto a oferecer uma embaixada a um dos ministros para poder indicar o substituto e mudar a correlação de forças no TCU.

LEIA: Planalto irá preparar Pazuello para enfrentar CPI

Assim como o Congresso que acumula pedidos de impeachment na Câmara e a abertura da CPI da Covid no Senado, o TCU tem procedimentos em curso que ameaçam Bolsonaro. Além de emitir alertas sobre riscos de uma possível “pedalada fiscal” , o tribunal está fazendo uma análise profunda sobre a atuação da União no enfrentamento à epidemia de Covid-19. Os relatórios divulgados até agora são considerados “destruidores” e apontam para omissões e erros cometidos, principalmente, na gestão do agora ex-ministro Eduardo Pazuello. A tensão aumentou depois da criação da CPI, que será relatada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). Ele já sinalizou que as investigações poderão seguir o roteiro desenhado pelos relatórios do TCU.

Articulação no senado

É em meio a esse fogo cruzado que o governo e seus aliados arquitetam um plano, chamado informalmente de “operação embaixada”. A estratégia consiste em fazer o ministro do TCU Raimundo Carreiro antecipar sua aposentadoria (prevista para 2023) abrindo, assim, uma nova vaga no tribunal. Essa vaga é da cota cuja indicação cabe ao Senado. Para “adiantar” a saída de Carreiro, o governo acena com o cargo de embaixador em três países: Portugal, Vaticano e Bélgica.

O plano foi desenhado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). O nome desejado para ficar no lugar de Carreiro é o do senador Antonio Anastasia (PSD-MG). Se desse certo, a troca seria vista como um jogo de “ganha-ganha” para o governo. De um lado, teria a possibilidade de tirar um ministro com fortes ligações com o MDB de José Sarney e Renan Calheiros; de outro, Pacheco e Alcolumbre cumpririam um acordo que teriam feito com Anastasia antes da eleição para o comando do Senado que garantiu a vitória ao atual presidente. Além disso, o suplente de Anastasia, Alexandre Silveira (PSD-MG), aliado de Pacheco, ocuparia vaga na Casa.

Aliados de Pacheco atribuem a operação a uma “manobra do governo”. Pessoas próximas a Anastasia garantem que ele não pleiteou o cargo.

Nos bastidores, comenta-se que Carreiro chegou a aceitar o convite e teria escolhido o comando da Embaixada em Portugal. Os responsáveis pela articulação já estariam até viabilizando o agrément de Carreiro junto às autoridades portuguesas, mas o plano ainda não vingou. Carreiro está se vendo obrigado a recuar depois de ter comunicado Sarney da sua intenção de deixar o TCU para assumir a embaixada. O ex-presidente discordou e deixou claro que Renan não aceitaria a manobra.

O plano fez água de vez no sábado passado, quando Renan foi ao Twitter criticar a manobra, classificando-a como “absurda”. No dia seguinte, a senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores, disse que não permitiria o movimento e que, se o plano fosse colocado em marcha, não colocaria em votação a indicação de Carreiro para a Embaixada do Brasil em Portugal.

— Eu não quero acreditar que o ministro Carreiro embarcaria nisso. Numa troca de cargos para colocar alguém no TCU para proteger o presidente Bolsonaro. Eu não colocaria isso em votação — disse a senadora ao GLOBO.

Geopolítica do TCU

Advogados, políticos e ministros do TCU ouvidos pelo GLOBO dizem que o movimento feito pelo Planalto nas últimas semanas é uma tentativa de alterar a correlação de forças atual do tribunal, composto por nove ministros.

A necessidade de obter certa estabilidade no TCU ficou maior por conta da crescente influência do tribunal em decisões e políticas públicas do governo. O auge dessa relevância aconteceu em 2016, quando o TCU rejeitou as contas do governo da então presidente Dilma Rousseff no episódio das “pedaladas fiscais”, abrindo as portas para o seu impeachment. Diversas vezes, Bolsonaro tem repetido que não pode correr o risco de violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para não ter o mesmo destino da petista.

CPI: Entenda as 23 acusações esperadas pelo governo Bolsonaro na comissão

O medo de abrir essa brecha foi um dos motivos que levou o governo a demorar para sancionar a Lei Orçamentária Anual de 2021, o que só ocorreu após intensas negociações e cortes em investimentos para evitar sanções do tribunal.

Eles afirmam que, hoje, o TCU está dividido em três grupos mais ou menos bem definidos. De um lado está o polo composto pelo vice-presidente do tribunal, Bruno Dantas, e pelo ministro Vital do Rêgo. Ambos são ligados ao grupo político de Renan Calheiros, embora transitem bem com a equipe econômica do governo Bolsonaro.

No outro polo, está o grupo capitaneado pelo ministro Jorge Oliveira, que chegou ao cargo em dezembro de 2020. Ele foi ministro de Bolsonaro e é amigo da família há mais de dez anos. Nessa ponta também está o ministro Augusto Nardes. Na semana passada, os dois atuaram como “bombeiros” do governo ao pedir vistas de um processo sobre as ações do Ministério da Saúde no combate à epidemia de Covid-19 e que poderia render multas a Pazuello e membros de sua equipe. Eventualmente, se junta ao grupo o ministro Walton Alencar, que é próximo do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.

Entre esses dois polos estão os outros quatro ministros: a presidente Ana Arraes, Raimundo Carreiro, Aroldo Cedraz e Benjamin Zymler, este considerado um dos quadros mais técnicos do tribunal.

— É normal que o governo faça esse movimento, mas indicar ou ter influência sobre uma indicação não é garantia de decisão favorável no TCU. Todas as decisões mais importantes são colegiadas, e temos um corpo técnico muito qualificado. Não é fácil para um ministro contrariar a equipe técnica — disse um ministro.

Fontes afirmaram ao GLOBO que a ideia do café com o presidente foi do ministro Augusto Nardes. Em princípio, deverão participar Nardes, Oliveira e Carreiro. Nardes, aliás, vai representar Ana Arraes, que vem respeitando medidas de isolamento social por conta da epidemia de Covid-19. Um ministro ouvido pelo GLOBO disse que a iniciativa foi vista como mais um gesto do governo em direção ao tribunal. Após a publicação da reportagem, o ministro Augusto Nardes afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a ideia do café não partiu dele.

Correlação de forças

Para Renan Calheiros, a “operação embaixada” foi um movimento claro do governo para ter mais tranquilidade no tribunal:

— Eu vejo nesse movimento duas coisas. Primeiro, o governo tentou mexer na correlação de forças do Tribunal de Contas, que entende ser desfavorável a ele e está avaliando o orçamento. A outra coisa que eu vejo é o presidente (Pacheco) estava delongando para concretizar isso, delongando a instalação da CPI.

Procurados, Raimundo Carreiro e Jorge Oliveira não responderam aos contatos. O Palácio do Planalto e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, informaram, por meio de suas assessorias, que não se manifestariam. A assessoria de Alcolumbre não se manifestou. Nardes se recusou a dar entrevista, mas enviou nota em que diz ter se sentido “compelido” a pedir vistas do processo sobre as ações do Ministério da Saúde no combate à Covid-19 para “contribuir para os trabalhos” e que seu gabinete ainda está em fase “incipiente de análise” dos documentos relativos à ação.