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Grupos empresariais vão às compras de escolas de educação básica

Mercado movimenta R$ 80 bilhões ao ano e atrai fundos de participação ou investidores da Bolsa
Colégio Grupo Eleva, em Botafogo Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

SÃO PAULO - Até então influenciada por atributos como linha pedagógica, índices de aprovação e estrutura física, a escolha do colégio dos filhos está ganhando um novo critério decisório: os acionistas por trás da lousa.

Capitalizados por fundos de participação ou investidores da Bolsa, grupos especializados em educação básica chacoalham um mercado que movimenta R$ 80 bilhões ao ano, mas ainda é dominado por escolas de bairro.

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Eles chegam com plataformas de tecnologia, gestão profissionalizada, preços agressivos e tendências como educação bilíngue, impondo uma competição com consequências muitas vezes duras para colégios estabelecidos, mais vulneráveis a aquisições.

O movimento é liderado por grupos como Eleva Educação (que tem Jorge Paulo Lemann , o homem mais rico do país, como sócio), Inspira (controlado por um fundo gerido pelo BTG Pactual), SEB (do empresário Chaim Zaher ), Bahema (listado na Bolsa) e o britânico Cognita.

Não entram exatamente em um mercado de crescimento acelerado. Na verdade, desde 2013, o número de alunos das escolas privadas encolheu 2,2%, em parte pela crise. O que interessa para os investidores é o tamanho — receita 60% superior à das universidades — e a pulverização: 40 mil escolas privadas atendem 8,8 milhões de alunos

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— Educação básica é diferente de ensino superior. Sempre haverá escolas locais. Queremos é ser relevantes nas regiões e segmentos em que atuamos — diz Zaher, que já foi um dos maiores acionistas da Estácio.

Ele acrescenta:

— Os pais têm cada vez mais olhado quem são os donos. Isso ficou claro na pandemia, quando grupos maiores conseguiram se adaptar rapidamente ao ensino remoto.

A fragmentação do setor leva à baixa profissionalização da gestão e a fôlego curto para investimentos, beneficiando os grandes grupos.

— Eles entram com metodologia inovadora, preço competitivo e investimento, em um movimento perverso para as escolas de bairro. Essas escolinhas começam a quebrar, o que ainda está sendo exacerbado na pandemia — diz Leonardo Nascimento, da assessoria de fusões Urca Capital.

Infográfico com os principais grupos de educação do país Foto: Editoria de Arte/O Globo

‘Clientes’ por 12 anos

As escolas também são consideradas ativos defensivos, relativamente protegidos das crises e com relacionamento de até 12 anos com os “clientes”, observa Marcell Portugal, da JK Capital. O espaço para consolidação fica claro nos números da Eleva, maior grupo do setor.

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Seus 120 mil alunos são apenas 1,3% do mercado. E isso após ter crescido 2,5 vezes desde 2018. É o mais voraz em aquisições: nos últimos dois anos comprou as marcas CEI, Master, Ideal e CBV e está absorvendo 51 escolas do grupo Cogna, como Colégio pH e Pitágoras. Cada marca cumpre um papel na expansão.

Infográfico com os principais grupos de educação do país Foto: Editoria de Arte/O Globo

  — O Elite está nas periferias, onde podemos operar com marca nacional de crescimento orgânico. No segmento médio, de até R$ 2 mil, precisamos de marca forte localmente. Adquirimos para só depois ampliar a rede. Há cinco anos, compramos o Alfa (PR) com 2,3 mil alunos e hoje temos 9 mil — diz o diretor-executivo da Eleva, Bruno Elias.

A Eleva está prestes a anunciar uma nova aquisição e tem mais oito em avaliação. Rivaliza com ela em apetite a Inspira Rede de Educadores, que fez 16 compras desde o início de 2020.

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Fundada em 2017 por André Aguiar, ex-diretor de operações da Eleva, a companhia recebeu aporte de R$ 350 milhões de um fundo gerido pelo BTG no ano passado.

