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Economia

'Falta de previsibilidade prejudica investimento’, diz CEO da Pirelli para América do Sul

Cesar Martin Alarcon afirma que planos da fabricante de pneus no país estão mantidos, mas ressalta que convencer a matriz italiana da aposta não é fácil
Cesar Alarcon. “Estamos trazendo para o Brasil tecnologia para produzir pneus para carros elétricos”, diz CEO da Pirelli para América do Sul Foto: Divulgação
Cesar Alarcon. “Estamos trazendo para o Brasil tecnologia para produzir pneus para carros elétricos”, diz CEO da Pirelli para América do Sul Foto: Divulgação

SÃO PAULO- Assim como toda a indústria automobilística, a fabricante de pneus Pirelli também foi impactada pela pandemia de Covid-19. As três fábricas do Brasil tiveram férias coletivas no ano passado, mas a produção já voltou com os três turnos e os projetos de investimento no país foram mantidos.

Em entrevista ao GLOBO, o argentino Cesar Martin Alarcon, CEO da Pirelli para a América do Sul, diz que, apesar da retomada, a desvalorização do real frente ao dólar é um fator que preocupa.

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E que a falta de previsibilidade do governo dificulta os investimentos da multinacional italiana.

Como exemplo, cita a redução da alíquota de importação de pneus de caminhão, determinada em janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro.

A medida para agradar aos caminhoneiros favorece a entrada de importados para forçar a redução nos preços de produtores locais.

Como a pandemia impactou a Pirelli no Brasil?

Com a paralisação das montadoras, em abril do ano passado, não fomos exceção. Atualmente, já produzimos em três turnos e com capacidade máxima para o mercado doméstico e exportação, com adoção dos protocolos de segurança.

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Os planos que a Pirelli tinha para modernizar as fábricas no Brasil estão mantidos?

Sim. Estamos trazendo para o Brasil a tecnologia para produzir pneus para carros elétricos. Como o carro elétrico é mais pesado, o pneu tem que ser mais resistente, oferecer mais aderência e um nível de ruído mais baixo. Ele será produzido em Feira de Santana (BA), de onde será exportado para os EUA, mas também vai abastecer o mercado local. Com a evolução do mercado de elétricos, até 2025 deveremos exportar.

Qual o investimento previsto pela empresa no Brasil?

O plano de investimentos anunciado para o Brasil entre 2019 e 2021 está sendo confirmado (o número anunciado pela empresa, em 2019, foi de € 120 milhões, equivalentes atualmente a R$ 776,4 milhões). Entre 2021 e 2022, a previsão da empresa é investir globalmente entre € 710 milhões e € 730 milhões em atualização tecnológica e aumento da produtividade. Entre 2023 e 2025, o investimento pode chegar a € 1,3 bilhão.

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Cada vez mais se cobra das empresas a responsabilidade com sustentabilidade. Qual é a preocupação da Pirelli com esse tema neste setor?

É um dos nossos pilares, com metas definidas. Em 2025, a Pirelli prevê que usará mais de 40% dos materiais de fontes renováveis, vai aumentar o uso de materiais reciclados e reduzir o uso de derivados de fontes de energia fósseis. Há uma grande atenção ao pneu no final de sua vida. O plano de descarbonização também continua, e, em 2025, vamos reduzir as emissões de CO² em 25% em relação a 2015. Do ponto de vista ambiental, nos causou preocupação a redução da alíquota de importação de pneus de caminhão de 16% para zero feita pelo governo brasileiro em janeiro para beneficiar os caminhoneiros.

Por que traz preocupação?

Nos preocupamos com a matéria-prima utilizada nesses pneus importados, especialmente da Ásia. A Ásia tem outras condições de competitividade. Há muitos incentivos para a exportação, subsídios, custo de mão de obra e energia mais baixos. Os produtos são de qualidade inferior e pode haver impacto no meio ambiente aqui. Não é possível fazer a reutilização, como se faz com os produtos feitos no Brasil. Com essa decisão do governo, não há isonomia em relação às condições de produção com sustentabilidade.

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A Pirelli já conversou com o governo sobre esse impacto?

Estamos conversando com o Ministério da Economia e o Congresso. O que preocupa é que a redução da alíquota não tem prazo para terminar. Precisamos de previsibilidade, igualdade de condições. É difícil convencer a matriz a fazer mais investimentos no Brasil se há países com mais competitividade no custo de produção. Temos um projeto de modernização tecnológica para o país, mas é preciso olhar o contexto para avaliar se esse plano não vai sofrer modificações.

Qual a importância do Brasil para a Pirelli?

O Brasil é um mercado estratégico. Mas precisamos de previsibilidade, e também que a reforma tributária avance. Além disso, o real tão desvalorizado frente ao dólar também não ajuda. Veja que algumas montadoras estão deixando de produzir no país. É difícil fazer um plano de investimento se a desvalorização do real não favorece o retorno num período razoável.