Daiane dos Santos (Foto: Gustavo Pitta)

Daiane dos Santos (Foto: Gustavo Pitta)

Há quem lembre das reboladinhas da coreografia de Brasileirinho. Há quem use a expressão 'duplo twist carpado' para qualquer tipo de acrobacia. E, em um recorte mais amplo, há quem lembre de um único nome quando se fala de ginástica artística brasileira: Daiane dos Santos. Em 2003, a gaúcha foi a primeira atleta brasileira a se tornar campeã mundial de ginástica artística. Também foi a primeira atleta negra do mundo a conquistar a medalha de ouro. Também fez parte da primeira equipe completa de ginástica feminina que o Brasil levou para os Jogos Olímpicos, em 2004. Hoje, ela é a principal comentarista da modalidade em programas esportivos e dirige um projeto social em Paraisópolis, São Paulo, batizado com o indissociável nome de Brasileirinhos.
Em uma conversa inspiradora e emocionante, Daiane falou com exclusividade a Marie Claire sobre a expectativa desse tão peculiar Jogos Olímpicos 2020, representatividade, racismo e elitismo no esporte e ainda relembra detalhes da sua apresentação mais emblemática.

Marie Claire - Pela primeira vez na história, teremos Jogos Olímpicos sem plateia. Como você, que sempre anima a torcida, acredita que vai ser essa experiência? Você acha que isso pode influenciar nos resultados?
Daiane dos Santos:
Essa edição vai ser completamente diferente em vários sentidos. Esses são os primeiros jogos adiados. Já tiveram dois cancelados, por conta de guerras, mas nunca tinham sido adiados. Primeira vez na história que isso acontece. Acho que só esse fator já muda tudo: a organização dos atletas, o formato de treino, a adaptação. Os atletas já estão há mais de um ano nesse ritmo de isolamento, como todo mundo, e isso faz com que eles entrem nessa adaptação geral, que inclui método de treino e o estilo das competições. É claro que o público faz muita diferença, faz parte da festa, deixa tudo mais caloroso, mais alegre. Quando o atleta precisa daquela força extra, a torcida empurra, leva pra frente. Mas neste momento, muitos atletas já estão competindo, principalmente na Europa, e já estavam competindo sem público. Então, pelo o que eu já ouvi, eles já se adaptaram um pouco com essa situação. Mas acho que o mais importante é lembrar que isso não significa que não vai ter torcida. Cada um deve fazer a sua torcida através das redes sociais, marcando os atletas que mais gostam, incentivando. Todos eles passaram por momentos muito difíceis até chegar aos Jogos Olímpicos, foi bem difícil para as equipes, para manter todo mundo motivado nesse meio tempo. Então a torcida é muito importante, mesmo que de maneira online. A gente precisa mandar toda a energia positiva possível para os atletas, criando uma corrente, mesmo que à distância.

Marie Claire: Como é feito o apoio emocional para os atletas? Mudou muito da época que você competia?
Daiane:
De alguns anos para cá teve uma diferença muito grande em relação ao preparo dos atletas. Começaram os trabalhos de especialistas. Antigamente a gente pensava que para um atleta ser campeão olímpico só era preciso o treinador e o ginasta. Hoje a gente vê que é muito mais: nutricionista, psicólogo, coaches, preparadores físicos - não só o treinador no ginásio. As equipes multidisciplinares vão ajudar no desempenho do atleta de uma forma mais completa. Eu ainda peguei um pouco isso, em Londres, em 2012, estava começando essa questão da equipe multidisciplinar, mas é uma coisa muito nova no Brasil, que em outros lugares já tinha essa compreensão. Eu assisti uma live com os psicólogos do Comitê Olímpico do Brasil falando sobre a preparação dos atletas para passar pela pandemia. Assim como a gente, eles enfrentaram ansiedade, medo, sensação de perder a vida, perder alguém, perder a liberdade, a falta de contato. Uma das coisas muito fortes do esporte é o contato - e foi tudo o que a gente não teve no último ano. Foi preciso fazer um trabalho muito intenso para ajudar os atletas a canalizar essa energia. A gente fala muito sobre inteligência emocional, e isso ajuda a canalizar e ter a energia certa para aquele momento, para colocar em prática, no momento da competição. Junto com todas as outras questões também teve muita ansiedade, que veio junto com a pandemia.

