Por Gabriel Barreira, G1 Rio


'Risco de parar': o que dizem reitores e alunos sobre crise nas universidades federais

'Risco de parar': o que dizem reitores e alunos sobre crise nas universidades federais

A reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Pires Carvalho, concedeu entrevista coletiva nesta quarta-feira (12) sobre os cortes no orçamento que, segundo ela, inviabilizam o funcionamento das universidades.

Em 11 anos, como mostrou o G1, orçamento do MEC para as universidades federais caiu 37%.

Denise recordou que, apesar do ensino remoto, os laboratórios de pesquisa e os hospitais da instituição continuam funcionando. Os cortes, segundo ela, podem gerar um "apagão na ciência e tecnologia" no que qualificou como emergência sanitária mundial, em alusão à pandemia de Covid-19.

"Esses bloqueios e esses cortes inviabilizam essas instituições de estado", disse ela.

"Nossa conta de luz não é decorrente só das salas de aula. Como manter leitos abertos, como manter laboratórios funcionando, como manter o sonho da vacina brasileira sem que consigamos pagar nossa conta de luz, nossa conta de água? E o que é mais grave: os contratos de segurança e limpeza dos nossos prédios", concluiu.

O que pode ser afetado?

  • testagem para Covid-19
  • pesquisa de duas vacinas contra Covid-19
  • redução de leitos hospitalares e atendimentos
  • insumo para pesquisa
  • manutenção e limpeza predial/hospitalar
  • segurança
  • bolsas acadêmicas
  • melhoria do ensino remoto
  • energia elétrica e água
  • combate ao incêndio

A reitora diz que, com o orçamento atual, as atividades se tornam inviáveis e pede um maior aporte para conseguir cumprir com as obrigações.

"Se tivermos (o orçamento nos patamares de 2020) poderemos tentar terminar o ano com as atividades que são para além da formação de estudantes", avaliou.

UFRJ tem corte no orçamento discricionário — Foto: Editoria de Arte/G1

Pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças, Eduardo Raupp, afirma que a universidade precisaria de pelo menos R$ 330 milhões anuais para pagar as contas. Ele garantiu que vai manter o pagamento de bolsas e auxílios, após realizar um remanejamento.

Atualmente, com R$ 81,7 milhões em caixa, são possíveis, no máximo, três meses de funcionamento. A partir daí, a UFRJ vai depender da solidez financeira de fornecedores terceirizados de limpeza, segurança e manutenção, por exemplo.

"As empresas terão capacidade financeira de seguir pagando salário sem receber da UFRJ? Os insumos que precisamos dos hospitais, EPIs, como compraremos sem verba?", questionou.

"Isso não é uma fatalidade, é uma escolha política de uma locação de recursos", afirma Raupp.

O risco de fechamento no meio do ano por falta de verba foi revelado em um artigo no "O Globo". A instituição não é a única a sofrer com a redução de recursos no país.

Ao G1, o vice-reitor da UFRJ, Carlos Frederico Leão Rocha, afirmou que "não dá para manter" o funcionamento com o orçamento destinado.

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) informou que reduziu recursos discricionários da rede federal de ensino superior “de forma linear, na ordem de 16,5%”.

Ainda segundo o texto, o MEC "não tem medido esforços nas tentativas de recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias". A pasta afirma ainda que está promovendo ações para que o orçamento seja disponibilizado na totalidade (leia a nota na íntegra ao fim da reportagem).

R$ 31 milhões por mês

Segundo dados da assessoria de imprensa da UFRJ, o orçamento discricionário da universidade caiu R$ 340 milhões em 10 anos: de R$ 639 milhões em 2011 para R$ 299 milhões em 2021.

VÍDEO: Com bloqueio de verba, UFRJ corre risco de fechar as portas; entenda

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Orçamento discricionário é a verba reservada para pagamentos com gastos como água, luz, segurança, estrutura física das unidades, além de alimentação e alojamento de alunos. Repasses obrigatórios, como para o pagamento de pessoal com salários, não entram nesta conta.

A universidade afirma ainda que, além do impacto pela inflação, houve aumento de vagas e da estrutura física da universidade. Ou seja, em vez de corte, seria necessário um aumento do orçamento.

Câmpus da UFRJ no Fundão — Foto: Reprodução/TV Globo

Dos R$ 299 milhões reservados para 2021, ainda de acordo com a UFRJ, R$ 152,2 milhões ainda dependem de suplementação no Congresso Nacional. E, desse valor, R$ 41,1 milhões foram bloqueados pelo governo federal.

O total de investimentos da universidade para 2021, portanto, seria de R$ 258 milhões, valor equivalente ao orçamento de 2008.

Naquela época, a UFRJ tinha 34 mil alunos de graduação. Atualmente, são mais de 57 mil, ainda de acordo com dados da universidade.

