Colunas de Caroline Prolo

Por Caroline Prolo

Advogada especialista em direito ambiental e direito das mudanças climáticas.

São Paulo


Há algumas incertezas sobre como vai ser o futuro dos mercados de carbono, mas não há dúvida de que a demanda pela descarbonização é real e que, para evitar um aumento de temperatura global irreversível, governos e entidades privadas cada vez mais precisarão assumir compromissos de reduzir seu impacto de carbono para a atmosfera.

No caso dos mercados de carbono obrigatórios estabelecidos pelos governos — para regular as emissões de determinados setores da indústria —, sistemas legais centralizados precisam ser criados para controlar e viabilizar o fluxo de transferência de permissões de carbono entre os agentes regulados.

Mas quando o mercado acontece por uma demanda voluntária — de empresas que sem nenhuma obrigação legal optam por comprar créditos de carbono —, não existe um sistema unificado e um conjunto de regras harmônicas aplicáveis para a oferta e demanda.

O mercado de carbono voluntário é fragmentado e funciona inteiramente com base nas regras auto estabelecidas por cada um dos seus atores sistêmicos relevantes: os padrões de certificação, as plataformas de registro, as plataformas de comercialização e até mesmo os grandes compradores, que criam seus critérios de seleção dos créditos de carbono para compra, a exemplo do que é feito pela Coalizão LEAF. Faltam intermediários e uma infraestrutura de mercado mais interoperacional e unificada, o que tem limitado as operações a transações de balcão, prejudicando a liquidez e transparência desse mercado.

Atenta a isso, a Task-force on Scaling the Voluntary Carbon Markets (“TSCVM”) — já citada diversas vezes nesta coluna — vem propondo a criação de um framework global para trazer mais escala, segurança jurídica, liquidez e integridade ao ambiente dos mercados de carbono voluntários.

Elementos principais da proposta da TSCVM incluem: (i) a criação de um conjunto de “princípios de carbono fundamentais” (chamados Core Carbon Principles, “CCPs”), (ii) o fomento ao desenvolvimento de soluções de infraestrutura de mercado e (iii) o estabelecimento de uma governança internacional do mercado de carbono voluntário.

Com relação à governança, os primeiros passos foram dados no dia 21 de setembro de 2021, quando foi anunciada a criação de um órgão independente que vai conduzir o processo de construção de standards (padrões) para o mercado voluntário de carbono iniciado pela força-tarefa. O órgão de governança será constituído por um conselho com 22 representantes de 12 países, sendo 40% deles do “Sul Global”, assistido por um Secretariado Executivo e financiado por alguns de seus membros fundadores. Haverá também um Painel de Experts e dois órgãos consultivos: o Member Consultation Group — com cerca de 250 organizações — e o Senior Advisory Council, formado por “líderes globais”, indivíduos eminentes da academia, do mercado e de outros stakeholders relevantes.

A TSCVM anunciou os nomes dos membros e declarou que buscou garantir que a composição fosse em sua maioria de atores independentes, incluindo ONGs ambientalistas e organizações da sociedade civil, ao mesmo tempo em que trazendo a experiência comercial de atores de mercado. Serão também anunciados nomes de representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais.

Esse órgão de governança vai finalizar a elaboração dos CCPs, que serão lançados por etapas ao longo do ano de 2022. A ideia é que os CCPs sejam “o padrão dos padrões”, um conjunto de standards e metodologias transparente e global, para assegurar o mais alto nível de integridade sobre os padrões e práticas do mercado, ou seja: que as reduções de emissões de gases de efeito estufa certificadas sejam reais, permanentes e adicionais, sem dupla contagem e com linhas de base realistas e confiáveis.

Assim, em 2022 espera-se que o órgão de governança estabeleça guidelines de elegibilidade em relação aos CCPs e publique um framework para uso pelos padrões de certificação existentes, bem como estabeleça princípios de elegibilidade para fornecedores e órgãos de verificação e validação de projetos de créditos de carbono – ou melhor, de Reduções Verificadas de Emissões (“RVEs”, ou VERs – Verified Emissions Reductions).

Além disso, o órgão vai desenvolver um conjunto de standards “jurídicos” para a emissão de offsets e contratos de compra e venda, e definir uma taxonomia de atributos adicionais ao carbono, permitindo a criação de tipologias diferentes de créditos de carbono.

No Brasil, o Projeto de Lei Nº 528/2021, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), busca criar um sistema de registro dessas Reduções Verificadas de Emissões. Em uma das emendas recentes, elaborada com apoio do CEBDS – Conselho das Empresas Brasileiras pelo Desenvolvimento Sustentável –, propõe-se a criação de um “Sistema Nacional de Registro de Redução e Compensação de Emissões de Gases de Efeito Estufa” (SNRC-GEE), que conectaria compradores e fornecedores de offsets de demanda voluntária (ao mesmo tempo em que estabelece as bases para a criação de uma demanda obrigatória a partir de um “SBCE – Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões”). O SNRC-GEE seria assim um ambiente de registro e transferência de créditos de carbono do mercado voluntário, ambiente este minimamente regulado pelo Estado.

O surgimento dessas iniciativas de autorregulação e legislação de aspectos de funcionamento dos mercados voluntários de carbono fala por si só: nada é tão bom que não possa melhorar. Ter regras harmonizadas e infraestrutura para transferências de ativos de carbono em um mercado cada vez mais globalizado e complexo pode ser oportuno.

E o desenvolvimento dos mercados voluntários de carbono tem enormes desafios pela frente, começando com o de se garantir a fungibilidade dos créditos de carbono, diante da diversidade de tratamentos jurídicos jurisdicionais, de condições de lastro, linhas de base e realidades regionais, e de atributos adicionais ao carbono, que tornam os projetos únicos. Há também o desafio de assegurar que não haverá dupla contagem em relação à contabilidade para fins dos compromissos assumidos pelos países no âmbito do Acordo de Paris, com a eventual necessidade de o governo hospedeiro dos projetos fazer os devidos ajustes correspondentes dos créditos do mercado voluntário em relação às suas metas do Acordo de Paris – as NDCs, Contribuições Nacionalmente Determinadas. Sem falar nos desafios de se estabelecer princípios para a compensação e neutralização de emissões de gases de efeito estufa pelas empresas em seus compromissos “net-zero”. Lidar com todos esses obstáculos requer esforços de alinhamento entre os atores de mercado e estruturas para dar mais transparência e confiança ao mercado.

E não é por outro motivo que até hoje não se conseguiu regulamentar os mercados globais de carbono do Acordo de Paris: criar uma regulação eficiente para um mercado de carbono de grandes proporções – seja ele de demanda obrigatória ou voluntária — requer máxima convergência entre os atores de mercado e um fino equilíbrio para regular sem exceder nas burocracias, sem aumentar custos de transação e sem criar exigências desproporcionais. Assim como para enfrentar a crise climática é imprescindível haver cooperação entre os países — e daí a importância do Acordo de Paris —, fazer um mercado de carbono voluntário que seja confiável e efetivamente capaz de assegurar a economia descarbonizada requer ações concertadas e sistemáticas entre todos os atores.

O maior desafio da crise climática não é a descarbonização, é o consenso.

Caroline Prolo é sócia do Stocche Forbes Advogados especialista em Direito Ambiental

Caroline Prolo — Foto: Arte sobre foto Divulgação
Caroline Prolo — Foto: Arte sobre foto Divulgação
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