Marie Claire: Você foi a primeira atleta brasileira a ganhar medalha de ouro no Mundial de Ginástica Artística, em 2003. Como isso mudou a sua carreira? Você competiu sabendo que iria ganhar?
Daiane:
Naquele ano as coisas deram muito certo porque o meu foco não estava na medalha do Mundial. Em 2003 a gente tinha um objetivo bem claro que era manter um bom desempenho para que, pela primeira vez, a gente pudesse levar uma equipe completa de ginástica para os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004. Até então o Brasil nunca tinha conquistado esse espaço, de levar seis ginastas, para competir em todos os aparelhos, e era o nosso maior desejo. E para aquilo acontecer, cada uma de nós teria que dar o seu melhor. O meu foco foi voltado primeiro para estar na equipe, conquistar a vaga. Eram 22 meninas e seis vagas. Depois, o foco estava em formar essa equipe completa. E a preparação foi tão bem construída que vieram outros resultados. E entre tudo, veio a medalha do mundial. Mas eu estaria mentindo se eu dissesse que o meu foco estava na medalha. Não, meu foco, e de toda a equipe, estava voltado para a equipe, para o grupo. Era um objetivo muito difícil. A gente tentou quatro anos antes, para classificar para Sydney, e não conseguimos. Eu fiz parte dessa seleção que tentou e não conseguiu e isso se tornou uma questão de honra. E a partir do momento que a gente entrega o nosso máximo, e as coisas acontecem, e é a nossa hora, o resultado vem. Se for pensar, o que é resultado em equipe? É sempre dar o teu melhor, pessoal. Porque não tem como fazer o outro dar o melhor dele. Só consegue colaborar para o conjunto dando o teu melhor, individual.
 

Daiane dos Santos, medalha de ouro no Campeonato Mundial de Ginástica, 2003 (Foto: Getty Images)

Daiane dos Santos, medalha de ouro no Campeonato Mundial de Ginástica, 2003 (Foto: Getty Images)

Marie Claire: A medalha foi um grande marco, mas também teve o impacto do espetáculo. Foi uma apresentação muito bonita, muito representativa. Como foi a decisão de escolher "Brasileirinho"?
Daiane:
A gente viveu um momento muito feliz do Brasil. A gente foi capaz de mostrar um pouco da cultura brasileira através da ginástica. A ideia era essa. Em 2003 para 2004, o objetivo era de que todas as atletas trabalhassem com música brasileira. Toda a equipe tinha música brasileira. Queríamos mostrar a diversidade do Brasil, culturas diferentes, ritmos diferentes, cores diferentes. Por meio do esporte a gente conseguiu mostrar a cultura brasileira, tão bonita e tão rica, para o mundo todo. E aí a gente vem com essa música perfeita - a ideia não foi minha, nem da equipe, foi do pai da nossa coordenadora. Estávamos na busca pela música ideal, começando a criar a série e ele falou 'olha, acho que a Daiane deveria fazer com Brasileirinho'. E ninguém tinha pensado em nada disso. Na época eu queria muito Aquarela do Brasil, acho linda. Mas quando ouvi o Brasileirinho foi aquela coisa: "achamos!". E aí passa por todo aquele processo de edição, porque a música é um chorinho, o Waldir [Azevedo] deixou esse presente para mim, mas precisava acelerar um pouco a música, porque eu sou uma pessoa acelerada. Dentro das escolhas das músicas que a gente faz para cada atleta, a ideia é sempre olhar para a representatividade de cada uma. Se fosse uma ginasta mais clássica, teria que ser uma música mais lenta. No meu caso, a gente fez aquela mistura, colocou um pouco de berimbau, que tem muito a ver com a cultura brasileira, com a herança africana, e deu super certo. O mais legal é que a gente pensou muito na reação dos brasileiros, sabia que todo mundo adoraria. Mas o mundo inteiro adorou. As pessoas ficaram muito animadas, emocionadas. Eu olhava e via as pessoas fazendo junto comigo, principalmente a parte que vem balançando as mãos para frente - e também aquela sambadinha estilizada, não exatamente a que eu gostaria, eu queria fazer igual a desfile de escola de samba (risos), mas quando eu olhava, as pessoas estavam fazendo juntas. E isso fez a gente ter noção do quanto a ginástica estava mesmo no coração das pessoas. O Brasileirinho nos deu esse feedback.