Outros grupos são mais pontuais, mas também vão às compras. A Cognita se diz “seletiva” e fez três aquisições desde 2019. No período, a Bahema comprou cinco unidades e aumentou a participação em outras, como a Escola Parque, no Rio.

Escola Parque, na Gávea Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo

Os grupos também têm ampliado a abrangência. A Eleva já atua em 12 estados e prepara a abertura de sua marca “ultra premium”, a escola de elite Eleva, no Recife. A Inspira começou pelo Pará, comprando o colégio Physics em 2017. No fim de 2019, a Cognita comprou a Pingo de Gente e Laviniense, em Manaus.

Também exploram modelos diferentes. O SEB é o único apostando com força nas franquias. O carro-chefe é a Maple Bear, rede canadense de colégios bilíngues. Em 2020, Zaher comprou 70% da operação global. Seu portfólio de franquias também inclui Luminova, para as classes B e C, e Sphere, “ultra premium”.

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O SEB tem ainda seis escolas próprias. Uma delas é a Concept, outra “ultra premium”, voltada para pais com aspirações globais para os filhos.

Segundo a consultoria Hoper, a categoria se firmará como um dos focos dos grandes grupos, de olho em mensalidades 230% maiores que a média, que respondem por 20% do faturamento do setor.

Os grupos sustentam que a expansão não se dá em detrimento da qualidade, pelo contrário. Bruno Elias, da Eleva, cita o Pensi, que é líder de aprovação de alunos no IME, e afirma que a padronização operacional permite monitoramento de qualidade aprimorado.

As redes também dizem preservar a presença dos fundadores e a linha pedagógica das escolas que compram.

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— O indicador de qualidade do ensino privado não é tão melhor que o público. Logo, o player que chega entregando qualidade e ganhando escala tem um diferencial — diz Paulo Presse, da Hoper.

Faltam parâmetros

Theresa Adrião, da Faculdade de Educação da Unicamp, coloca em perspectiva o discurso das empresas:

— Como essas escolas não se submetem a avaliações de larga escala, não é possível comprovar o que as propagandas apresentam. O Enem está correlacionado ao nível socioeconômico e é indireto, pois não é obrigatório. Escolas privadas dependem de recursos das famílias, algo bastante desigual. Isso resulta em desigualdades de atendimento e diferenças no padrão de oferta.

Apesar da pressão, há quem resista às investidas. Segundo fontes de mercado, o Centro Santa Mônica, com 14 mil alunos no Rio, sequer aceita sentar à mesa com eventuais proponentes. Escolas como o Anglo-Americano e Notre Dame também são cobiçadas. Segundo interlocutores, muitas vezes os donos resistem por razões afetivas ou por considerarem baixos os valores oferecidos.

De olho nas 'edtechs'

Os grupos educacionais também estão de olho nas edtechs . Metade das 566 start-ups do setor no país foca justamente na educação básica, segundo estudo do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb) e da Abstartups. Nos últimos seis meses, levantaram R$ 1,2 bilhão em aportes, segundo dados da Sling Hub.

— O grande foco do ciclo de aquisições hoje é nas edtechs , com algumas transações emblemáticas acontecendo — diz Leonardo Nascimento, da Urca Capital.

A Eleva comprou em 2020 a Agenda Edu, plataforma digital que conecta pais e professores. Mas os grupos educacionais disputam com fundos de venture capital (capital de risco) um espaço no capital dessas start-ups.

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Em fevereiro, a Descomplica, que tem um curso pré-vestibular on-line, recebeu R$ 450 milhões dos fundos Softbank e Invus Opportunities. Foi o maior investimento já feito em uma edtech brasileira.

O mesmo Softbank fez, em março, aporte de valor não divulgado no UOL Edtech, que usou parte dos recursos para comprar outra start-up semanas depois: a plataforma on-line Passei Direto.