Por G1 SP — São Paulo


O filósofo José Arthur Giannotti. — Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

O filósofo José Arthur Giannotti morreu na manhã desta terça-feira (27), aos 91 anos, em São Paulo. A causa da morte não foi divulgada.

Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Giannotti era um dos maiores nomes da filosofia brasileira e se dedicou ao estudo de autores como Karl Marx, Martin Heidegger e Ludwig Wittgenstein.

A morte foi confirmada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que publicou um comunicado oficial.

“É com imensa tristeza que o Cebrap recebe a notícia do falecimento de um de seus fundadores, o prof. José Arthur Giannotti. Aos familiares e amigos que tiveram o privilégio de conviver com Giannotti, um dos maiores intelectuais brasileiros, nossas sinceras condolências”, afirmou.

Em notas, a direção da FFLCH e a reitoria da USP lamentaram a morte.

"À imensa dor que todos sentimos acrescentam-se de imediato a consciência de uma perda irreparável, o reconhecimento de uma figura ímpar, a visão, nestas terras brasileiras por vezes tão pantanosas, de um gigante moral e intelectual que tomba como um herói homérico que lutou incansavelmente em prol da reflexão, em nome da verdade, que honrou como ninguém a integridade ética de um pensamento altamente exigente e, ao mesmo tempo, exuberante", diz texto assinado pelo Prof. Dr. Marco Zingano. (leia nota completa abaixo).

Professor José Arthur Giannotti, em foto de 2014. — Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Publicações

Entre os livros publicados por Giannotti estão "Origens da dialética do trabalho: estudo sobre a lógica do jovem Marx", tese de livre-docência defendida em 1966 e publicada em 1985, e "Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade", de 1983.

No ano passado, aos 90 anos, lançou "Heidegger/Wittgenstein: confrontos". Em entrevista à revista Época, ele disse que se tratava de seu "melhor livro".

Com quase 500 páginas, a publicação esmiúça o pensamento do alemão Martin Heidegger (1889-1976) e do austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951).

Biografia

José Arthur Giannotti nasceu em São Carlos, no interior de São Paulo, em 25 de fevereiro de 1930. Seu pai se mudou para a capital paulista porque queria que todos os quatro filhos tivessem educação superior.

Giannotti ingressou na Universidade de São Paulo na década de 1950 e tornou-se professor livre-docente em 1960. Foi professor emérito da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL/USP) e diretor do Departamento de Filosofia.

Também lecionou na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e foi professor titular na área de Filosofia política no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-UNICAMP).

Ajudou a fundar o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em 1969, onde permaneceu como pesquisador sênior.

Também teve participação na política nacional, tendo participado do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) como membro da Comissão Nacional de Educação.

Nota USP

"Com imensa tristeza, o Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo comunica que, nesta terça-feira, 27 de julho de 2021, faleceu o professor e filósofo José Arthur Giannotti, Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e nosso mestre, colega e amigo:

É muito difícil redigir uma nota para anunciar o falecimento do prof. José Arthur Giannotti. À imensa dor que todos sentimos acrescentam-se de imediato a consciência de uma perda irreparável, o reconhecimento de uma figura ímpar, a visão, nestas terras brasileiras por vezes tão pantanosas, de um gigante moral e intelectual que tomba como um herói homérico que lutou incansavelmente em prol da reflexão, em nome da verdade, que honrou como ninguém a integridade ética de um pensamento altamente exigente e, ao mesmo tempo, exuberante.

Poderia citar as suas diversas condecorações, mencionar um a um seus tantos livros que pautaram a reflexão filosófica brasileira para tantas gerações, os seminários em que nos transportava com tanta maestria às mais delicadas e cogentes reflexões, suas intervenções de natureza política de extrema lucidez, seus comentários ácidos e penetrantes sobre a alma brasileira, sua sensibilidade maximamente aguçada às questões fundamentais, ao que de fato importa: o belo, a verdade, o bem.

Deixarei tudo isso de lado, pois imagino o sorriso tipicamente italiano que faria ao escutar tal relato, o gesto seguro de uma modéstia, uma real modéstia, para indicar que nada ainda foi dito: Giannotti estava sempre à nossa frente, estava muito além de todos nós, via o que não conseguíamos ver e, mesmo assim, se dedicava inteiramente a nos fazer ver o que somente ele conseguia vislumbrar.

Assim era Giannotti: inescapavelmente solitário em sua capacidade de ver o que foge a tantos, sempre voltado, no entanto, a nos instruir, a nos fazer ver, mas sempre certo de que entrevê o que é fugaz e instável, pois está em constante diálogo interno com seu próprio daimon e sua implacável crítica. Assim é o filósofo.

Não posso deixar de mencionar sua generosidade exemplar, suas habilidades culinárias invejáveis, sua veia estética prodigiosa. Sobretudo, sua amizade indefectível porque profundamente humana. Gilles Gaston-Granger, Claude Lefort, Victor Goldschmidt, Jules Vuillemin, Gérard Lebrun tornaram-se de imediato seus amigos, para citar somente alguns. Bento Prado Júnior e Oswaldo Porchat, a despeito de todas as suas diferenças, formaram com Giannotti um trio que pôs São Paulo no centro das reflexões filosóficas mundiais, bem como da busca de justiça em um país de tanta desigualdade.

A ditadura militar tentou destruir sua carreira, mas Giannotti fundou o CEBRAP e lá criou um ambiente propício para pensar o Brasil que tanto amava, criando um programa de formação de quadros para tirar o país de seu atoleiro. Jamais cedeu às tentações do poder nem faltou com a verdade por acalentar algum projeto pessoal. Tudo nele era íntegro, verdadeiramente íntegro, profundamente íntegro. É esta a imagem que guardo dele, quando saí por última vez de um jantar e o vi, do alto da escada que levava ao seu gabinete de trabalho, acenar o adeus: um gigante homérico, um intelectual insubstituível, um homem que fez da vida a mais bela expressão da potência humana.

Prof. Dr. Marco Zingano
​​​​​​​Departamento de Filosofia FFLCH USP "

"Foi com grande tristeza que tomei conhecimento do falecimento do Prof. Dr. José Arthur Giannotti, Professor Titular e Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, que deixa um brilhante legado nos meios acadêmicos, sociais e políticos em nosso País.

Diante de perda tão lamentável, peço-lhe a gentileza de estender aos docentes, funcionários e alunos dessa Faculdade os meus sentimentos e a minha solidariedade.

Vahan Agopyan
Reitor"

O filósofo José Arthur Giannotti, referência crítica do pensamento marxista e professor emérito da USP. — Foto: Reprodução/Cebrap/Youtube

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