Marie Claire: E os árbitros? Vocês não tiveram medo de que eles não entendessem? Foi uma escolha arriscada?
Daiane:
A gente estava querendo ousar mesmo. A ideia era essa. E o engraçado é que isso é o que a gente vê na ginástica hoje. Há um tempo as pessoas me perguntavam se eu achava que eu tinha sido de vanguarda, atemporal, e eu dizia que não… Mas hoje eu vejo, e as pessoas comentam, que a gente, a equipe toda, estava a frente mesmo. Vejo o que as meninas fazem e fico muito emocionada, muito animada. Durante os comentários das transmissões eu fico dançando junto: tem blues, jazz, música eletrônica, ópera, Beyoncé. Isso é muito legal. E não só a música, tem a dança, a coreografia, caras e bocas, tem sensualidade. Essa interpretação tem encantado muito as pessoas - e os árbitros têm gostado muito disso. Já tava todo mundo cansado de estilos tão iguais. É importante quando a gente consegue ver essa diversidade e expor culturas diferentes. A ginástica é para todo mundo, todas as culturas, todas as etnias, todos os ritmos.


Marie Claire: A ginástica é um dos poucos esportes que tem uma estética tão cuidadosa. Existe um protocolo, regras em relação à roupa, cabelos, maquiagem? Você se identificava com essa estética?
Daiane:
É um esporte artístico, né? Então a gente tem uma conexão muito grande com a parte estética. A única restrição é em relação ao cabelo: se for longo, volumoso, e vai pegar no rosto, precisa prender. Não pode atrapalhar nem a visão nem os movimentos. Brincos, só se forem pequenos, não pode argolas, pingentes. Mas tudo por uma questão de segurança. Fora isso, pode tudo. E essa vaidade, a ginástica mudou muito em mim. Eu sempre fui uma menina muito moleque. Meu irmão menor sempre diz que eu melhorei muito. A minha relação com o esporte fez com que isso acontecesse aos poucos, vendo as meninas se maquiarem. E a gente sempre se maquiou sozinha, não tinha nenhum profissional. Ah, uma coisa que mudou foi que na minha época, faz nove anos que eu parei de treinar, a gente não passava base. Até hoje eu não sou muito acostumada, só para gravar para a TV mesmo. Só passo um rímel. Mas hoje a gente vê cada maquiagem. Eu amo! Tem esses delineadores incríveis, com certeza elas acompanham esses tutoriais de maquiagem, certeza. Tem uma ginasta, Danusia May-Francis, britânica naturalizada jamaicana, que tem o cabelo crespo, descolorido, e ela prende, deixa meio solto, é lindo e não tem problema, não desconta pontos, nada. Ela deixa um rabo de cavalo meio estilizado E tem surgido uma sequência de ginastas com cabelos diferentes, crespos, com tranças. Mudou muito a estética. Já tinha esse olhar, mas era uma estética certinha. Hoje é muito mais livre, mais solto. A ginástica fica ainda mais artística. E mostra mais a personalidade da atleta. Nunca foi uma restrição, era um padrãozinho mesmo.

Daiane dos Santos (Foto: Gustavo Pitta)

Daiane dos Santos (Foto: Gustavo Pitta)

