Edição do dia 13/02/2011

13/02/2011 08h00 - Atualizado em 13/02/2011 15h33

Tropeiros do parmesão viajam 40 Km para vender queijo e produtos da roça

O repórter Nelson Araújo acompanhou a tropa de cargueiros na Mantiqueira.
Este tipo de queijo é um símbolo da produção rural na serra.

Do Globo Rural

No meio das montanhas da serra da Mantiqueira, no trecho chamado de "mar de morros", existem várias fazendas de leite, regadas pela água cristalina que desce dos grotões para formar o Aiuruoca, rio que encantou os bandeirantes e que os índios consideravam como sagrado.

O símbolo da produção rural da cabeceira do rio Aiuruoca é o queijo tipo parmesão - uma delícia que é servida em quase toda casa da região.

Toda semana, os tropeiros do parmesão fazem uma viagem de 40 quilômetros, para levar o queijo e outros produtos da roça até os consumidores.

Maria Geralda e Agnelo Fonseca são descendentes dos pioneiros que fundaram comunidades rurais nos confins do município de Itamonte, ainda no século 19. Fonseca é neto do fundador Bruno Fonseca, hoje, nome da escola do povoado de Campo Redondo, enfronhada num bosque de araucária. Ele conta que por volta de 1940, 1950, já havia fabriquetas de laticínios no local, consagrando o hábito do queijo na dieta Mantiqueira.

Embora possa ficar curado como o parmesão tradicional, o parmesão da Mantiqueira é consumido preferencialmente jovem, até fresco. E desde a sua origem até hoje, para os destinos de difícil acesso, é em lombo de mula que ele deixa as quebradas de serra.

Jesuel Elzo dos Santos é um dos que mantém a tradição dos cargueiros. Geralmente, sexta-feira, ou véspera de feriado, ele viaja. Ele sai de 1.500 metros de altitude pra galgar o topo das montanhas, acima de dois mil metros. Se fosse uma escadaria, daria quase quatro mil degraus.

A viagem do Jesuel é solitária até certo ponto. Ele encontra companheiros, tropeiros de queijo, no Morro Cavado, no alto da Serra Negra, mais de dois mil metros de altitude, divisa dos municípios de Itamonte e Bocaina de Minas.

Jesuel é o mais velho, está com 60 anos de idade e há 36 faz a rota. Jair Fonseca, de 57 de idade, há vinte é tropeiro. Paulo Fonseca é o caçula, tem 41 anos, e começou há seis.

No vídeo ao lado é possível ver um mapa que mostra a diferença das trilhas. Jesuel sai da comunidade de Serra Negra e pega um dos caminhos; Jair e Paulo saem do distrito da Fragária. De onde se encontram, faltam cerca de 30 quilômetros até Visconde de Mauá, distrito turístico do município de Resende, já no estado do Rio de Janeiro.

Os campos de altitude, forrados de capim nativo, se sobressaem. Entremeando a paisagem, ainda restam matinhas frias pra atravessar. Elas ficam próximas ou sobre brejos de altitude, são áreas úmidas e encharcadas no topo da montanha. O pisoteio secular cavou a trilha, abriu valas de até dois metros de profundidade. O tropeiro tem que romper este desafio.

No ponto mais alto da trilha, a 2.200 metros de altitude, mais um tropeiro se junta à comitiva. Natanael Cristiano Ramos, vinte anos de tropa, que mora numa dobrada de onde atalha um caminho por dentro.

Lá do alto se avista a divisa de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A descida começa suave, no descampado onde o pisoteio riscou os caminhos. É um dos raros trechos em que é possível caminhar lado a lado. Logo a trilha se afunila de novo e o comboio volta a formação de fila indiana.

Olhando pra baixo dá pra avistar os distritos de Maromba, Maringá, Visconde de Mauá. Deste ponto, ainda faltam três horas de viagem.

Muitos podem se perguntar: não há outro jeito de transportar essas mercadorias sem esse sacrifício? Só sacrificando carros 4x4, como fizeram e ainda fazem os donos de um 'jipão', que trocaram o certo de onde viviam pelo duvidoso, mas aprazível, povoado de Campo Redondo.

Há 30, 40 anos atrás, muitos jovens queriam mudar o mundo mudando para a roça. Um casal carioca conseguiu realizar esse sonho. Pedro e Hélène Delmonte.

Pedro reflorestou a propriedade e virou apicultor profissional produzindo o mel da Mantiqueira e se envolveu fundo com quem faz o famoso queijo tipo parmesão da região. Ajudou a montar a ainda pequena Associação dos Produtores, fabricação modesta, mas que já se habilitou ao fornecimento da merenda escolar.

Pedro acabou formando com mais uns amigos da Mantiqueira um tipo de sociedade que não é comum na região. É uma propriedade compartilhada, tanto de pasto como de animal.

Marcelo Fonseca, Pedro e um vizinho, que hoje está fora, fizeram um ‘bem bolado’. Juntaram as cabeças de gado, fazem um rodízio de pastos e ordenha e um funcionário só atende as três propriedades.

O Marcelo, sócio do Pedro é filho do Sr. Zé Alípio Fonseca. A família está na sétima geração e o Sr. Alípio é da terceira. Ele está com 82 anos. Teve dois casamentos, está com 41 netos, 12 bisnetos e a maior parte da vida continuou fazendo duas coisas: queijo e lidando com cargueiro de mula. "Lidando com tropa eu passei 27. Eram quatro dias de viagem, direto”, conta o ex-tropeiro, Alípio Fonseca.

Uma das filhas, Ceila, junto com o marido Otávio Fonseca, abriu uma pousada. Já um primo do seu Zé Alípio é dono de uma fazenda onde fica uma bela cachoeira, mas ele não pensa em turismo.

José Sebastião Fonseca, seu Zequinha, aposta na tradição do produto artesanal. Tanto que montou recentemente uma fabriqueta de queijo para os filhos. Ele voltou a atividade inspirado no sucesso de um sobrinho.

Na última parte desta reportagem especial do Globo Rural, você acompanha como se faz o legítimo parmesão tipo Mantiqueira. O queijo que os tropeiros conduzem pelas montanhas da região.

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