UFRJ corre o risco de fechar após bloqueio de verba

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O gasto mensal da universidade, segundo o vice-reitor Carlos Frederico Rocha é de cerca de R$ 31 milhões.

"Nós, da administração, vamos manter a universidade aberta até o último recurso. Não há nenhuma intenção de fechar a universidade, mas estamos alertando que, com esse orçamento, pode não ser possível. Chega um momento que tem um limite e esse limite vai depender, inclusive, da solidez financeira dos nossos fornecedores."

O vice-reitor explica que, em alguns casos, os fornecedores podem receber apenas no ano que vem.

Com a verba destinada anualmente às universidades, ele se diz pessimista.

"Não vejo perspectiva de um ano que vem melhor. O fato é que não dá para manter uma universidade com o orçamento que nos é destinado. Não tem nenhum indicativo que isso vá mudar".

'Desprezo com a população'

No artigo ao "Globo", os reitores ressaltam que as "universidades públicas estão na linha de frente dos desafios" da Covid-19.

A UFRJ, por exemplo, realizou testes moleculares padrão ouro por RT-PCR quando a rede privada não tinha esses diagnósticos.

Coordenadora do Instituto de Economia (IE/UFRJ), a professora Marta Castilho afirma que há "incerteza" sobre o futuro.

Ela explica que, mesmo com boa parte do ensino à distância em meio à pandemia na sua área, há atividades presenciais como as da área de Saúde e de pesquisa.

"É muito doloroso ver as várias facetas desse desprezo com a população. Desprezo à ciência, que pode trazer soluções sanitárias, e também com a vida desses estudantes."

Entre alunos e professores, ela conta, há uma grande apreensão. A coordenadora do IE/UFRJ espera que uma mobilização para além da comunidade acadêmica impeça o fechamento.

"Fechar seria simbólico pelo lado da desvalorização da ciência, simbólico pelo lado da desvalorização da educação e simbólico pelo menosprezo à vida desses mais de 50 mil estudantes", diz.

Um abaixo-assinado de estudantes da UFRJ em defesa do orçamento da universidade pública obteve mais de 75 mil assinaturas até o fim da tarde de terça (11).

No artigo ao "O Globo", a reitora Denise Pires de Carvalho e o vice-reitor Carlos Frederico Leão Rocha dizem ainda que a UFRJ "fechará suas portas por incapacidade de pagamento" e que o "governo optou pelos cortes e não pela preservação dessas instituições".

"A universidade está sendo inviabilizada. Em dez anos, nos restará perguntar onde estará a capacidade de resposta na próxima emergência sanitária e qual será a opção terapêutica milagrosa que colocarão à venda", conclui o texto.

O que diz o MEC

"O Ministério da Educação (MEC) informa que, para encaminhamento da Proposta de Lei Orçamentária Anual referente ao exercício financeiro de 2021, houve situação de redução dos recursos discricionários da pasta para 2021, em relação à LOA 2020, e consequente redução orçamentária dos recursos discricionários da Rede Federal de Ensino Superior, de forma linear, na ordem de 16,5%.

Durante a tramitação da PLOA 2021, em atenção à necessidade de observância ao Teto dos Gastos, houve novo ajuste pelo Congresso Nacional, bem como posteriores vetos nas dotações.

Não obstante a situação colocada, O MEC tem não tem medido esforços nas tentativas de recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias das IFES.

O Ministério esclarece ainda que, em observância ao Decreto nº 10.686, de 22 de abril de 2021, foram realizados os bloqueios orçamentários, conforme disposto no anexo do referido decreto.

Para as universidades e institutos federais, o bloqueio foi de 13,8% e reflete exatamente o mesmo percentual aplicado sobre o total de despesas discricionárias, sem emendas discricionárias, sancionado e publicado na Lei nº 14.144, de 22 de abril de 2021 – LOA 2021.

Importa lembrar que o bloqueio de dotação orçamentária não se trata de um procedimento novo, tendo sido adotado em anos anteriores, a exemplo de 2019 (Decreto nº 9.741, de 28 de março de 2019, e da Portaria nº 144, de 2 de maio de 2019).

Com relação aos demais bloqueios deste Ministério, foram realizadas análises estimadas das despesas que possuem execução mais significativa apenas no segundo semestre, a fim de reduzir os impactos da execução dos programas no primeiro semestre.

O MEC está promovendo ações junto ao Ministério da Economia para que as dotações sejam desbloqueadas e o orçamento seja disponibilizado em sua totalidade para a pasta.

Ressalte-se que não houve corte no orçamento das unidades por parte do Ministério da Educação. O que ocorreu foi o bloqueio de dotações orçamentárias para atendimento ao Decreto. Na expectativa de uma evolução do cenário fiscal no segundo semestre, essas dotações poderão ser desbloqueadas e executadas".

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