Marie Claire: Você conquistou a primeira medalha de ouro na ginástica brasileira. Mulher e negra, Você acha que isso deu ainda mais peso para o sua conquista?
Daiane:
Ah, é difícil falar da gente… mas eu sinto pelo o que as pessoas falam. A questão da representatividade. A gente não falava tanto sobre isso na época, mas é uma coisa natural de acontecer. Quando a gente vê uma pessoa preta em um lugar, ela representa todas as pessoas pretas. Mostra que é um lugar possível. E ainda mais em esportes que não são os que as pessoas estão acostumadas a ver uma pele escura. E a repercussão foi mundial, porque eu não fui a primeira negra brasileira, fui a primeira ginasta negra do mundo a ganhar uma medalha de ouro. A Dominique Dawes, uma outra ginasta negra, em quem eu me inspirei muito, foi medalhista mundial, terceiro lugar no solo. Até porque na época, a gente não tinha tantas negras competindo. Em Atenas, na seleção brasileira eram duas, eu e a Ana Paula. Mas em Pequim eu era a única da minha equipe. Mas o que eu sinto é que depois da medalha, eu vi uma entrada muito grande de meninas negras no esporte. Quando eu entrei na ginástica tinham outras meninas negras, no meu clube mesmo, no União, em Porto Alegre, tinham outras. Mas na competição de elite, tinham muito poucas. Mesmo nas outras seleções da Europa, dos Estados Unidos. Muitas competições eu fui e era a única negra. Na minha época, eu sabia desse papel. Sempre foi muito claro na minha cabeça isso, meu pais sempre trabalharam isso em mim. No Sul, a criança preta é muito empoderada, é uma questão de sobrevivência. Dizem que lá é apenas 14% de pessoas negras. Eu acho que é mais…. Mas a questão do exemplo foi sempre uma coisa muito forte na minha família. A minha irmã mais velha ser exemplo para mim, eu ser exemplo para a minha irmã mais nova… Não é uma coisa pensada, planejada, era natural. Mas eu vi essa mudança. A presença de uma menina negra dá mais confiança para outras que virão. É muito importante que isso aconteça, que venham outros meninos e meninas negras, que estejam em locais que sejam os únicos, ou os primeiros. E que os outros entendam que aquele lugar também é deles. Que não é a cor da pele que vai restringir. O que tentam fazer é nos oprimir. Fazer com que a gente se sinta tão mal a ponto de a gente não se sentir pertencente e nem merecedor daquele lugar. E aí vai muito do trabalho da família. Hoje isso é ainda mais claro para mim, a importância não só da presença, mas da fala. De a gente realmente mostrar pros jovens e para as famílias negras que a gente tem esse potencial. Muitas vezes o bloqueio vem da família, dos anos de opressão que viveram.
E o resultado disso é que dentro da seleção de ginástica artística hoje, a maioria é negra. A Seleção oficial da ginástica feminina, a maioria é negra. Então tem muito de pensar: se a Daiane está aqui, se ela chegou, eu também posso. E essa corrente do bem, de motivação, que vá adiante, que a gente mostre para as pessoas, não só para os atletas, que somos merecedores. Meu pai sempre me disse que era um dever meu, como cidadã, mostrar a realidade do povo negro, a minha realidade como mulher negra, que eu me gosto, me cuido, amo a minha cor, não tenho vergonha nem da cor e nem da condição social. E isso ficou ecoando muito em mim. Ter orgulho da tua etnia é uma coisa natural. E essa é uma troca para todos, uma conversa para negros e para brancos. Só quando a sociedade toda entender isso é que as pessoas vão se sentir livres para se aceitar.

Marie Claire: Às vésperas das Olimpíadas voltou ao debate o episódio de racismo sofrido por  Ângelo Assumpção. Sobre a história dele ter sido esquecida, de ele não ter apoio, patrocínio para treinar para os Jogos. Você concorda? Ele foi mesmo prejudicado?
Daiane:
Então… Não tenho falado muito sobre essa questão do Ângelo e do Nory. Eu conheço os dois desde que eles tinham oito anos e tem muita coisa atrás dessa história que as pessoas não sabem. Então, se eu não vou ajudar, não vou atrapalhar. Eu já conversei muito com os dois. Muita gente não sabe, mas eles eram melhores amigos e antes do ocorrido, já tinha acontecido muita coisa. O  ngelo não treina já há um tempo. E também tem todo o sigilo do processo, então resolvi não me meter, porque é uma história em que não tem ninguém certo. Muitas pessoas negras vieram me cobrar, para eu me posicionar. Mas tem muitas questões ali. A gente ainda vai entender onde houve o erro de cada um na situação. Tudo o que a gente faz, como pessoa negra, nunca é só para a gente. E se eu for me posicionar, eu quero ter certeza de que isso vai ajudar a minha causa. Eu conversei com os dois, vi as cenas, a situação foi realmente asquerosa. Não tem nenhuma justificativa que leve a criar uma situação daquelas. Mas outras coisas existem atrás dessa história, e isso as pessoas não sabem.
 

Marie Claire: Em sua experiência pessoal, você chegou a sofrer algum episódio de racismo dentro da equipe, na carreira como ginasta?
Daiane:
Acho que não existe uma pessoa preta que não tenha sofrido racismo na vida. O que acontece é que muitas pessoas não entendem o que estão passando, não sabem diagnosticar. No meu caso, sempre foi tudo muito sutil: um olhar diferente, um tratamento diferente. Uma levantada de voz. Várias situações que a gente consegue entender que é sempre a mesma cor que sofre. As vezes é pessoal mesmo, com a Daiane, a pessoa pode não gostar de mim. Mas a gente sabe quando é preconceito racial. E é aí que entra a estrutura familiar, de ter alguém ali te dizendo para ficar, para aguentar, porque vai passar e vai dar certo. Comigo, houve situações na seleção, nos clubes, de pessoas que não queriam ficar perto, que não queriam usar o mesmo banheiro! Aquele tipo de coisa que nos faz pensar: opa, voltamos à segregação. Banheiros para brancos e banheiros para pessoas de cor. Teve muito isso dentro da seleção. E além da questão da raça, tem a questão de vir do sul, de não ser do centro do país, de ter origem humilde. Ou seja: ela é tudo o que a gente não queria aqui! E aí é óbvio que precisa de uma rede de apoio para te manter estruturada, para aguentar firme. Eu fingia que não ouvia, porque eu sabia que eu não precisava daquelas pessoas para chegar onde eu queria chegar. Quem eu precisava já estava do meu lado. Eu sei que isso parece muito seco, muito duro, e até muito fácil. Mas eu sempre tive isso dentro de mim, é da minha personalidade, vou muito pelo o que eu quero, sou muito teimosa. Teimosa e com a confiança de ter tido uma educação muito consciente em casa.

Daiane dos Santos (Foto: Gustavo Pitta)

Daiane dos Santos (Foto: Gustavo Pitta)

Marie Claire: E o seu projeto social Brasileirinhos? Continua firme?
Daiane:
O projeto continua sim. Ainda estamos no modo online, não voltamos presencial. Mas em agosto vamos abrir um segundo núcleo. O primeiro é em Paraisópolis, e a gente está abrindo um segundo núcleo no Aricanduva - os dois são nos CEUs (Centro Educacional Unificado). E a ideia é ampliar e levar também para Porto Alegre. Estou nessa batalha há um tempão. Mas estamos firmes e fortes, o Brasileirinhos tem tido bastante apoio e alguns patrocínios, empresas que querem participar do projeto. Estamos conseguindo um bom trabalho com as crianças. A gente tem muito carinho pela comunidade de Paraisópolis, e a gente recebe muito carinho de volta. No Aricanduva, ainda nem começamos e a comunidade já está muito feliz, participativa. É um retorno muito positivo. Mas além de ampliar as unidades, queremos também ampliar para outras modalidades além da ginástica.

Marie Claire: E com tanta experiência, você nunca pensou em ser treinadora?
Daiane:
Teve um momento específico que eu entendi que eu não seria uma boa treinadora: no final do curso de Educação Física eu fiz estágio, e durante esse período eu dei treino para crianças. Mas lá eu entendi que ser treinador é um dom, e que eu não tenho… Cada um tem um dom, mas esse não é o meu. Uma coisa é dar aulas de vez em quando, falar com os alunos, mas no dia a dia não daria. Quando eu fiz estágio eu estava no ginásio treinando uma menina, pedi para ela fazer mais uma sequência e ela começou a chorar. E eu não entendi nada. Ela era muito boa, mas sempre chorava. Então eu fui conversar e ela me disse que não queria treinar tanto, que queria treinar só um pouco. E isso não fez nenhum sentido para mim. Como assim, não gosta de treinar? Ela disse que gostava do grupo, das amigas, que a mãe dela gostava muito de ginástica, mas que para ela treinar um pouquinho já estava bom. E isso não encaixava na minha cabeça, porque ela era boa. E só depois caiu a ficha de que ela tem o direito de não querer. E aí eu entendi que este 'não querer' dos alunos seria uma frustração para mim como treinadora. O bom treinador é aquele que entende o seu aluno, entende o seu ginasta. Eu, na idade dela, queria muito. A minha referência é a dedicação que eu tinha. Acho que por isso não iria funcionar mesmo.